Rainer Hundsdörfer vai tem que tomar aquela que é, talvez, a decisão mais difícil da sua vida
profissional: a empresa dele planeia investir 50 milhões de Euros no curto prazo, mas ele não tem certeza se ainda vale a pena gastar este dinheiro no seu próprio País.
Hundsdörfer é o administrador da empresa Ebm-Pabst. Os ventiladores industriais fabricados pela Ebm em Mulfingen, uma cidade no sul da Alemanha, estão instalados em sistemas de refrigeração para supermercados, hotéis e condicionadores de ar e em computadores ao redor do mundo. Os mercados estrangeiros já representam mais de 70 % das vendas de empresa.
A Ebm-Pabst fábrica já há algum tempo produtos na Índia e na China, mas até agora o objectivo de investir em Países estrangeiros era simplesmente para estar mais perto dos clientes. A empresa permaneceu ferozmente leal à Francônia, a região natal, na Alemanha. Mas essa lealdade pode desaparecer na próxima decisão de investimento. Diz Hundsdörfer:
Seria a primeira vez que escolhemos contra o local de produção na Alemanha.
A empresa quer expandir a fábrica de Mulfingen e construir um novo centro de logística. Isso criaria centenas de empregos, mas o que falta é, nas palavras do administrador, “uma infra-estrutura rodoviária decente para fazer que o investimento valha a pena”. Os camiões da Ebm são obrigados a usar a Hollenbacher Steige, uma estrada que está a desmoronar e que precisa urgentemente de ser reconstruida. Muitas vezes, dois camiões não conseguem passar ao mesmo tempo numa estrada tão estreita.
O custo do projecto de construção da estrada é de 3.480.000 Euros, mas o Estado e o governo local estão relutantes a executar a coisa, por causa dos custos. De acordo com as contas de Hundsdörfer, algo não bate certo:
Nós pagamos mais impostos num ano daquilo que custaria refazer a estrada
Agora Hundsdörfer está a considerar o impensável: construir um centro de logística no estrangeiro. E Hundsdörfer não seria o único a fazer esta escolha.
Muitos economistas argumentam que as empresas estão preocupadas não só para as estradas que estão a desmoronar, mas também para a falta de trabalhadores qualificados, as condições na Zona Euro, o aumento dos custos da energia. E esse medo, por sua vez, está a dificultar os planos para o futuro da Alemanha.
As consequências são dramáticas. tendo em conta o cálculo da correção da inflação, a verdade é que muitas empresas têm reduzido as suas despesas com máquinas e computadores ao longo dos últimas décadas, de acordo com os dados do Departamento Federal de Estatística. Isto é especialmente verdadeiro para a indústria química, mas também as infra-estruturas industriais estão a entrar em colapso, por exemplo, nas áreas da engenharia mecânica e electrónica.
Mas as empresas não pararam completamente de investir, simplesmente já não estão a investir mais na Alemanha. A BMW, a montadora bávara, está a gastar biliões de Dólares para transformar a fábrica em Spartanburg, Carolina do Sul (EUA) na sua maior fábrica no mundo. A Daimler agora monta a nova Classe C para o mercado americano na cidade de Tuscaloosa, Alabama (EUA). Dürr, o fabricante de equipamentos para pintura, ampliou as instalações industriais em Xangai no ano passado, de modo que estas já atingiram o mesmo tamanho daquelas da sede em Bietigheim, perto de Stuttgart.
Desde o início do sucesso do fracking, os custos da energia foi reduzido e os Estados Unidos tornaram-se no local particularmente preferido para as empresas alemãs. Em Maio, o administrador da BASF, Kurt Bock, anunciou um novo plano de investimento de mil milhões de Euros, o maior na história da empresa, para a costa do Golfo dos Estados Unidos. Ao explicar a decisão, a liderança explicou que o gás natural nos Estados Unidos custa apenas um terço do que custa na Alemanha.
O gigante da tecnologia Siemens foi ainda mais longe, anunciando que, no futuro, irá gerir todo o seu negócio a partir dos Estados Unidos.
O trecho de estrada rodovia que passa através do estado de Hesse inclui 22 grandes pontes construídas na década de 1960 e todas, excepto duas, terão de ser reformuladas nos próximos anos. Surgiu a necessidade “bem à frente do tempo de vida calculada no momento da construção”, como explica o Ministro dos Transportes, em Hesse.
Há três semanas, ele visitou as obras na ponte Lützelbachtal, perto Dillenburg. Usando um capacete e um colete de segurança, ficou suspenso acima do vale numa gaiola de aço, o que lhe permitiu ver como o cimento está rachado e as hastes de aço enferrujadas.
A ponte não tinha sido planeada para cargas o trânsito que agora sustenta: o peso máximo permitido dum camião costumava ser de 24 toneladas, hoje é de 44 toneladas. Um único conjunto tractor-reboque exerce tanta pressão sobre o material como 40.000 carros.
Há muito a fazer em Hesse e muito a pagar. O Estado e o governo federal gastam 207 milhões de Euros para renovar pontes, só em 2014. E os custos continuarão a subir nos próximos anos, uma tarefa “hercúlea” para o governo de Hesse.
Pontes e estradas são o sinal mais visível de que as infra-estruturas da Alemanha estão doentes. Autoestradas e rodovias federais, pontes, redes ferroviárias: muito disso ficou velho. Nas últimas duas décadas, o governo federal, os estaduais e os municipais têm negligenciado a manutenção adequada deste tipo de estruturas, os investimentos na manutenção e nos reparos estão em queda desde o início de 1990.
Em 2008, a Alemanha ficava em terceiro lugar na lista de Fórum Económico Mundial de Davos acerca dos Países com as melhores infra-estruturas. Agora a Alemanha caiu para o sétimo lugar. Durante décadas, o mundo invejou a rede rodoviária ou ferroviária da Alemanha. Hoje esse capital está a desintegrar-se.
Mas é aí que passam os trabalhadores, estes são os meios utilizados pelas mercadorias. Descuidar dos transportes (e este é só um exemplo, pois seria possível falar das escolas, por exemplo) significa aumentar os custos da mobilidade e, consequentemente, da produção.
Este é o resultado da política de austeridade.
A tendência poderia ser interrompida, até invertida na Alemanha. Mas o País teria de investir pelo menos mais 10 biliões de Euros por ano, segundo os cálculos do DIW.
O governo federal, no entanto, planeia gastar € 1.25 biliões por ano, um oitavo do que os economistas acreditam ser necessário.
Ipse dixit.
Alemanha: a Grande Ilusão – Parte I
Relacionados:
Wirtschaftswunder
O milagre alemão: a história não contada
Alemanha: rigor, controle e seriedade
O banco “escondido” da Alemanha
Fontes: Der Spiegel