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De volta: Goldman Sachs, BES e SPV

3…2…1…e vai: Informação Incorrecta volta!

Ok, ok…a pausa das férias foi mais comprida do que o previsto, verdade. E peço desculpa por causa disso. Mas nem sempre a realidade segue os nossos programas, aliás, quase nunca. Assim, um pouco de preguiça dum lado, alguns percalços do outro, mais o trabalho e eis que o blog ficou parado demasiado tempo.

Mas hoje retomam as publicações normais.
E vamos falar de quê? Olhem, hoje vamos falar dum banco, aliás, dum ex-banco. Um ex-banco de Portugal.

Eu sei, eu sei…não costumo falar de assuntos locais, mas desta vez vale a pena porque na verdade a coisa vai muito além das fronteiras lusitanas. Muito mesmo, apesar da comunicação social portuguesa (e não só) parecer ignorar o assunto.

A instituição é o Banco Espírito Santo, o BES, activo em vários Países, como no Brasil, por exemplo.
O BES já não existe: foi dividido em Banco Espírito Santo (uma espécie de fantasma que tentará recuperar os créditos sem nunca conseguir) e o Novo Banco (que em dez dias já mudou duas Administrações, tanto para começar bem).

Agora, não vamos aqui reler todas a versão oficial que qualquer Leitor pode encontrar em qualquer diário. Não vamos relembrar das palavras do Banco de Portugal (“A situação de solvabilidade do BES é sólida, tendo sido significativamente reforçada com o recente aumento de capital.”), dos políticos (o Primeiro Ministro ou o líder da oposição que acreditaram piamente nas palavras do Banco de Portugal), dos economistas conceituados que juravam o BES estar cheio de saúde (José Gomes Ferreira: “Falência? Nem pensar”) nem vamos falar de todos os que tinham as poupanças investidas em acções do banco (e perderam tudo).

Vamos falar da Goldman Sachs.

A Goldman Sachs (GS), dizem na imprensa especializada, colocou os seus tentáculos por todo o mundo: durante a crise financeira de 2007 foi em conluio com o fundo de investimento de John Paulson (poupanças pessoais: 16 biliões de Dólares) para enganar 3/4 do planeta e vender assim produtos financeiros podres, ao mesmo tempo que apostava contra aqueles mesmos produtos para ficar com as apólices de seguro.

Dito em palavras mais simples: dum lado a GS vendia produtos podres (lucrando), doutro lado assinava contratos com as companhias de seguro para receber dinheiro caso aqueles produtos acabassem mal (lucrando na mesma).

Como nos Estados Unidos ainda é possível encontrar pessoas (poucas) que entendem o que se passa, a Comissão de Investigação do Senado, conduzida pelo senador Carl Levin, até tentou travar a monstruosidade. Mas o Senado conta o que conta, enquanto GS conta e ponto final.

Mas tudo isso é passado (?), vamos espreitar o presente. E o que encontramos no presente? Encontramos a Goldam Sachs com o Banco Espírito Santo.

A simpática Goldman Sachs inventou-se um banco fictício no Luxemburgo para pagar 835 milhões de Dólares (fictícios) ao Banco Espírito Santo. Objectivo: lucrar com as compensações das intermediações (fictícias) que apareciam nos livros orçamentais e que atraiam os investidores. Pois o investidor pensa: olha, se a Goldman Sachs trabalha com o BES, isso significa que o BES é um senhor banco, não uma coisa podre à beira da falência.

A seguir, GS comprou de volta parte do falso empréstimo (com taxas ridiculamente baixas) para depois voltar a vende-lo a outros investidores espalhados pelo mundo fora (lucrando, como é óbvio).

Nesta altura um investidor poderia ter pensado: “Ehi, espera um segundo: mas se GS fica com o empréstimo de volta, isso significa que o BES já não tem os 835 milhões!”.

Ora bem: aqui nota-se a verdadeira arte. Goldman Sachs compra um punhado de acções do Banco Espírito Santo (que já nesta altura é, literalmente, um cadáver em decomposição), de forma que todo o mundo possa dizer: “Uhi! Se Goldman Sachs investe no BES então este sim que deve ser um banco cinco estrelas!”.

No final de Julho o BES explode, como era natural que assim fosse.
Goldman Sachs perde os trocos que tinha investido nas acções do banco (migalhas, já amplamente compensadas pelos lucros acumulados anteriormente), Portugal fica com os cacos e até, com o tempo, pode devolver as tais migalhas a Goldman Sachs (de certeza não desejamos que GS fique mal, não é? É que não está habituada a perder).

Um falso carrossel, um falso banco, dinheiro falso, transações falsas: mas pessoas reais que perdem dinheiro, por vezes poupanças duma vida. Tudo é possível graças ao facto de que a Finança usa a creme dos cérebros, gente que trabalha 24 por dia para inventar coisas como esta.

E tudo isso até tem um nome bonito: SPV, Special Purpose Vehicles, ou seja, veículos para fins especiais. Os SPV têm a característica interessante de não aparecem nos livros dos bancos em questão, são operações “especiais” baseadas em “veículos” especiais (bancos fictícios) para um “objectivo” (purpose) que é sempre o mesmo: lucrar, mesmo que isso signifique enganar tudo e todos.

Quantos bancos estarão cheios de SPV podres, escondidos em cada canto e recanto das instituições?
E nem vamos mexer no assunto “derivados”, porque aí a coisa fica ainda mais preta…

A lição dramática é esta: com o desaparecimento da despesa do Estado (que já não pode criar dinheiro nas Zona Euro, nos Estados Unidos…), os bancos tornaram-se Estados? Estes monstros têm poderes incríveis, podem simplesmente ignorar e atropelar tudo e todos. A nossa vida económica (que depois significa tudo: desde o pão na mesma até os livros escolares dos filhos, o empréstimo da casa, o sistema de saúde…) fica totalmente nas mãos dessas maquinações tanto abstrusa quanto poderosas.

Ipse dixit.

Fontes: Observador, SIC Notícias, Wikipedia: SPV/SPE (versão portuguesa), Paolo Barnard