Uma autêntica mina.
Os custos do câncer
Porque quando o assunto for a saúde, quem pode gasta, sem olhar para as contas. E se do outro lado estiver um abutre, o jogo está feito.
Não tendo conhecimentos médicos (pormenor não indiferente que deve ser mantido em conta), vamos observar as coisas do ponto de vista exclusivamente económico: quanto custa um ciclo de quimioterapia? Quanto custa a nós, a todos nós contribuintes?
Alguns dados:
Seis ciclos com Paclitaxel e Cisplatina (ECOG 1594) para 100 doentes: 128.217 €
Seis ciclos com Vinolrelbina e Cisplatina (TAX 326 + ILCP) para 100 doentes:200.940 €
Seis ciclos com Paclitaxel e Carboplatina (ECOG 1594 + ILCP) para 100 doentes: 216.945 €
Seis ciclos com Gemcitabina e Cisplatina (ECOG 1594) para 100 doentes: 409.020 €
Seis ciclos com Docetaxel e Cisplatina (ECOG 1594 + TAX 326) para 100 doentes: 540.093 €
Seis ciclos com Docetaxel e Carboplatina (TAX 326) para 100 doentes: 548.955 €
Caros, muito caros. Sobretudo porque estes são dados de 2007: difícil que tenham descido, fácil o contrário.
Mas, podemos pensar, há por aqui substâncias preciosas, algo que só os melhores laboratórios do mundo podem sintetizar. O Paclitaxel, por exemplo: com um nome assim, fácil imaginar o fruto de experiências conduzidas em missões espaciais, algo desenvolvido em condições críticas.
E mais: antes de ser vendido, o Paclitaxel é misturado com o Kolliphor EL, outra substância mística que pode ser preparada apenas nos recipientes sagrados das casas farmacêuticas.
Para acabar, há a Cisplatina. E sabemos que a platina é coisa cara.
Isso justifica os preços aparentemente exorbitantes.
Ou talvez não.
Porque o Paclitaxel foi descoberto em 1967 e é produzido a partir da cortiça do teixo, que
e uma árvore (e nem rara).
O Kolliphor é óxido de etileno (gás descoberto em 1859), produção mundial no ano de 2000: 15 milhões de toneladas) com óleo de rícino.
A Cisplatina? Sintetizada pela primeira vez em 1844, na Drogaria SARE a Cisplatina da Zodiac (50 ml) é vendida por 143.29 Reias, menos de 50 Euros. Não parece muito cara, não é?
Apesar dos ingredientes serem baratos, o tratamento por cada doente ultrapassa os 1.200 Euros. E atenção: aqueles acima reportados são apenas os custos dos medicamentos, que não levam em conta a subministração, a pré-medicação e o controlo das reacções adversas.
Incluindo estes últimos factores, os totais crescem exponencialmente:
Seis ciclos com Paclitaxel e Cisplatina para 100 doentes: 452.096 €
Seis ciclos com Vinolrelbina e Cisplatina para 100 doentes: 814.366 €
Seis ciclos com Paclitaxel e Carboplatina para 100 doentes: 467.550 €
Seis ciclos com Gemcitabina e Cisplatina para 100 doentes: 703.251 €
Seis ciclos com Docetaxel e Cisplatina para 100 doentes: 841.978 €
Seis ciclos com Docetaxel e Carboplatina para 100 doentes: 825.887€
Portanto, seis ciclos de quimioterapia custam por cada doente algo entre 4.520 e 8.420 Euros.
É óbvio que nenhum paciente paga tanto: é o Estado que comparticipa. Mas o Estado, somos nós, utiliza dinheiro público.
É normal e moral que fármacos que podem salvar a vida (não entramos aqui na questão da bondade da quimioterapia) tenham custos tão elevados? Os Estados e várias instituições públicas ao redor do planeta não financiam já a pesquisa?
As coisas não estão melhores ao falar de radioterapia.
custo por um tratamento é cerca de € 12.000.
Um único tratamento com ondas de rádio (geralmente são precisas pelo menos cinco sessões) custa 12.000 Euros, sem levar em conta o custo de médicos, radioterapeutas, técnicos, custos operacionais, de manutenção, etc.
Existem vários modelos de radioterapia e cada doente pode ser obrigado a efectuar mais do que um ciclo de tratamento. Os montantes envolvidos são enormes.
Outro dado interessante é aquele relativo aos produtos químicos utilizados em combinação com as terapias radiológicas. Por exemplo: um dos agentes antineoplásicos utilizados com a radioterapia é baseado no princípio activo conhecido como Cetuximab (denominação comercial: Erbitux), cujo custo para oito semanas de tratamento é de 7.722,80 Euros (preço oficial fornecido pela empresa farmacêutica).
Quase 8mil Euros em troca dum medicamento em circulação desde 1989 não será demais?
Sim, é verdade: existe a pesquisa e esta tem custos elevados.
Mas o Cetuximab, por exemplo, foi descoberto pelo Weizmann Institute of Science, que é público.
O Paclitaxel também foi descoberto com os fundos duma instituição pública, o U.S. National Cancer Institute.
A Vinolrelbina vem do trabalho de Pierre Potier, do Centre national de la recherche scientifique, que é público.
O Docetaxel, sintetizado pela Rhône-Poulenc Rorer (agora Sanofi-Aventis), foi baseado no trabalho do mesmo pesquisador, Potier, na mesma instituição pública.
A Cisplatina está em circulação desde 1844, e o complexo de platina obtido por electrolise foi descoberto em 1965 por Barnett Rosenberg, na Michigan State University.
A Carboplatina também foi descoberta sempre na Michigan State University e desenvolvida no The Institute of Cancer Research de Londres, ambas instituições públicas.
Finalmente, temos a Gemcitabina, a única que foi inteiramente desenvolvida num laboratório privado, a Eli Lilly and Company de Indianapolis. Mas isso foi no começo dos anos ’80, pelo que é lícito supor que os custos já foram amplamente cobertos.
E a propósito de datas, lembramos o seguinte:
Paclitaxel: 1967
Vinolrelbina: primeiros anos ’80 do século passado.
Gemcitabina: primeiros anos ’80 do século passado.
Docetaxel: primeiros anos ’80 do século passado.
Carboplatina: 1989
Cisplatina: 1844 e 1965.
Cetuximab: 1989
Como curiosidade, eis as datas de descobrimento dos principais fármacos utilizados na quimioterapia neoplásica:
Actinomicina D (nome comercial: Cosmegen®): 1940
Asparaginasi: 1953
Bleomicina (Bleomicina®): 1966
Bussulfano: 1953
Capecitabina (Xeloda®): antes de 2003
Ciclofosfamida (Endoxan Baxter®): 1954
Citarabina (Aractyn®, Citarabina DBL®): 1959
Clorambucila (Leukeran®): antes de 1985
Dacarbazina (Deticene®): antes de 1975
Daunomicina (Daunoblastina®, DaunoXome®): anos ’60
Doxorrubicina cloridrato (Adriblastina®, Caelyx ®): anos ’50
Epirubicina cloridrato (Farmorubicina®): 1980
Etoposide (Etoposide Teva®, Lastex®, Vepesid®): 1966
Fludarabina fosfato (Fludara®): 1968
Fluorouracila (Efudix®, Fluorouracile DBL®, Fluorouracile ICN®, Fluorouracile Teva®): 1950
Idarubicina cloridrato (Zavedos®): antes de 1999
Idrossiurea (Onco Carbide®): 1869
Ifosfamida (Holoxan®): antes de 1988
Irinotecano cloridrato (Campto®): antes de 1996
Melfalan (Alkeran®): antes de 2007
Mercaptopurina (Purinethol®): antes de 1962
Metotrexato: 1947
Mitomicina: 1955
Mitoxantrone (Novatrone®, Onkotrone®): antes de 1984
Oxaliplatina (Eloxatin®): 1976
Procarbazina: antes de 1967
Raltitrexed (Tomudex®): 1986
Streptozocina: 1958
Tegafur-uracile: 1950
Temozolomide (Temodal®): 1978
Tioguanina (Thioguanine Wellcome®): antes de 2001
Tiotepa (Thioplex®): 1953
Topotecano (Hycamtin®): antes de 1996
Vinblastina (Velbe®): antes de 1976
Vincristina solfato (Vincristina DBL®, Vincristina Lilly®, Vincristina Pharmacia & Upjohn®, Vincristina Teva®): anos ’50
Vindesina (Eldisine®): antes de 1995
Pelo que, na maior parte dos casos estamos perante produtos descobertos e explorados comercialmente há décadas. É claro que a pesquisa antitumoral é muito mais do que isso (aqui falamos exclusivamente de quimioterapia) e, além da “descoberta” em si, há os ensaios clínicos e todos os processos necessários para a aprovação e a comercialização.
Todavia, considerada a venerável idade de muitos entre os produtos, é difícil justificar os preços exorbitantes ainda pedidos. Aliás, olhando para as mesmas datas, a pergunta que surge espontânea é: onde está a pesquisa?
Pergunta errada. Sim, pode ser, sem dúvida.
Mas também 8.420 Euros para seis ciclos de quimioterapia parecem errados.
Ipse dixit.
Fontes: Associazione Italiana Malati di Cancro, Prevenzione Tumori (várias páginas do arquivo), MolacularLab, Disinformazione.
As datas da descobertas dos medicamentos podem ser encontradas nas respectivas páginas de Wikipedia (em vários idiomas)