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Não há crise (por enquanto)

É curioso: a nossa economia continua a viver na corda bamba mas isso é encarado de forma
absolutamente normal. Sim, verdade, alguns banqueiros lançam o alarme, mas parece que a sociedade, no geral, está a habituar-se ao estado de constante instabilidade.

Assim, passámos dum estado de “está tudo bem, a crise é coisa temporária” para um onde a economia vive no máximo com perspectivas de médio e até de curto prazo: “as coisas estão melhores, o pior já passou, mas…”.

É aquele “mas” que não bate certo. A verdade é que a economia não voltará a ser o que já foi, não com o actual sistema. A crise despoletada em 2007 não apenas não acabou, mas abriu um novo ciclo, feito de outras crises, algumas mais violentas, outras mais leves, ao fundo das quais não há a quimera da retoma mas o incógnito. Que depois significa “instabilidade”.

Na Zona Euro, por exemplo, já ninguém fala da “força do Euro que conseguiu resistir à crise”. Pelo contrário, observa-se o surgimento de outras “bolhas” que, como sabemos, cedo ou tarde irão rebentar, como todas as bolhas que se respeitem.

A criação das tais “bolhas” é a natural consequência da Finança que tomou conta de todos os recursos: a Finança, nesta fase, não cria riqueza, pelo contrário, limita-se a explorar os bens já existentes, reduzindo cada vez mais a margem da riqueza real. Subtrai riqueza.

O alarme toca na altura em que observamos sinais assustadores também em outras partes do mundo, aquelas que até hoje tinham conseguido absorver da melhor forma os golpes da crise.

Alguns dados.

O Bank for International Settlements publicou um novo relatório que alerta acerca da formação de “novas e perigosas bolhas especulativas“, que pode provocar uma outra grande crise financeira.

Ao mesmo tempo o Fundo Monetário Internacional afirma que há 25% de possibilidade de que a Zona Euro entre em deflação no final do próximo ano.

E o Banco Mundial adverte que “é hora de preparar-se” para a próxima crise económica global.

Se depois olharmos para a situação dos vários Países, a situação confirma tais premissas: a economia americana dos Estados Unidos caiu 2,9% no primeiro trimestre de 2014, um
resultado bem pior do que o esperado.

Da crise argentina já sabemos, e as últimas notícias não são nada boas: Buenos Aires falhou o pagamento da dívida de 539 milhões de Dólares e está à beira da sua segunda grande falência em 13 anos.

A Bulgária tenta travar a “corrida aos balcões” nos seus bancos, que ameaça sair do controle.
E continuando na Europa: as economias dos Países do Velho Continente mostram ou uma falta de crescimento ou até um encolhimento. Afirma Forbes:

No primeiro trimestre de 2014, a economia italiana encolheu 0,1% […] Após uma expansão de 0,6% no 2 º trimestre de 2013, a França registou um crescimento de zero. A economia portuguesa, depois dos números positivos nos três trimestres anteriores, caiu 0,7%. Não estão ainda disponíveis os dados das economias grega e irlandesa (1 º trimestre de 2014), mas é óbvio que nenhum dos dois Países está a mostrar progressos. No último trimestre de 2013, o PIB grego caiu 2,5%, enquanto a Irlanda teve um modesto crescimento de 0,2%. 

Olhar para os resultados da Grécia pode não fazer muito significativo (o País já era, de facto), mas quando a segunda e a terceira economias europeias (França e Italia, respectivamente) têm desempenhos negativos, algo se calhar não bate bem.

E a reacção do Banco Central Europeu (BCE) não é animadora: introduziu as taxas de juros negativas. O que significa isso? Significa que o BCE agora penaliza os bancos
privados que depositem dinheiro nas contas do mesmo Banco Central Europeu em vez que utiliza-lo para o
crédito à economia.

Isso tem duas leituras:

  1. os bancos privados não confiam na economia europeia e preferem tentar ganhar algo (pouco) com as taxas de juros oferecidas pelo BCE em vez que arriscar concedendo empréstimos às empresas.
  2. o BCE responde com “Por amor de Deus, façam circular o dinheiro ou estamos feitos”.   

E fora da Europa?
Da Argentina já vimos. ..

No Japão os preços nas lojas estão a subir com o ritmo mais rápido dos últimos 32 anos; isso enquanto o consumo das famílias caíram 8% em relação a um ano atrás.

E se as empresas norte-americanas estão a afogar nas dívidas, a bolha da dívida corporativa (corporate-debt) na China é tão grande que já ultrapassou a dos Estados Unidos. Como relatou um economista de Pequim, os empréstimos chineses por um total de 80.000 milhões de Dólares são garantidos por falsas transacções de ouro. O que vai acontecer com o preço do ouro e a estabilidade dos mercados financeiros da China uma vez “explodida” esta situação? Não sabemos.

As tendências e os números orçamentais no curto prazo interessam até um certo ponto: o que conta é o longo prazo. Uma actividade pode registar um pico de crescimento num determinado período (o curto prazo), mas é no longo prazo que pode ver-se qual o estado de saúde.

Neste momento, os cidadãos do planeta têm dívidas por mais de 223.000.000 milhões de Dólares e os bancos too big to fail (os “demasiado grandes para falir”) têm pelo menos 700 bilhões de Dólares de exposição.

Na realidade, portanto, não é muito importante se os números no curto prazo sobem ou deixem dumas décimas. É todo o sistema é uma espécie de “esquema Ponzi”, internamente defeituoso, que inevitavelmente irá entrar em colapso sob o seu próprio peso.

Esperamos que este período de relativa estabilidade possa durar um pouco tempo. Seria uma boa coisa ter o tempo necessário para preparar-se. Porque é preciso ser absolutamente louco para pensar que a maior bolha da dívida na história da humanidade nunca vai estourar.

(nota: quem escreve pensava que a crise pudesse ter surgido já no primeiro semestre de 2014. Erro de avaliação: no primeiro semestre pioraram os dados, pelo que estamos perante a preparação duma segunda vaga da crise – pois seria incorrecto falar de “nova crise”: esta é sempre a mesma crise de 2008, da qual nunca saímos. Final de 2014? Começo de 2015? Vamos ver…).

 
Ipse dixit.

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Fontes:  no texto