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Como (dis)funciona a União Europeia

Então, como funciona a União Europeia?
Bom, o assunto é complicado. É precisa paciência. E um certo sentido de humor também.

Teoricamente, a União Europeia deveria funcionar de forma democrática, elementar:

Muito simples, de facto.
Demasiado simples.

Este esquema tem uma grave falha que mina toda a arquitectura: há o risco que a vontade popular seja expressa e, pior ainda, possa ser concretizada numa lei.

Para eliminar este problema, era preciso algo mais “requintado”, um processo retorcido que, em nome da defesa da Democracia, controlasse a vontade dos eleitores, pudesse afecta-la até dobra-la em favor de outros interesses.

Por esta razão nasceu a Comissão Europeia, composta por 28 membros que ninguém elegeu. De facto, os membros são escolhidos pelos vários governos nacionais (de acordo com o Presidente da Comissão e o Conselho Europeu) entre as principais personalidades dos Estados-Membro. A Comissão assim criada tem o monopólio no âmbito das propostas legislativas, isso é, o Parlamento pode debater propostas de lei saídas unicamente da Comissão.

E aqui chegamos ao ponto crucial: o processo de aprovação duma lei.
Para entende-lo a coisa melhor é uma imagem:

Não é preciso dizer nada, o processo comenta-se sozinho.
Mas há algo que é preciso salientar: em fase nenhuma o Parlamento (que, lembramos, é o único órgão da União eleito pelos cidadãos) é deixado “sozinho” na decisão. Ou limita-se a aprovar directamente a proposta apresentada pela Comissão tal como ela é (na Primeira Votação), ou entram em jogo sempre a Comissão e/ou o Conselho.

É também interessante notar como, sempre na fase da Primeira Votação, o bem estar do Parlamento não seja suficiente para fazer aprovar uma lei: depois da do Parlamento, há a votação do Conselho. A partir da Segunda Votação, o Parlamento pode aprovar uma “posição comum”, isso é, algo mediado pela Comissão e pelo Conselho.

Portanto, temos um esquema que:

A acção do Parlamento é sempre condicionada/mediada pela acção de dois órgãos formado por membros não eleitos: ou a já citada Comissão Europeia ou o Conselho Europeu.

Um sistema que pode fazer lembrar os Parlamentos bicamerais, onde além duma Câmara há outro órgão (geralmente o Senado) que participa activamente no processo legislativo. Só que, nestes sistemas, também o segundo órgão (o Senado) é composto por pessoas eleitas, não “nomeadas”; além de que, na União Europeia há também o Conselho Europeus. 

Este último é formado pelos chefes de governo ou de Estados dos vários Países-membros (mais o Presidente da Comissão que, no entanto, não tem direito de voto), mas é bom não esquecer que a sua existência não é prevista nos tratados que instituem a comunidade.

O Conselho, portanto, mantém uma natureza jurídica anómala e ambígua, sendo desprovido de qualquer tipo de plano de controle democrático e judicial no nível comunitário, uma vez que não está sujeito às regras processuais dos Tratados ou aos limites de competência.

Pelo que, um sistema tricameral, no qual dois terços dos órgãos que intervêm no processo legislativo não são eleitos pelos cidadãos (nota: poderia afirmar-se que o Conselho afinal é formado por pessoas sempre eleitas pelos cidadãos, mas esta afirmação não é correcta, pois os chefes de governo ou de Estado são eleitos para desenvolver funções no plano nacional, não Europeu; doutro lado nem poderia ser de forma diferente, pelo simples facto que, como vimos, o Conselho nem tem uma posição jurídica definida).

Resumindo, temos um Parlamento Europeu cuja actividade é dramaticamente reduzida e controlada por dois órgãos: um formado por indivíduos que ninguém elegeu e outro que teoricamente nem deveria existir.

Tratado da União Europeia, Artigo nº 2:

A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia […]

Sem dúvida. É só decidir o que desejamos chamar de “democracia”.

Ipse dixit.

Fontes: Tratado da União Europeia, House of Lords, European Parliament