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O Irão, o petróleo e, obviamente, a CIA

No ano passado, saiu uma daquelas notícias que tem o destino já marcado: passar despercebidas. São as notícias que “iluminam” a História recente, fazem perceber muitas coisas e, por isso, nenhum diário gosta de rematar.

Após exactamente 60 anos, a CIA, pela primeira vez admitiu abertamente a sua responsabilidade no golpe no Irão de 1953, que provocou a derrubada do governo do Primeiro-Ministro Mohammad Mossadeq. Os documentos estão todos aí, bem visíveis nas páginas online do National Security Archive, da George Washington University.

São documentos úteis para entender toda a história recente do Irão, sem os quais é difícil perceber a mais recente Revolução Islâmica, por exemplo.

E adivinhem o que houve no centro da disputa? Exacto: o petróleo. Antes como agora, nada muda.

O petróleo

A britânica Anglo-Iranian Oil Company, fundada em 1908 após a descoberta de um grande campo de petróleo na cidade de Masjed Soleyman, tinha mantido inalterado até depois da Segunda Guerra Mundial o seu monopólio sobre a indústria petrolífera do País. Um controle que incluía todas as fases do ciclo de produção, desde a exploração, até a extracção e a refinação. Situação que deixava nas mãos dos iranianos apenas as migalhas e nenhuma voz na gestão daquele que já era de longe o recurso mais importante da sua economia.

O Irão do início dos anos cinquenta era um País pobre,
humilhado por uma invasão inglesa e soviética durante a guerra e pela abdicação forçada (pretendida pelas duas potências) do Sciá Reza Pahlavi, que morreu no exílio em 1944.

Começou a ganhar força na sociedade iraniana a ideia de que a batalha para uma soberania efectiva inevitavelmente teria passado pela nacionalização do petróleo. E neste contexto surgiu a figura de Mohammad Mossadeq.

Longe do estereótipo que podemos ter dum líder anti-imperialista, Mossadeq foi o que pode ser definido hoje como um político liberal. Formou-se em Paris, obteve um doutorado em Direito na Suíça, depois de ter desenvolvido ao longo dos anos várias funções (governador de Fars e Azerbaijão, o Ministro das Finanças e dos Negócios Estrangeiros), Mossadeq ganhou destaque internacional em 1951, quando foi eleito Primeiro-Ministro com um compromisso claro: nacionalizar a indústria do petróleo.

A Crise de Abadan

A crise Abadan ocorreu entre o Reino Unido e o Irão entre 1951 e 1953, após a nacionalização dos activos da Anglo-Iranian Oil Company e da refinaria da cidade de Abadan. Mossadeq tinha mantido a palavra.

O Reino Unido respondeu muito duramente, argumentando que a nacionalização era ilegal perante a lei internacional e apelou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e ao Tribunal Internacional de Justiça em Haia: todavia, ambas reconheceram o direito do Irão.

Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha realizou uma intensa actividade diplomática que levou a um boicote mundial do petróleo iraniano. Os britânicos dificultavam o comércio e as relações exteriores do Irão, ao mesmo tempo que aplicavam pressão diplomática sobre os aliados para que estes fizessem o mesmo. Os Estados Unidos, após pedido de Londres, recusaram emprestar dinheiro ao Irão até a resolução da disputa, enquanto empreenderam uma acção para fazer cumprir o embargo.

Mossadeq respondeu com a expulsão dos engenheiros britânicos de Abadan antes (Outubro de 1951) e com o rompimento das relações diplomáticas com Londres depois (Outubro de 1952). Os britânicos também avaliaram uma possível intervenção militar, mas foram impedidos por Washington que temia uma possível intervenção soviética, bem como o risco de abrir uma nova frente na guerra enquanto já estavam empenhados na Coreia.

O imenso apoio popular do qual gozava Mossadeq não foi suficiente: uma manobra orquestrada pela CIA e o MI6 britânico, feita de mentiras, propaganda, sanções, pressão internacional, chantagem, corrupção nas forças armadas e na política (incluindo o jovem Xá), conseguiu dobrar Mossadeq e o seu governo.

O Primeiro Ministro foi preso em1953, processado, condenado a 3 anos de prisão antes e prisão domiciliária depois, até a morte. Vários apoiantes de Mossadeq foram presos também e muitos deles foram condenados a morte. Para chefiar o governo foi nomeado o general Fazlollah Zahedi,  aos Ingleses.

A CIA

Agora, finalmente, a CIA admite aquele que define como “um acto da política exterior dos Estados Unidos, concebido e aprovados aos mais altos níveis do governo”.

O documento interno intitulado Campaign to Install a Pro-Western Government in Iran (“Campanha para Instalar um Governo pro-Ocidental no Irão”) foi preparado pouco depois da derrubada de Mossadeq e revela ser um interessante (mas excessivamente sintético) resumo dos acontecimentos.

Eis a primeira parte do documento (nota: as parte apresentadas como “XXXXX” encontram-se ainda censuradas no documento original):

ALVO

O primeiro-ministro Mossadeq e seu governo

OBJECTIVOS

Através de métodos legais, ou quase-legais, para provocar a queda o governo de Mossadeq; e para substitui-lo com um governo pró-ocidental, sob a liderança do Xá com Zahedi como seu primeiro-ministro

ACÇÃO DA CIA

O plano de acção foi implementado em quatro fases:

  1. XXXXX para fortalecer a vontade do Xã de exercer o seu poder
    constitucional e assinar os decretos necessários para efectuar a remoção legal de Moosadeq como primeiro-ministro;
  2. soldar e coordenar os esforços dos facções políticas no
    Irão que eram antagonistas a Mossadegh, incluindo o poder do
    clero absolutamente influente, para ganhar o apoio e suportar qualquer acção legal tomada pelo Xã para realizar a remoção de
    Mossadeq;
  3. XXXXX desencantar a população iraniana acerca do mito do patriotismo
    de Mossadeq, expondo a sua colaboração com os Comunistas e a sua
    manipulação da autoridade constitucional para servir as suas próprias
    ambições pessoais de poder;
  4. XXXXX

Simultaneamente, realizou-se uma “guerra de nervos” contra Mossadeq
concebida para revelar à Mossadeq e à população em geral que o aumento
da ajuda económica não seria iminente e que os EUA viam com alarme as
políticas de Mossadeq:

a. Uma série de declarações públicas de altos funcionários dos EUA que
implicavam como não havia esperança de que Mossadeq pudesse esperar
um aumento da ajuda dos EUA;

b. Artigos de imprensa e revistas dos EUA que criticavam ele e os seus métodos; e

c. XXXXX ausência do Embaixador Americano,favorecendo a impressão de que os Estados Unidos tinham perdido a confiança em Mossadeq e no governo dele.

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia (1, 2, versão inglesa), The National Security Archive: CIA Confirms Role in 1953 Iran Coup, CIA Freedom of Information Act release: Campaign to Install a Pro-Western Government in Iran (ficheiro Pdf, inglês), East Journal