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Decrescimento? Já está connosco

Quando nasce a ideia do Decrescimento?

Basicamente podemos individuar a origem no começo dos anos ’70, com o economista franco-romeno Nicholas Georgescu Roegen, e na análise científica do Clube de Roma: foi uma tomada de conhecimento que permitiu entender como um crescimento infinito (modelo económico dominante) num campo finito (o planeta) fosse impossível.

A intuição do Decrescimento, portanto, surgiu a partir duma nova perspectiva e no exacto momento em que o crescimento das empresas estava no auge. Portanto, na altura era considerada uma opção voluntária, uma saída ordenada a partir de um sistema económico que não pode ser entendido como um “almoço grátis”: há custos: há os custos previstos na análise Marxista mas há também custos bio-ambientais.

E foi sobretudo este segundo aspecto que conseguiu atrair cada vez mais pessoas: a consciência ambientalista hoje é muito mais forte do que há 40 anos.

Todavia, o Decrescimento é ainda uma ideia confusa: na verdade há vários modelos de Decrescimento e nem todos apontam para a mesma direcção. Temos os mais radicais, que defendem uma espécie de Nova Idade Média, os que concentram-se nos aspectos mais estritamente económicos, os que misturam o Decrescimento com outras teorias como a troca, etc. O que falta é um modelo geral e funcional: por enquanto, o Decrescimento é implementado apenas em realidades muito pequenas. Se a teoria do Decrescimento atrai muitas pessoas, são poucos os que conseguem ir além das palavras para tornar-se “Indivíduos Decrescidos”.

E aqui temos que perguntar: após mais de quarenta anos desde o surgimento da ideia, o Decrescimento é realmente uma alternativa? Pode ser que não. Por uma razão muito simples: já estamos na fase do Decrescimento e há décadas.

Para percebe-lo, temos que observar alguns dados.

No início dos anos 70, aconteceram quatro factos:

  1. foi publicado The Entropy Law and the Economic Process de Georgescu Roegen (1971), o “pai” do Decrescimento;
  2. foi publicado o Relatório do Clube de Roma, cuidado pelos pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) em 1972;
  3. o então presidente dos Estados Unidos da América, Richard Nixon, anunciou que a arquitectura estabelecida em 1944 (Bretton Woods) deixava de funcionar: os EUA começaram a imprimir notas como fossem rebuçados;
  4. nasceu a slot-machine da Finança, o NASDAQ.

Os pontos 1 e 2 estão intimamente ligados aos pontos 3 e 4:  a consciência da impossibilidade do
crescimento infinito não foi apenas do economista Roegen ou dos membros do Clube de Roma ajudados pelos cientistas do MIT: outros conseguiram ver a impossibilidade estrutural de continuar a produzir um crescimento económico tradicional.

Havia os indícios dum colapso sistémico: a criação de moeda a partir do nada (Nixon) e a criação dum “novo” indicador de “riqueza” forma as duas tentativas (ambas bem sucedidas até hoje) de explorar novas estradas, sem nenhuma razão “ecológica” ou ambiental por trás.

Problema: ambas as medidas não resolveram aquelas que eram as razões da crise. Foram “tampões”, que funcionaram ao longo de algumas décadas, mas sem enfrentar a questão de fundo. De-regulação, de-localização, privatização, globalização, dívida pública: tudo pode ser visto como a tentativa de manter em vida um sistema que ruiu já nos primeiros anos ’70. Obviamente, cada crise é pior do que a anterior e necessita de medidas cada vez mais radicais. Mas qual a razão de fundo?

Decresce o emprego
Porque  mais 1, 2 ou  3% do PIB não significa mais trabalho: já não estamos numa economia de produção e de trocas comerciais (aquela de Adam Smith, do Século XVIII). Decresce porque a inovação tecnológica, a indústria dos serviços empregam menos, porque as produções estão saturadas, porque os produtores multiplicaram-se mais do que os consumidores.

Decrescem os lucros das empresas
Quem hoje tiver dinheiro prefere investi-lo na Finança, não na produção: mais prático, mais rápido, mais rentável. 

Decresce a inovação
Os únicos sectores onde ainda há verdadeira inovação são o bancário e o financeiro, por óbvias razões. Não podemos ficar deslumbrados com os gadget tecnológicos que servem para distrair as massas, não temos uma produção quantidade-qualidade como aquela dos anos ’50 ou ’60 (isso para não falar do 1800, com a introdução da máquina a vapor ou do motor eléctrico). A
impressora a laser com a qual é possível imprimir um carro 3D, não leva a comprar mais carros e, além disso, cria mais desemprego no ciclo produtivo.

Decresce a poupança generalizada
Porque a riqueza não é renovada e é preciso atingir aos fundos acumulados antes, fazendo assim crescer as dívidas, privadas e nacionais.

Decresce a classe média
Não apenas a ocidental (mais uma vez: a classe média europeia, por exemplo, não é a mesma coisa da nova classe média brasileira, só para fazer um exemplo): o que cresce, cresce cada vez mais em virtude do dinheiro inventado do nada, que já não fecha um ciclo produção-venda-lucro-investimento, mas vive numa realidade artificial, “suspensa”, num equilíbrio dramaticamente instável (porque não real).

Decresce a distribuição da riqueza
A riqueza fica cada vez mais concentrada em poucas mãos (os excessivamente ricos): não apenas é “injusto”, mas é fatal para o próprio sistema, porque, como os antigos sabiam (ver o que dizia Henry Ford), mas se os produtores não tiveram dinheiro para comprar as matérias primas, e se os consumidores não tiver dinheiro para adquiri os produtos, todo o sistema salta.

Decrescem as economias ocidentais
O que significa também a perda da
liderança, de peso e controle total dos processos numa escala global. O
papel dos EUA, do Ocidente em geral, do Dólar, do FMI, do Banco Mundial
terão que relativizar-se e/ou reduzir-se. Isso significa uma mudança e, no geral, uma cada vez maior liderança das economias emergentes ou, pelo menos, dalgumas delas, como no caso da China. Mas é interessante realçar como, no caso da China, estamos bem longe da criação duma nova classe média, o que temos é uma enorme massa de trabalhadores sub-pagos e poucos novos grandes ricos.

Na Europa, entre as outras coisas, decresce também a população, ou melhor, cresceu a um ritmo miserável e apenas graças à Europa do Leste. O progressivo envelhecimento da população ocidental, com a diminuição da natalidade (transição demográfica), desequilibra as contas da assistência (saúde e social), entope a mudança das gerações no mercado do trabalho e faz crescer o desemprego entre os jovens.

E chegamos ao ponto central: a festa acabou, o nosso sistema deixou de funcionar. Foi mantido ligado à máquina ao longo das últimas décadas, mas isso não impediu que os sinais do decrescimento aparecessem.

O Decrescimento, a contracção do trabalho, do consumo, da produção, da difusão riqueza real, da estabilidade, da esperança de um futuro melhor: tudo isso já existe. O Decrescimento não é uma alternativa, porque já não há uma opção de crescimento. O que falta? Tudo o resto.

Falta uma tomada de consciência: estamos no meio do Decrescimento, como vamos reagir? Quais estradas percorrer? O que fazer? Procurar um novo modelo económico ou simplesmente adaptar as nossas vidas à nova realidade?

Os teóricos do Decrescimento falam dum mundo que já existe mas não reparam nisso: parece que na actual sociedade sair do teórico para o real seja algo impossível. Proliferam blogues e sites que reverenciam o Decrescimento, com ideias maravilhosas e outras aterradoras até, mas ninguém explica o que fazer já e agora. Ainda menos, como afirmado, são aqueles que abandonam a teoria para passar para a prática. E não, meus senhores, não é cultivando o nosso pedaço de terra (“no duro”) que aplicamos o Decrescimento: aqui falamos duma inteira sociedade, das próximas gerações, não das nossas insignificantes vidas.

Ideia pessoal: o Decrescimento não funciona agora e não funcionará no futuro. Porque desde sempre o Homem tentou melhorar as próprias condições de vida e isso, já por si, implica um Crescimento. Esta tendência não acabará no futuro, por quanto em baixo possa cair a nossa espécie, sempre tentará recuperar.

Uma real mudança só pode acontecer se mudarmos o objectivo deste Crescimento: ou com um novo
sistema (que ultrapasse as velhas e podres ideias de Capitalismo, do Comunismo, de todos os -ismos em circulação; algo que ninguém até agora consegue imaginar), ou com uma mudança que tenha como objectivo a evolução do ser humanos.

Este último aspecto é ainda mais difícil de implementar, mas há uma ideia que ganha cada vez mais espaço: temos que integrar a nossa sociedade num mundo onde quem manda não somos nós mas as regras da Natureza.

Acabou a época Illuminista, a fé ilimitada no raciocínio e nas nossas capacidades choca com a realidade. Isso não pode ser uma desculpa para um regresso à Idade Média (e certos tipos de Decrescimento são nada mais do que uma Nova Era das Trevas), deve ser a ocasião para rever o nosso papel de “donos do mundo”. 

Até quando não será entendido isso, nada funcionará, nem o melhor dos Decrescimentos.

Ipse dixit.

Fonte: Wikipedia (versão inglesa), Wikipedia (versão portuguesa), Complessitá