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Diz o Siempre Muy Nobre Krowler:

O que é admirável é a passividade dos cidadãos gregos, portugueses etc. É
um fenómeno para o qual não consigo encontrar uma explicação lógica.

Mesmo
com toda a desinformação que existe, chega-se a uma altura em que as
coisas são tão evidentes que mesmo assim, nada acontece.

Cada um por si. Penso que esta é a verdadeira natureza humana. Quem explora sabe disso e logicamente tira vantagem.

Pois.
Em nome dos bancos, em nome de especuladores nacionais e estrangeiros, destroem o nosso País; e nós, o que fizemos? Nada ou quase: algumas manifestações, umas bandeiras vermelhas, slogan do costume. O mínimo sindical.

Isso parece não ter sentido nenhum. Não estamos a falar da nossa terra? Da nossa casa? Das poupanças duma vida para adquirir aquela vivenda ou para passar uma velhice num pouco de conforto? Não estamos a falar da nossa liberdade, da nossa família, dos nossos filhos?

Porque esta passividade afinal não difere muito daquela do escravo que aceita as ordens do patrão: faltam as manifestações e as bandeiras vermelhas, mas do ponto de vista prático nada muda.

A Fé

O problema é que a maior parte das pessoas ainda acredita no sistema.

Mesmo que o sistema esteja a subtrair-lhes dinheiro, a hipotecar o seu futuro e a destruir a esperança de vida, as pessoas acreditam. Podem concordar com a ideia de que algo deveria ser mudado, mas no fundo encaram estes como acidentes de percursos: há uma fé irracional na bondade dos princípios que regulam o sistema, pelo que existe a convicção de que as coisas irão recompor-se mais cedo ou mais tarde.

A Democracia nunca é posta em discussão e aquela na qual vivemos é apresentada como Democracia. O termo Democracia é utilizado cada vez mais como sinónimo de Liberdade e hoje as duas palavras podem quase ser sobrepostas: a Democracia é sinónimo de Liberdade, nós vivemos numa Democracia, então nós estamos livres.

Quem pode desejar não estar livre? A defesa deste sistema pseudo-democrático torna-se assim um dogma, algo que em ocasião nenhuma pode ser posto em discussão.

Perante isso, o facto dos partidos serem fonte de corrupção e de traição assume um papel secundário: são os riscos da Democracia (e, consequentemente, da Liberdade), não é o sistema que erra, são os homens. O sistema continua são na mente da maioria das pessoas.

Alternativas?

Depois há um ponto fundamental: a grande maioria das pessoas vê este como o único sistema
possível.

Cúmplice a propaganda dos partidos (“A defesa da Democracia”), não há a mínima noção de que possa existir algo diferente. As ideias alternativas são deixadas nas mãos da informação que corre em internet ou nos livros de alguns visionários, mas não passam disso.

No imaginário geral, ser contra o actual sistema baseado nestes partidos significa ser anti-democrático e, como vimos, anti-Liberdade. Em Portugal, por exemplo, surge de imediato o fantasma de Salazar para assustar os eleitores, em Italia fala-se do Fascismo, na Grécia do regime dos Coronéis.

Como se não fosse suficiente, o Comunismo (aquele apresentado como Comunismo) falhou redondamente, sobrando apenas algumas paródias como a Coreia do Norte. De outras alternativas nem se fala, ou porque nunca implementadas (Anarquismo) ou porque pertencentes a um passado remoto.

Pelo que, o cidadão, mesmo que sinta que algo está profundamente errado e que este pode não ser o melhor dos sistemas, não sabe o que fazer: nem tem um novo ideal para o qual lutar e acabará, mais cedo ou mais tarde, para votar e legitimar este sistema.

A culpa

As coisas são evidentes? Até um certo ponto.
Sim, no caso da Grécia, por exemplo, é evidente que os cidadãos são vítimas dum assalto. Mas daí?
Todos sabemos qual a origem dos problemas gregos: uma batota de dimensões colossais para conseguir entrar na Zona Euro, a Terra Prometida.

Mas reparem numa coisa: quem entre nós lembra os nomes daqueles que trabalharam com o banco americano para falsificar os documentos? O que lembramos é que “a Grécia fez batota”, isso sim.
Acrescentamos o sentido de culpa induzido: quem não se lembra em Portugal do lenga-lenga “vivemos acima das nossas possibilidades”? E o que é este se não uma tentativa (bem sucedida) de tornar o eleitor cúmplice na má administração do Estado?

Mais uma vez: não foi o sistema que errou, foram os homens.

O medo

O medo de perder o pouco que sobra.

Um grego que receba agora 360 Euros de reforma sabe que o Estado está a dar-lhe uma esmola. Mas se não houvesse nem este mínimo? Se o sistema entrasse numa fase de caos total?

Além disso, a maioria das pessoas (mesmo na Grécia) recebe mais do que isso. Viram diminuir o poder de compra, as poupanças destruídas, o futuro hipotecado. Mas ainda tem algo: afinal, o cidadão médio europeu ou dos Estados Unidos vive bem acima do cidadão médio da Ásia, da África, da América do Sul.

O salário médio do Brasil (o País mais desenvolvido da América Latina) é de 1.500 Reais (arredondado), cerca de 500 Euros. Ou seja: o salário médio do Brasil é de pouco superior ao ordenado mínimo nacional de Portugal (um dos mais baixos da Europa). O ordenado mínimo da Grécia até é superior: 586 Euros por mês.

O salário mínimo do Brasil é metade daquele português (240 Euros contra escassos 500), mas o custo da vida em Lisboa não é o dobro. E nem falamos de outras realidades, bem mais evoluídas (em França são 1.137 Euros).

São estas diferenças que assustam o cidadão médio ocidental: o sistema permite-lhe gozar dum nível de vida que está a ser atacado, sem dúvida, mas que mesmo assim ainda viabiliza um bem-estar que um profunda mudança qualquer poderia pôr em causa.

Como se uma diferença salarial fosse a razão duma vida, o cidadão está disposto a suportar um Parlamento Europeu que não governa, uma classe política local corrupta, uma Liberdade fortemente condicionada.

Indolência

E depois dizemos a verdade: há também uma parte de cidadãos que afinal está bem assim. Não querem saber de política, não querem saber de economia, não querem entender certas coisas: “foram eleitos, são eles que têm de resolver isso”, como já ouvi dizer.

Há o trabalho, há um ordenado, há as férias, há o futebol, há as novelas na televisão: o que pode desejar mais um ser humano?
 

…e eles.

Os media. Nem vale a pena falar disso.

Alguém não acredita neste sistema? É um radical, um extremista, um fascista, um comunista, um subversivo que não respeita o sangue dos que deram a vida para a Liberdade (o que é verdade: mas não deram a vida para criar um regime como este), um inconsciente que não sabe apreciar o que temos agora (como se o mal existido antes pudesse justificar os males de agora).

Os partidos mais esquerdistas, por exemplo, não são apresentados como “ortodoxos” (esta seria a definição correcta), são “radicais”. Mas temos também um “islamismo radical”, que é associado ao terrorismo. Pelo que “radical” torna-se negativo, perigoso, algo do qual é melhor ficar afastado.

Os media dedicam amplo espaço aos políticos, locais e internacionais. É justo que assim seja, pois a política influência a nossa vida de forma directa: mas, ao fazer isso, impõem figuras que vão além da simples representatividade, ganhando vida e estatuto próprios. Num sistema são e realmente democrático, isso poderia ser contrabalançado por um jornalismo de investigação; mas este desapareceu, não existe. 

Resumindo: foi criada uma terra queimada, com a destruição de qualquer ideia alternativa. O que sobra é uma única direcção que parece lógica e obrigatória.

Quem explora sabe disso e logicamente tira vantagem.

Sem dúvida.
É por isso que acho que só um evento traumático possa despertar um número suficiente de consciências. Uma guerra? Talvez, se correr mal.

Caso contrário, estamos bem controladinhos. Não é preciso recorrer às chemtrails que dispersam químicos calmantes no ar, seria um desperdício. Construímos a nossa gaiola e decidimos entregar a chave a um grupo de criminosos em troca de dinheiro. O que temos é a lógica consequência das nossas escolhas.

Ipse dixit.