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Obsolescência programada: nós, Benito e a lâmpada

Uma notícia curiosa circula na internet: um homem inventou uma lâmpada capaz de durar 100 anos.

E mais: esta lâmpada poupa até 90% da energia consumida por uma lâmpada “normal”.

Só que o inventor e a família dele foram ameaçados de morte.
Mas…

Mas vamos com ordem.

Obsolescência

Normalmente, tudo o que estiver disponível no mercado tem um prazo, um fim “programado” que permite que as indústrias insiram no mercado produtos tecnologicamente mais avançados e de nível superior, em detrimento dos que já estão presentes.

Isto ocorre na economia industrial, especialmente para os produtos de origem eléctrica (como as lâmpadas) ou electrónica. Na prática, as empresas utilizam materiais de menor qualidade ou componentes perecíveis que encurtam a vida útil do produto, tornando-o obsoleto ou inutilizável depois de um certo período de tempo.

Tudo isso, é claro, só serve para aumentar o volume dos negócios: qual a graça em vender um frigorífico que dure 50 anos?

Do ponto de vista do consumidor, a questão é oposta: seria simpático ter um frigorífico que dure 50 anos, mas não há. Portanto, periodicamente, temos que gastar para adquirir novos produtos que substituam os “fora do prazo”.

Este processo tem um nome: obsolescência programada.

Criada na década dos anos ’20 do século passado pelo Cartel Phoebus (General Electric Company, Tungsram, Thomson-Houston, Compagnie des Lampes, OSRAM, Radium, Philips e Elin) a obsolescência tinha como objectivo limitar a durada das lâmpadas (até 1.000 horas de funcionamento), mas cedo foi adoptada por outras empresas (foi por isso, por exemplo, que a Dupont diminuiu a qualidade do nylon empregue nas meias), até fazer parte integrante dos processos produtivos.

Benito e a lâmpada

Em Espanha, Benito Muros da Electric OEP não concorda com a ideia da obsolescência e decidiu
apresentar uma lâmpada que economizar entre 70% e 95% da energia normalmente utilizada na iluminação. E que dura nada menos do que 100 anos.

Isso é: um objecto que sobrevive à morte do adquirente.

Além disso (e não é uma questão trivial), a lâmpada de Benito tem a característica de não queimar ao toque e não queimar-se se for submetida a arranques repetidos (o ponto fraco das normais lâmpadas).

A notícia, obviamente positiva para todos nós, foi a desgraça do jovem inventor espanhol que sofreu ameaças de morte (previsíveis) para si e a família dele, caso tivesse introduzido no mercado esta nova tecnologia. Apesar das ameaças, Benito relatou o incidente às autoridades locais, afirmando que vai continuar a defender o programa anti-obsolescência para o qual está a trabalhar.

 Nós e a lâmpada

Há pontos não claros nesta história (por exemplo: ninguém conhece a tecnologia utilizada e o ex-sócio não concorda com as afirmações de Benito), mas não é difícil acreditar que uma lâmpada de 100 anos possa ter sido inventada: as lâmpadas pré-obsolescência (antes da década dos anos 20, portanto) duravam muito mais de que 1.000 horas, aliás, a obsolescência foi inventada mesmo para limitar a vida útil delas.

No quartel dos bombeiros de Livermore, na Califórnia, há uma lâmpada que funciona ininterruptamente desde o ano 1901: nunca queimou-se, num total de mais de um milhão de horas de trabalho (neste link a webcam).

O problema é outro: estamos prontos para o fim da obsolescência programada? Parece uma pergunta retórica: quem não desejaria adquirir uma lâmpada, um frigorífico, um carro que funcionam sempre?

Então vamos fazer outra pergunta: gostariam, em troca de 700/2.000 Euros, ter um carro que gasta muito menos do actual (seja a gasolina ou gasóleo), com uma maior autonomia, que tenha um impacto ambiental menor e que dure mais por causa dos menores depósitos de combustível queimado no interior do motor? Afinal é um conceito muito parecido com a lâmpada de Benito. Supostamente, a resposta seria: “Sim quero um!”.

Mas este carro existe já. Aliás, existem muitos deles: só que ninguém os compra.
São os carros que utilizam o GPL e o gás natural.

Duas contas:

Há carros assim da Chevrolet, Dacia, Fiat, Lancia, Opel, Volvo…em média custam entre 700 e 1.000 Euros mais quando comparados com as idênticas versões a gasolina: uma deferência que é possível recuperar já após o primeiro ano de utilização (e ainda mais cedo caso a distância percorrida num ano seja superior aos 10.000 km).

Por isso: mais poupados, mais limpos, mais duradouros, mas amigos do ambiente. E não vendem: as unidades entregues são marginais quando comparadas com o total dos carros vendidos.

Por isso, pergunto outra vez: estamos prontos para o fim da obsolescência programada?

 

Ipse dixit.

Fontes: Vice (1 e 2), El Economista, Autogas,