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Os problemas do dinheiro electrónico

O cartão de crédito (ou de débito) é uma coisa bonita: é prático, é seguro.

E verdade: é cómodo: permite sair de casa sem uma grande quantia de dinheiro no bolso, até podemos deixar o dinheiro em casa, o cartão é suficiente.

Por isso está cada vez mais difundido. Ao ponto que alguns Países, como a Suécia, já tomaram medidas para abolir o dinheiro “vivo”.

E aqui começam os problemas. Já uma vez falámos disso no blog: agora vamos um pouco mais a fundo. Porque, por enquanto, sou eu que escolho se deixar o dinheiro em casa em prol do cartão: no futuro poderá não ser bem assim.

Na vida comum, o uso de dinheiro é uma das coisas mais normais que existem. A capacidade de usar o dinheiro para completar as transações comerciais, é um elemento de liberdade de cada ser humano, bem como um motor de desenvolvimento para o crescimento e o bem-estar económico .

Todos os dias, biliões de transações ocorrem tendo como contrapartida o uso do dinheiro “vivo”, feito de notas e moedas, sem as quais, provavelmente, ou não aconteceria ou seria consideravelmente reduzidas.
O uso do dinheiro é simples, prático, eficaz, rápido e não é caro.

Isto, combinado com a possibilidade de utilizar outras formas de pagamento que o progresso tecnológico tem disponibilizado, ajuda a elevar o nível de eficiência das empresas e das práticas comerciais que, conforme o caso, podem exigir formas de pagamento diferentes.

E aqui entra em cena o cartão.
Reduzir ou eliminar o uso de dinheiro “vivo” nas práticas comerciais, implica que qualquer pessoas, por exemplo, deveria ser obrigada a ter uma conta bancária. Assim, de repente, todo o nosso dinheiro “vivo” ficaria depositado numa conta para depois poder ser utilizado nos pagamentos.

Isso já seria mau: porque uma coisa é escolher ter um banco, outra é ser obrigado a ter um banco.
Mas há mais: de repente, graças a um acto legislativo, o cidadão ficaria privado não só desta forma de liberdade (usar ou não usar o dinheiro, pois o facto de deposita-lo é já por si uma utilização: juros, despesas  de gestão…), mas também da única forma de contestação a disposição contra o sistema bancário.

Por outro lado, os bancos seriam salvos daquele que para eles é o verdadeiro pesadelo: a corrida aos balções em caso de graves problemas económicos nacionais. De facto, tendo sido o dinheiro “desmaterializado” e substituído por um algoritmo abstrato e intangível, não há o perigo que o cidadão peça a devolução duma coisa que já não existe e nem é utilizada. E os bancos festejam.

Ao longo dos séculos, a necessidade dos Estados (isso é, da política) de poder contar cada vez mais com o apoio dos bancos para financiar os gastos da máquina estatal e os privilégios dos políticos (corrupção, incapacidade…), tem incentivado a criação de um relacionamento simbiótico entre a política e o sistema bancário. E é um benefício mútuo: a política de poder contar com o favor dos banqueiros, estes podem contar com um quadro legislativo favorável para aumentar os negócios.

O dinheiro, para o sistema bancário, é o elemento sobre o qual assenta todo o negócio: é a mercadoria que deve ser vendida. Ter controle e a gestão de todo o dinheiro é sinónimo de multiplicação dos negócios e  de rentabilidade. E de poder.

Num sistema como o nosso, baseado na reservas fraccionária, acontece que por cada 1.000 Euros que são depositados numa conta, o banco consegue gerar muito mais: no mínimo 10.000 Euros, mas é possível chegar aos 100.000. Isso, como sabemos, é possível por causa do efeito multiplicativo dos depósitos.

Sobre a massa dos empréstimos, o banco consegue um lucro enorme lucro, com uma taxa de juros que os que se beneficiaram do empréstimo terão que pagar em datas específicas, juntamente com o capital emprestado.

À luz deste raciocínio, é bastante fácil entender o interesse do sistema bancário no fim do dinheiro “vivo”: quanto menor for o dinheiro em circulação, maior a possibilidade dos bancos de aumentar o volume de negócios e a respectiva rentabilidade (e bónus milionários pagos ao gerentes de topo).

Há depois um outro aspecto: sem dinheiro “vivo” em circulação, o sistema bancário iria armazenar a maior parte da riqueza do País. Manteria sob custódia os nossos investimentos, ações, títulos, preciosos mantidos nos cofres, poupanças, até mesmo o dinheiro utilizado diariamente. Pensamos no poder que isso implica: já agora os bancos “controlam” os políticos e conseguem tranquilamente direccionar as escolhas deles, num futuro sem dinheiro “vivo” este capacidade será ainda mais reforçada.

Doutro lado, um mundo sem dinheiro é um paraíso do fisco: uma vez que todo o dinheiro passa a estar depositado, não apenas o banco mas também o Estado sabe quais os vossos rendimentos até o último cêntimo. Uma máquina fiscal ainda mais coercitiva.

Um exemplo prático do que realmente fica atrás do desejo de eliminar o dinheiro “vivo”? Muito simples: Chipre. Na ilha foram atacados os depósito em conta corrente, safou-se quem não tinha dinheiro num banco. Com apenas o dinheiro virtual, todos teriam que participar no resgate dos bancos privados, não apenas com taxas e/ou cortes nos salários, mas também com retiradas directamente das nossas contas: mais uma vez, imaginemos o que aconteceria num conta que de repente aumenta o saldo por causa dum mutuo concedido pelo banco.

Mas os casos e os aspectos perturbadores duma tal coerção da liberdade individual é bem cumprida. Haveria toda a vertente ligada à privacidade (cada compra, cada deslocação, cada bebida, cada livro: na prática, cada habito ficaria registado), mas por enquanto paramos por aqui.

Para concluir: o banco tornaria-se uma enorme câmara de compensação, isso é, uma pessoa jurídica ao serviço do Estado para vigiar e expropriar as riquezas dos cidadãos: uma situação que, paradoxalmente, reforça o poder dos bancos privados e enfraquece o poder de decisão do Estado.

Ou, se preferirmos: para tornar o devedor solvente, a maneira mais fácil é compensar as dívidas do devedor com os créditos dos credores.
E o jogo está feito.

Ipse dixit.

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