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Wall Street: o lobo, o pelo e o vício

Será que depois do que aconteceu com os subprimes, Wall Street fica longe do sector imobiliário?

Claro que não, é uma área demasiado lucrativa.

Mas podemos esperar que tenham acabados os produtos arriscados, como aquele que levaram à falência centenas de bancos privados americanos.

E neste caso a resposta é: claro que não, é uma área demasiado lucrativa.

O sagaz Leitor já terá reparado: as duas respostas são muito parecidas. Uma coincidência? Nem por isso.

Deutsche Bank e Blackstone Group: a nata

De facto, Wall Street volta a mergulhar no mercado imobiliário com um novo produto, algo que tem os mesmos genes dos antepassados, os famigerados subprimes. E para o novo negócio, encontrou a sólida parceria dum dos Too Big To Fail (demasiado grandes para cair): a sempre pouco louvada Deutsche Bank.

Um partner à altura? Sem dúvida: a Deutsche Bank enfrenta na Alemanha uma avalanche de questões jurídicas e escândalos de qualquer tipo. Com um curriculum assim, não pode haver dúvidas.

O lado estadounidense é representado pelo Blackstone Group. acerca do qual vale a pena gastar duas palavras. Alias, seis palavras: Lehman Brothers, Rockefeller, Council on Foreign Relations.
São sete? Não, pois o “on” não conta. Ok, então vamos juntar também “israel” (um dos dois donos é hebraíco) assim o Leitor fica contente. Agora são sete as palavras que bem descrevem o Blackstone Group.

Mas o que pesaram estes dois colossos financeiros?
Bom, o mercado imobiliário dos Estados Unidos é fraco, encontrar um comprador é coisa rara. Todavia há muitas casas que entram no leilão, pois os inquilinos são impossibilitados a pagar (desemprego, etc.). E nos últimos tempos são muitas as empresas privadas que investem neste sector: isso é, compram casas em troca de preços baixos na esperança que cedo ou tarde o mercado consiga retomar o antigo esplendor.

American Homes 4 Rent comprou nos últimos tempos 19.000 unidades, Colony American Homes 18.000, Silber Bay Realty Trust 5.370, Waypoint Homes 4.620, Residential American Properties 2.530. No total, estas empresas (fundos privados, investimento e especulação imobiliária) compraram desde 2011 mais de 100 mil unidades habitacionais vazias.

Primeiro problema: quando existe a procura para um artigo, o preço aumenta. E é isso que tem acontecido: as casas são mais caras. E uma casa custa, tanto na altura da aquisição, quanto na fase da manutenção.

Aqui encontramos o segundo problema: segundo os dados divulgados pela agência Bloomberg, apenas

48% das propriedades da American Homes 4 foi alugado e a concorrência não está melhor. Como afirma Jade Rahmani, analista da Kefee Btuyette & Wood Inc:

O número de unidades ocupadas, cerca de 50%, não é suficiente para dar um sinal claro de que este modelo funcione.

Vender as casas já adquiridas? Nem pensar: em primeiro lugar porque os compradores são poucos (-40% quando compararmos os dados actuais com aqueles do mercado “em saúde”), depois porque se os preços são altos, as taxas sobre empréstimos e hipotecas também são altas, o que desincentiva ainda mais uma possível compra.

Então? Então pode ser uma boa altura para in
ventar algo. Lucrativo, possivelmente.

Funciona. Sempre.

E aqui entra em jogo a dupla Deutsche Bank & Blackstone Group: converter os pagamentos mensais dos alugueres num produto estruturado de forma sintética, que o banco alemão irá depois vender aos próprios clientes.

Deutsche Bank afirma que os clientes serão “pessoas familiarizadas com esse tipo de coisa”.
Com certeza não serão pessoas que percebam algo do mercado imobiliário e a razão é simples: este é um fenómeno novo, portanto não existem dados que possam confirmar que o ocupante da casa alugada seja um bom pagador ou que entenda aí ficar até a Blackstone ter encontrado um novo cliente. Ou isso ou são clientes que conhecem o mercado imobiliário mas querem correr o risco na mesma.

E se o cliente deixar de pagar? O cliente que paga a renda, entendo. Por causa do desemprego, por exemplo. Ou porque não satisfeito das obras de reparação ou manutenção (todos trabalhos dos quais é encarregada a Blackstone).

Parece que este “novo produto sintético” é terrivelmente parecido com os velhos subprimes. Pelo menos, sofre dos mesmos males.

Mas vamos em frente.
Quanto dinheiro deveria envolver esta primeira fase da operação? Mais ou menos 275 milhões de Dólares. Nada mal como início. Pode ser este o começo duma nova “bolha imobiliária”? Provavelmente não.

Em parte porque os velhos subprimes envolviam uma miríade de pequenos investidores que, por enquanto, ficam excluídos do “novo produto sintético”. Não é claro quem o alvo, mas é difícil pensar que a Deutsche Bank proponha desde já o produto nos mesmos moldes dos subprimes. Não já, pelo menos.

Depois porque neste caso temos uma situação diferente do ponto de vista da propriedade: aqui os donos são um cartel de grandes empresas privadas, as maiores nos EUA, que antes transformaram o dinheiro em bens materiais (as casas) e que agora transformam os mesmos bens em papel para obter outro dinheiro. Ok, tudo isso parece um bocado perverso, mas estamos longe do panorama dos velhos subprimes.

O que podemos realçar é que Wall Street não tem a capacidade para reinventar-se: é obrigada a apresentar a mesma receita, sempre, com variações de pormenor e com riscos enormes.
Porquê? Porque funciona. Sempre.

O que aconteceria se este “novo produto sintético” se revelasse um sucesso, com uma forte adesão? Quantos outros bancos adoptariam o projecto, quantos deles travariam perante os riscos? E quantos, pelo contrário, mergulhariam na nova vaga, aproveitando a “boa onda”?

Doutro lado: qual o risco? Quantos banqueiros foram julgados, condenados e descontam agora em prisão uma pena por causa dos subprimes? O que mudou entretanto?

“O lobo perde o pelo mas não o vício”. Sobretudo se quem paga o vício não for ele.

Ipse dixit.

Fontes: Wall Street Journal, Bloomberg, Realtor, Wikipedia (versão inglesa)