Site icon

Assange, Manning, Snowden: quem é herói e quem não

Julian Assange? Bradley Manning? Edward Snowden?
Calma, meus senhores, calma: não são a mesma coisa, não é farinha do mesmo saco.

E irrita observar estes três senhores serem postos no mesmo plano, pois assim não é. 

É totalmente enganoso afirmar que Wikileaks e Manning tenham divulgado crimes militares e de guerra. Avançar com esta afirmação é como destacar uma fatia de 10 graus num bolo de 360 ​​graus.
Mas o resto?

Wikileaks, e isso deve ser oportunamente realçado, fez uma descarga indiscriminada de algo como 700 mil documentos secretos norte-americanos (e não só), onde, no meio da confusão, apenas uma pequena parte em questão pode ser classificada como actos criminosos do ponto de vista do direito internacional.

A guerra de Assange (ou talvez fosse mais oportuno falar da “missão” dele, mas não vamos por aí agora) é contra o sigilo de Estado. E fico espantado perante os apoiantes de Wikileaks, que parecem ignorar esta que é uma afirmação do mesmo Assange no livro dele.

Porque este é um passo arriscado: porque se justificarmos Assange, temos que assumir como nosso o pensamento segundo o qual é eticamente justificável retirar centenas de milhares de segredos de Estado dos arquivos de qualquer País e torná-los públicos. Torna-se legal, portanto, expor as redes de informação dos serviços secretos, colocando em risco a vida dos agentes, sejam eles quem forem, e determinar a morte do trabalho de defesa dos serviços de intelligence.

Então temos que estar prontos não apenas para assumir como nossos tais paradigmas, como também para vê-los aplicados a todos os Países, não apenas no caso dos Estados Unidos: também a Venezuela de Chávez, a Bolivia de Morales, a Cuba de Castro, a Argentina da Kirchner. Ao nosso País: Portugal, Brasil…

Caso contrário, a “guerra santa” de Assange torna-se uma piada, aplicada apenas ao mau de turno, ao do qual não gostamos, mas não ao bom do qual gostamos. Problema: o bom do qual gosto eu pode ser o mau do qual não gostas tu. E quem entre nós tem razão? (esta é fácil: sou eu).

A operação WikiLeaks/Manning baixou indiscriminadamente 700.000 arquivos secretos, a maior parte dos quais são fofocas diplomáticas de baixo nível, acompanhadas, até agora, por não mais de cinco actos criminosos, nomeadamente:  massacre do helicóptero no Iraque, tortura no Iraque, massacre do helicóptero no Afeganistão, espionagem na ONU e prisioneiros inocentes em Guantánamo.

Apenas isso? Apenas isso. Um blog de informação alternativa costuma revelar mais coisas ao longo dum mês.

Toneladas de documentos para “desvendar” cinco crimes. A clássica montanha que pariu o clássico rato.

Agora, tentamos deixar de lado a histeria anti-americana para ver as cosias dum ponto de vista um pouco mais racional. O trabalho de informação secreta não é feito apenas por sujos 007 sem sentimentos que circulam com óculos pretos: nem sempre uma espia é sinónimo de má pessoa corrompida que escuta as conversas telefónicas da nossa avó.

Como acha o Leitor que são levadas para a frente as investigações contra a pedofilia? O trafico de órgãos das crianças? O tráfico das armas, das drogas, a escravatura sexual, as fraudes financeiras, a luta ao terrorismo (o verdadeiro, entendo), as máfias internacionais?
Exacto: serviços secretos.

E Assange quer pôr um fim aos documentos secretos? E este é um herói? E Manning, que passa aos sites de internet 700.000 files que nem o tempo de analisar teve (caso contrário estaria ainda a ler, como é óbvio)? Outro herói? A filosofia destes dois indivíduos é simples: demolir os serviços secretos. Ideia que pode ser discutida, seja claro, e até posta em prática: depois deveria ser encontrada uma alternativa para continuar a lutar contra o rapto das mulheres, as máfias internacionais, a pedofilia, o tráfico de órgãos. Mas eu não desmantelo os serviços secretos dum País apenas para denunciar cinco crimes que poderiam ter sido investigados de outra forma até.

Edward Snowden ou Mordechai Vanunu? Estes sim são heróis.
Snowden e Vanunu têm revelado ao mundo as repetidas e contínuas violações do direito internacional por parte de EUA, Grã-Bretanha, França e israel (tinha que estar presente israel, a fotografia estaria incompleta). Este é bem outro nível. Estes são actos de justiça (e heróicos), para o bem dos cidadãos do mundo, a 360 graus, de Esquerda, Centro ou Direita, ocidentais ou não.

Snowden e Vanunu não abriram as comportas para descarregar indiscriminadamente toneladas de material no meio do qual, com um pouco de sorte, era possível encontrar algo criminoso. Não puseram em perigo as estruturas dos serviços secretos e, com estas, a parte legítima do trabalho deles. Snowed e Vanunu revelaram a existência dum inteiro esquema ilegítimo.

Assange e Manning fizeram nada disso. Nem sequer o esforço para separar os camiões de arquivos irrelevantes daqueles (poucos) com um mínimo de interesse. Se tivessem feito isso, agora seriam inatacáveis. Mas Assange e Manning não são heróis.

Ipse dixit.

Fonte: Paolo Barnard