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O medo, sempre o medo

Entre os comentários apareceu o seguinte:

gostaria de saber sua opinião ou a opinião pública do II sobre estes fatos descritos:
Controle de natalidade: Saiba a verdade que a mídia esconde

Vi o vídeo e fiquei com uma péssima impressão.

Em primeiro lugar: fontes? É simples construir um vídeo apresentando dados, mais complicado é fazer um vídeo com dados verificáveis, que aqui faltam completamente.

Mas nem este é o ponto.

Pessoalmente oiço estas teorias desde o final dos anos ’70, quando apareceram os primeiros imigrantes árabes. Já estou habituado e deixei de preocupar-me.

Europa

Também porque a questão da imigração não pode ser reduzida ao fenómeno islâmico.

Em Portugal, por exemplo, há uma forte imigração do Leste europeu; e os islâmicos são uma pequena minoria (tentem encontrar um minarete em Lisboa…). Bem mais significativo é o fenómeno da imigração chinesa.

Na Italia a situação é ligeiramente diferente. Há um maior número de muçulmano, mas na minha cidade (Genova), por exemplo, é muito mais fácil encontrar um sul-americano (Equador, Chile…) do que um Árabe. Sem esquecer os omnipresentes chineses…

Na França há mais muçulmanos? Há. Mas não desde hoje: a presença árabe na França é antiga, tendo como base a imigração das colónias (principalmente Argélia). No Sul da França há mais mesquitas do que igrejas cristãs? Só se for no cérebro de quem fez o vídeo.

O governo alemão recentemente declarou que o País será um estado muçulmano em 2050? Quem foi? Angela Merkel? Sério? Não sei porquê, mas tenho algumas levíssimas dúvidas…

52 milhões de muçulmanos na Europa? Este número é falso. Já se assim fosse não seria algo tão significativo, dado que o Velho Continente tem 730 milhões de habitantes (e os Árabes, neste caso, representariam 14% da população). Mas os dados são diferentes.

Segundo a International Organization for Migration (IOM) do Cairo, os muçulmanos na Europa são hoje 5 milhões (por isso: “quase” 50 milhões, a diferença é só dum zero…), maioritariamente concentrados na França, Italia, Espanha, Holanda, Bélgica, Alemanha, Reino Unido, Grécia e Dinamarca.

E mesmo que estes (falsos) 50 milhões dobrassem nos próximos 20 anos, como sugerido no vídeo, em 2033 seriam pouco mais de 104 milhões: ou seja, nem um sétimo da população europeia.

Já isso diz muito acerca do vídeo.

América

Sempre segundo o vídeo, em 1970 havia 100.000 muçulmanos nos Estados Unidos, hoje são 9 milhões.

Uhi! 9 milhões…
Nem conferi os dados (e se as fontes forem as mesmas dos 50 milhões na Europa…), porque não vale a pena: 9 milhões num universo de 315 milhões de pessoas?
É invasão, sem dúvida.

E no Brasil? 1.5 milhões de muçulmanos? Impressionante, o Brasil já é uma república islâmica.
Mas atenção, pois há também 1,5 milhões de Japoneses: uma guerra árabe-japonês em vista, talvez na zona de São Paulo?

Todo o discurso é velho. Se o Leitor tiver um pouco de paciência, pode efectuar uma pesquisa na internet e observar como o Ku Klux Klan fazia os mesmos raciocínios já no século XIX.
Resultado? Hoje a maioria dos estadounidenses não é preta mas latina.

O medo, sempre ele

Publiquei o vídeo (e agradeço o Anónimo que sugeriu) pois acho bem representar duas tendências:

  1. o clássico medo cristão/católico em relação aos “outros”. Que, por definição, são maus e querem nos escravizar (sic!)
  2. uma interpretação em chave religiosa do “medo da explosão demográfica”, que já por si é falso, pois no mundo não faltam recursos: faltam neste tipo de sociedade, neste tipo de organização.

Mas o que mais me espanta neste caso é o facto do vídeo ter sido realizado no Brasil.
Não são os Brasileiros que costumam queixar-se do feroz colonialismo dos séculos passados? E qual era a religião dos ferozes colonizadores?

Resumindo: o medo é uma das chaves da nossa sociedade. E quando não houver medos suficientes, é sempre possível inventar.

Bom fim de semana para todos.

Ipse dixit.