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Brasil: visto de fora

Outra contribuição, sempre na tentativa de perceber o que se passa no Brasil.
Desta vez espaço para os acontecimentos do Brasil vistos de fora.
A advogada

Comecemos com uma entrevista do diário La Repubblica (supostamente de Esquerda, se é que isso ainda interessa).

A falar é Renata Bueno: advogada, 33 anos, especializada em direito internacional nas universidades de Pádua e de Tor Vergata, nasceu em Curitiba por pais de influências venezianas e toscanas e foi eleita para o Parlamento italiano no Grupo Misto (sem um partido de referência, portanto).

O que realmente está a acontecer no Brasil, com centenas de milhares de pessoas nas ruas para demonstrar?

Está a acontecer, como se diz, que a máscara caiu. A máscara do governo, que sempre apresentou de si próprio um quadro muito diferente da realidade. Lula e Dilma agora têm escondido a inflação e muitos outros grandes problemas que ainda estão lá, por trás de uma imagem internacional reconfortante, e, no final, o que aconteceu foi inevitável: o protesto, nascido contra o aumento dos transportes, tornou-se uma grande manifestação contra o governo e não digo isto porque o meu partido no Brasil está na oposição. É um dado objectivo. Obviamente, os exageros e a violência que às vezes acompanham o protesto devem ser condenados com força, especialmente porque a Copa das Confederações oferece uma excelente caixa de ressonância.

No meio dos protestos, há também aqueles contra a Copa das Confederações e o Mundial do próximo ano, causas de fortes gastos de dinheiro público para estádios e infra-estruturas em detrimento das necessidades básicas: o país do futebol está a rebelar-se ao futebol?

Não, o protesto não é contra o Mundial, contra o futebol, que no Brasil une. As manifestações reúnem muitos pedidos diferentes, ligados pelo tema da rebelião contra as políticas do governo.

O Brasil organiza em sequência a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude, a visita do Papa Bergoglio, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, todavia não parece pronto ainda, como evidenciado pelo mal-estar destes dias: não há nenhuma preocupação?

Para o Brasil é muito, enquanto vereadora em Curitiba fiz parte do comitê para a Copa do Mundo e posso confirmar que há apreensão sobre a importância destes eventos. Mas a minha verdadeira preocupação é com o populismo do governo. Pelo resto, na minha opinião, as vantagens predominam: o Brasil é um país emergente, tudo é novo para nós. Ninguém considerava-o até alguns anos atrás, agora é um país considerado no mundo, está a chegar a uma nova dimensão Em alguns aspectos, a Itália pode seguir o exemplo do Brasil, que saiu-se melhor da crise económica com os seus 180 milhões de habitantes, tem mais espaço para a produção.

Mas a Copa do Mundo é uma oportunidade ou um fardo?

É uma grande oportunidade. O problema é que o povo do Brasil ainda não parece pronto para tantas novidades. Ainda há uma distância muito grande entre a classe média, culta, e os pobres, que ainda são muitos. Assim, as oportunidades são perdidas. Os protesto nos dias de hoje revelam todas as contradições.

O blogueiro


Agora um blog, L’Ibernazione, escrito por quem viveu alguns tempos no Brasil:

Eram semanas tranquilas, seguia com interesse os confrontos na Turquia, quando tudo desaba, os meus amigos de São Paulo, onde vivi por três anos, começam a postar no Facebook e Twitter em protesto contra o aumento do custo do bilhete do ónibus e do metro: de 3 R $ para 3,20 R $.

Protestos legítimos, 1,10 Euros para o transporte público no Brasil é realmente um roubo [é o preço do Metro de Lisboa, ndt], mas pensei que tudo ia acabar aí. Mas não.

Nas seguintes noites os relatos dos meus amigos com fotos, vídeos, páginas nas redes sociais acerca dos confrontos entre os manifestantes e a polícia, a violência gratuita da polícia contra a imprensa, contra os estudantes, professores, grupos, centros comunitários, perante alguns acto de vandalismo que, por sinal, na metrópole pós-moderna de São Paulo acontecem todas as noites, incluindo um assassinato e um roubo, não há nada para ser chocado.

Mas não, os protestos não são apenas em São Paulo, mas também no Rio de Janeiro, Brasília, e aumentam: a imprensa condena os hábitos da ditadura doces que a polícia brasileira nunca perdeu, em parte porque, além dos estudantes “filhos de boa família” e “negros sem alma”, nunca havia demonstrado ninguém. Mas não desta vez.

A partir do estrangeiro, como de costume, entendemos pouco: quem diz que o motivo dos protestos são os transportes públicos, aqueles que dizem que são a Copa do Mundo de 2014 e a utilização de dinheiro público para financiar a infra-estrutura, alguns dizem uma coisa, outros outra.

Mas não. Não é nada de tudo isso, os protestos confluíram em grandes manifestações, mas manifestações de quê?

E a nova classe média-baixa, que finalmente recebeu um pouco de escola básica, um pouco de segurança no trabalho, um pouco de protecção contra a inflação, um pouco de hospitais, aquela que desde a sobrevivência passou para uma vida quase normal. Quase.

Quase, porque também na extremamente São Paulo são muito poucos os que têm ligação do gás. Porque quase metade da população não tem acesso ao sistema de esgoto, quase porque a escola pública é um desastre, para não mencionar o hospital. Quase porque a classe média no Brasil nunca existiu, e agora está a manifestar, e não contra isso ou aquilo, mas diz “estamos aqui” e é hora de acabar com os métodos de ditadura Sul-americana, é hora de acabar com os ultra ricos e os ultra-pobres.

Nós aqui estamos e não queremos nada. Ou melhor, agora queremos tudo e corre o chilrear no twitter: o gigante acordou…

Até que enfim.

O diário

O diário Il Giornale realça alguns dados económicos:

Dilma Rousseff ganha tempo e atira água no fogo. “Essas vozes na rua devem ser ouvidas” diz ela. Sabe que o momento é delicado, os holofotes do mundo estão focados no grande país do desenvolvimento económico, e todos olham para ela, à espera dum movimento errado.

Lula tinha sido capaz de injectar orgulho e confiança, os empresários apoiaram porque garantia-lhes bons lucros, as classes populares tinham feito dele um ídolo e ele tentava fazer todos felizes. Dilma aparece sozinha, no último sábado no estádio na capital durante a cerimonia de abertura da Copa das Confederações, foi duramente vaiada. Uma mistura de escolhas políticas fora do tempo e de investimento faltados em algumas áreas-chave secaram ambas as fontes de crescimento desde que se tornou presidente, no 1 Janeiro de 2011.

Agora, o Banco Mundial fala de “armadilha do crescimento”, ou melhor, a armadilha da renda média, o fenómeno pelo qual um país em desenvolvimento cresce muito até chegar a um certo nível, além do qual fica mais lento e acaba por nunca fazer o salto para a maturidade económica completa.

O protesto começou na semana passada, desencadeado pelo preço da passagem de ónibus em São Paulo, antes de assumir como alvo a despesa, 15 biliões de Dólares para a organização da Copa do Mundo no próximo ano, um número enorme num país onde há fortes desigualdades sociais e os serviços sociais são escassos.

“Nós não estamos aqui por causa dos 20 centavos de aumento na tarifa do ónibus, esta é a palha que quebrou o camelo para trás. A Copa é para quem vem de fora, não há nada para os brasileiros “, disse um manifestante aos jornalistas. A iniciar os protestos foram os povos indígenas e os camponeses, a reforma agrária e a protecção da Amazónia das grandes multinacionais foram promessas não cumpridas e, em seguida, vieram as áreas da classe médio-baixa, cujos salários são cada vez mais precários, comidos pela inflação galopante.

Sim, mas o que aconteceu ao grande sonho, o milagre do Brasil? Hoje, parece cada vez mais um gigante à espera de um futuro que nunca chega. Há a bolha financeira, há uma moeda que, levada para cima, alimenta o risco de recessão. E há, acima de tudo, a grande desaceleração do crescimento, que propõe os pesadelos do passado, quando o país procedia com saltos bruscos para frente seguidos igualmente por rápidas caídas para trás.

É um gigante, o Brasil: é sempre “o país do futuro”, como dizem os seus habitantes, que espera para viver o seu grande momento, que continua a ser uma eterna promessa. É um gigante, mas com pés de barro, com uma multiplicação impressionante da classe média, mas que tem de lidar com fracas infra-estruturas, com a rigidez social, com um mercado de trabalho anquilosado. Um ano atrás, os observadores mais atentos haviam notado que “o Brasil não é mais a máquina de desenvolvimento de uma vez, como escrito por Forbes. Os dias do dinheiro fácil e rápido já foram: os últimos números mostram um crescimento do PIB de apenas 1, 9%. Muito pouco.

Mas, como sempre, a última palavra é do Leitores.

Ipse dixit.

Fontes: La Repubblica, L’Ibernazione, Il Giornale