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Líbia, dois anos depois

Na Líbia, estabilidade e segurança ainda são uma miragem.

O recente ataque à embaixada francesa em Tripoli lembra que, dois anos após a revolução, a atmosfera  de relativa tranquilidade é apenas aparente. O País é incapaz de sair da fase de instabilidade afecta uma transição já por si complicada. O governo não consegue desarmar as milícias e até mesmo as forças de segurança regulares não parecem oferecer garantias.

Assim, neste normalidade feita de caos e balas perdidas, o débil governo fica preso entre dois fogos. Dum lado há as milícias que continuam a influenciar as autoridades centrais; do outro há o Departamento de Estado dos Estados Unidos, que pede mais esforços para conter a crescente radicalização entre os grupos salafistas.

Enquanto isso, os episódios violentos continuam. Um exemplo são os repetidos ataques contra a minoria copta, mas as próprias instituições são refém da chantagem das milícias. Um dos últimos casos aconteceu no princípio do mês: um grupo de homens com um meio dotado de canhões antiaéreos ocupou o Ministério da Justiça, obrigando o funcionários a abandonar o prédio.

Os culpados? A mítica Al-Qaeda? Os salafistas? Outros extremistas?

Na verdade, a situação é mais complexa: na Líbia os Estados Unidos combatem um guerra, sem cobertura mediática (cobertura para quê? A Líbia está “livre” agora) mas sempre guerra, como testemunham os 8 milhões de Dólares que a Administração destinou à constituição duma unidade anti-terrorismo.

Além de várias milícias que ainda se comportam como grupos de auto-defesa locais, como em Misurata e outras localidades do País, não é possível esquecer o Libian Shield, um “guarda-chuva” abaixo do qual durante o conflito operavam dezenas de batalhões anti-Kadhafi.. Hoje o Libian Shield ainda existe e opera com elementos seleccionados pela CIA, em particular após a morte do embaixador americano Christopher Stevens em 2012.

Esta não é uma novidade: no Iraque também operam milicianos financiados pela Central Intelligence Agency, os Sons of Iraque. Só que isto cria uma situação delicada, pois na “nova” Líbia, de facto, actuam dois poderes oficiais (o exército e a polícia) e dois poderes paralelos muito mais fortes: o Libian Shield e o SSC, o Supreme Security Committee, algo parecido com uma guarda nacional revolucionária.

Estes últimos dois, em particular, não operam em conjunto mas até entram em choque: é o caso do cerco de Bani Walid, em Novembro do ano passado, quando o Libian Shield atacou o reduto do SSC sob o olhar impotente das autoridades centrais.

Quantas as possibilidades para Al-Qaeda de introduzir-se no conflito da Líbia? Na realidade poucas: apesar da maioria dos líbios serem salafistas, os extremistas são escassos e geralmente empenhados em operações no Afeganistão, no Iraque ou, mais recentemente, na Síria. O que não admira: já em 2009, o Lybian Islamic Fighting Group (LIFG) tinha decidido afastar-se do terrorismo internacional e em primeiro lugar de Al-Qaeda.

Os problemas da Líbia nascem não do fundamentalismo religioso mas das ingerências ocidentais ou, paradoxalmente, da falta delas: após a destituição do Coronel Khadafi, pouco ou nada foi feito para fornecer aos novos governos os instrumentos necessários para normalizar a situação.
É o caso da Nato, que nunca actuou uma verdadeira training mission, ou dos Estados Unidos, que preferem agir de forma autónoma e não em colaboração com outros governos ocidentais.

Doutro lado, o objectivo primário era derrubar o antigo regime e ocupar os valiosos recursos locais. O resto ainda continua a ser optional.

Ipse dixit.

Fontes: Geopoliticamente, Limes, Aurora.