Uma boa ideia: travar a Nestlé

Uma anónima Leitora (anónima porque não pedi a autorização para publicar o nome) envia uma pergunta. O que já por si é muito bom (obrigado!).

Estava agora a ver uma notícia sobre a vontade da Nestlé para privatizar uma planta utilizada há séculos para fins medicinais e não só (http://action.sumofus.org/a/nestle-nigella-sativa/5/2/?sub=fb). Isto depois de ter visto este vídeo http://americanlivewire.com/nestle-ceo-says-water-is-food-that-should-be-privatized-not-a-human-right/ onde o sr. Peter Barbecue anuncia os benefícios da privatização da água.

Aumenta ainda mais a vontade de boicotar esta empresa. Mas o boicote por si só será eficaz? A questão é que para minar a Nestlé seria preciso um boicote massivo, que não vai acontecer tão cedo. Então que outras medidas existem? Medidas legais? Seria possível através de por exemplo uma iniciativa legislativa de cidadãos pedir para extinguir o comércio dos produtos da Nestlé em Portugal? Parece um pouco utópico, mas… Parece que na Bolívia também conseguiram banir a coca cola e o McDonald’s…

A minha sugestão para um próximo artigo seria neste sentido: que grandes empresas foram banidas de certos países e como? seria possível exercer o mesmo num país pertencente à UE? Ou pelo menos banir certos produtos dessa empresa…

Deve ser uma questão um pouco difícil de investigar, mas de qualquer forma
queria mesmo deixar a sugestão…

Tomara existirem mais sugestões como esta.
Então, vamos tentar responder.

O boicote

A Nestlé é uma das piores empresas do mundo, por várias razões. Tem um curriculum digno de Al Capone, sem com isto querer ofender o mafioso que aos menos tinha a decência de matar as pessoas com armas, não com leite em pó.
Mas vamos tentar responder.

Um boicote é viável?
Em teoria sim, na prática não. Como a mesma Leitora observa, “para minar a Nestlé seria preciso um boicote massivo, que não vai acontecer tão cedo”. Ou, para melhor dizer: que nunca iria acontecer.
A Nestlé é uma multinacional que opera em quase todos os Países, que em 2011 conseguiu lucros de quase 8 biliões de Euros e que emprega de forma directa mais de 300 mil trabalhadores. Seria perfeitamente capaz de absorver um temporário boicote local, pois pensar numa acção que possa abranger vários continentes é utópico: já seria complicado organizar algo do género num só País.

Mais importante ainda: Nestlé pode contar com o apoio de organizações como a Cruz Vermelha, as Nações Unidas, International Diabetes Federation (IDF), International Association of Athletics Federations (IAAF), EPODE International Network (EPODE International Network EIN), Pan American Forum for Action on NCDs (PAFNCD), Inter-American Development Bank (IDB), Danish Institute for Human Rights (DIHR), Fair Labor Association (FLA), The Forest Trust (TFT), Proforest.
Na verdade, é muito mais do que uma simples empresas que vende bolachas.

É esta a razão pela qual, quando a Nestlé anuncia a intenção de privatizar um tratamento natural em uso há milhares de anos, em vez que rir (mas como podemos “privatizar” uma planta?) todos levam à sério o pedido. Pode acontecer, a Nestlé tem o poder para alcançar um tal objectivo. E quando a mesma Nestlé sugerir a privatização da água, em vez de ficarem presos, os “especialistas” ocupam os media para explicar as vantagens duma tal operação.

Além disso, no imaginário colectivo, a Nestlé é “boa”: trata das crianças, prepara as papinhas para os bebés, pode ser má uma empresa que prepara as papinhas dos bebés? Pode parecer esquisito, mas as pessoas têm uma espécie de bloqueio mental perante determinadas realidades: a Nestlé é tão grande, tão importante, sob o olhar de todos, como é possível que faça algo de moralmente incorrecto? Este esquema mental repete-se de cada vez que falarmos de empresas destas dimensões. Esta é talvez a razão principal pela qual um boicote em grande escala não é viável.

Por isso: um boicote está fora de questão.

Ética e mercado


Medidas legais? Seria possível através de por exemplo uma iniciativa legislativa de cidadãos pedir para extinguir o comércio dos produtos da Nestlé em Portugal? Parece um pouco utópico, mas

E que tal avançar com uma iniciativa legislativa dos cidadãos? Seria uma boa ideia, mas fundamentada em quê? Uma tal iniciativa não teria o apoio dos media, pelo que ficaria algo para poucos.
Depois, mesmo que fosse possível um mínimo de promoção, a grande maioria das pessoas nunca iria entender: não por falta de capacidade, mas por falta de informação. Repito: a Nestlé é “boa” (as papinhas!).

E quem deveria partilhar a verdade acerca da empresa? Os media? Ou a informação alternativa? Do primeiro caso nem vale a pena falar, do segundo…também: desde logo começaria a circular uma história com Nestlé, Illuminati, Bilderberg, Maçons, 9/11 e Annunaki. E mais não digo.

Pedir para extinguir o comércio dos produtos da Nestlé numa determinada área não é viável. Ou existem razões de saúde pública ou quem fala mais forte é o direito ao livre comercio num livre mercado. Nenhum tribunal poderia apoiar uma iniciativa deste tipo.

Questões éticas? Sim, em princípio poderia ser uma válida motivação mas…
Mas no site global da Nestlé podemos ver em quais acções “humanitárias” a multinacional está empenhada: são muitas, todas insignificantes do ponto de vista orçamental (quem facturar 8 biliões de Euros…) mas que criam a tal mística da Nestlé “boa”.

“Parece que na Bolívia também conseguiram banir a coca cola e o McDonald’s”
Verdade: mas esta foi uma iniciativa do governo, por razões políticas e económicas. Numa economia “aberta” como aquela ocidental, proibir que uma empresa possa vender é uma espécie de heresia: temos casos de sociedades cujos produtos já demonstraram ser altamente perigosos (a bebida energética Monster é um bom exemplo disso: 6 mortes nos últimos anos) mas continuam a vender.
A proibição é uma medida adoptada como extrema ratio, quando não pode ser negado um evidente relacionamento causa-efeito, preferencialmente num espaço de tempo bastante curto.

Procurei algo na internet mas não encontrei nada acerca de empresas banidas por razões éticas ou que possam estar relacionadas com os crimes da Nestlé. Talvez esteja a escapar-me algo, mas não consigo lembrar nada do género. Aliás, se alguém entre os Leitores tiver conhecimento de casos parecidos, poderia pôr algo nos comentários, fica desde já o agradecimento.

Começamos connosco 

Então, tudo está perdido?

A verdade é que enfrentar uma empresa destas no plano jurídico é uma guerra perdida, sobretudo se as motivações forem “vagas” (e as éticas são “vagas”). As multinacionais são empresas com ramificações imensas, com um poder que ultrapassa aquele de muitos Países (ver caso Nestlé – Etiópia). E, como vimos, um boicote tem poucas possibilidades de resultar por causa da previsível escassa participação, da pouca informação, da publicidade nula.

Isso não significa que seja inútil falar do assunto ou até tomar algumas iniciativas. Pelo contrário, no plano local alguns resultados podem ser obtidos (e muitas vezes são obtidos). Mas esperar que um inteiro País insurja contra a Nestlé ou que uma empresa destas decida mudar de rumo por causa duma pressão local está fora de questão.

Para já, não seria mal nós começarmos a tomar uma atitude. Não com a ideia de iniciar uma cruzada ou de obter resultados espantosos, mas simplesmente para ficar bem connosco.
Eu, por exemplo, recuso entrar num McDonald’s: sei que o McDonald’s está a borrifar-se pela minha escolha e nem tenciono fazer proselitismo. Mais simplesmente, não entro nos McDonald’s por uma questão de saúde, de poupança e de auto-respeito. Só isso, bem sei que a minha escolha em nada irá influenciar o destino daquela empresa.

No caso da Nestlé acho que a atitude de cada um de nós deveria ser a mesma: é uma empresa com uma ética “discutível” (por assim dizer…), podemos não desejar ser cúmplices e, ao mesmo tempo, sabemos que é possível encontrar produtos mais saudáveis pelo mesmo preço ou até mais baratos. Repito: sempre lembrando que a nossa escolha não irá mudar o mundo. Mas é um começo.

Uma página Facebook, um blog dedicados às aventuras da Nestlé ou de outras empresas parecidas? Boa ideia, mal não faz e quem sabe, pode sensibilizar mais alguma pessoa. É importante começar a fazer circular algumas das verdade que os media mainstream ignoram.

Desde já aqui fica a minha disponibilidade para colaborar em iniciativas deste tipo.

Nestlé: alguns links 

Entretanto, fazer uma lista de todas as marcas do grupo Nestlé é demais: são 8.000.
Uma amostra pode ser encontradas neste artigo de Agosto de 2011: A comida dos escravos enquanto uma lista mais completa está disponível nesta página de Wikipedia.

Enquanto outras empresas que é melhor evitar são mencionadas aqui: 10 empresas que é melhor evitar.

Sempre a propósito da Nestlé: What else? e O pico da água e o mercado.

Aconselho também ler o que conta Wikipedia versão portuguesa: a questão do leite materno, a dívida da Etiópia, a melamina no leite chinês, as garrafas de plástico “ecologicamente superiores”, o leite de Robert Mugabe, o desmatamento de inteiras regiões para obter madeira e óleo de palma, os biscoitos com E. Coli, o trabalho infantil…é só escolher.

Ipse dixit.

Fontes: no texto e Nestlé

8 Replies to “Uma boa ideia: travar a Nestlé”

  1. Sou um leitor brasileiro, compartilho do vosso desprezo por essa empresa-monstro e apóio a iniciativa do boicote despretensioso.
    Outro dia comprei um chocolate da Nestlé, supostamente meio amargo, mas ali havia mais leite e açúcar do que qualquer outra coisa. Onde está o cacau? Comparei com a marca Garoto e achei essa melhor, mas que tristeza: descobri que a Garoto foi comprada pela Nestlé em 2002. Isso é outra coisa legal, mas imoral: diversas marcas pertencentes a um mesmo controlador. Usam cores, palavras e símbolos diferentes para nos confundir e nos fazer crer que temos escolha. Assim, até quando TENTAMOS boicotar uma marca, acabamos comprando dela.
    Se vocês se interessarem, pesquisem o caso da Nestlé na cidade de São Lourenço, em Minas Gerais.
    Eles compraram uma fonte de água e tem sido acusados pela comunidade local de "matar" a água, desmineralizando-a e de fazer uma extração predatória.

    Alguns links:

    http://mundoemcolapso.blogspot.com.br/2010/08/nestle-esta-matando-agua-mineral-de-sao.html

    http://www.circuitodasaguas.org/page/14/

    um abraço

  2. olá
    nessa lista da wikipedia faltam bastantes variantes locais da nestlé. Só reparei nos iogurtes Longa Vida.
    Mas por exemplo em Portugal existem aquelas bebidas solúveis como Pensal, Mokambo, Brasa, Bolero e Tofina que não constam da lista da wiki. Pelo menos não com os nomes pelas quais as conhecemos em Portugal. E toda a gente bebe disso. Eu boicoto a nestle e opto por café solúvel delta e bebidas solúveis marcas brancas, mas não sei até que ponto adianta e não será tudo o mesmo veneno.

  3. Olá Max: eu me pergunto se é possível para quem se alimenta como qualquer um, ou seja, a base de supermercado, boicotar 8000 produtos.
    Do meu ponto de vista, a coisa passa por outro lugar, o das tradições. Na Bolívia,o Mac Donalds não vingou porque os bolivianos tradicionalmente comem empanadas, e não hamburguers.Além do mais, a população indígena predominante não gosta do que vem de fora e ama suas próprias tradições, inclusive as alimentares.Uma das maiores vitórias do neo colonialismo reinante é fazer os povos desprestigiarem, e chegarem a rejeitar suas origens, como se passou e ainda se passa com os brasileiros. Feito esse serviço, a conquista é inevitável, a aculturação, o destino, e a dominação o resultado desejado. Quem se acostuma a gostar de comer o que planta e colhe, a comer coisas diferentes em função da safra comunitária, e não do chamariz do invólucro do produto no supermercado, se safa mais ou menos da Nestlé, e não só. Abraços

  4. A besta é demasiado grande para se lhe cortar a cabeça. Resta virar-lhe as costas. Aqui fica cada um por sí. O texto é pragmático neste aspecto.
    Quem consumir os seus produtos fá-lo-á por sua conta e risco, pelo que fica pouco a para fazer. O II fez a sua parte que é divulgar.

    Krowler

  5. Mas como? E a mamãe passarinha a cuidar dos filhotinhos no ninho?
    Isso me lembra uma antiga discussão sobre a igreja numa outra postagem em que alguém indignado com o exposto fez um relatório das obras sociais da santíssima sé. Tal qual um McDonald, uma Nestlê e a santa igreja, como também outros conluios maracutáicos nocivíssimos à sociedade, estas máfias acomodam o subconsciente das pessoas. Tanto quanto a Cruz Vermelha dá uma aliviada pro lado da nestlê, assim também, o McDonald conta no Brasil com a casa Ronald McDonald que cuida de crianças cancerosas. Muito lindinho… A igreja tem uma relação incrível destes desafogos de consciência. Será que dá pra aliviar tanta perniciosidade? Seria uma espécie de auto-indulgência?
    Mas como tomar uma atitude, mesmo que seja individual, contra uma indivisível união corporativa mundial? As vielas e estradas vicinais são em muito maior número do que as ramificações apresentadas e muito mais tentaculizadas do que podemos supor. Há tantas interligações que nos é impossível descobrir onde tudo se origina e onde tudo termina. Boicotamos determinado produto aqui, para comprarmos outro de suposto concorrente acolá.
    Sobre o que o leitor "Qualquer", mais acima comentou, acrescento ainda, que o plano da Nestlê ao controlar a Garoto era de liquidá-la. Mais uma faceta do golpe contra a humanidade; tão evidente, mas muito pouco acreditado. O que impediu que fosse levado à cabo foi a mobilização da população local e dos trabalhadores da fábrica.
    Outro fato importante. O Brasil bate recordes, ano após ano, de desnacionalização da sua economia. Quem está comprando nosso parque industrial e setor de serviços? Na certa as Nestlês da vida. Sai PSDB entra PT e o plano segue o mesmo riscado. Já começou a campanha presidencial. Já estamos assistindo nas TVs o embate das ideologias genuinamente iguais com discursos antagônicos, principalmente no que tange à moralidade. A coisa é bem rasteira mesmo e feita pra manter as atenções à milhas e milhas do destroçamento do Brasil e do planeta. Té mais.

  6. E o psicopata disse algo interessante:

    O interessante é que esses vídeos dele pregando as suas idéias eugenistas foram produzidos por uma empresa a qual eu estive, acompanhando um projeto de gestão de informação de um dos maiores fabricantes de "relaizadores de democracia", por assim se dizer… elaiá…

Obrigado por participar na discussão!

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