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Grupo Bilderberg: a pergunta de Pai Natal

Diz o Leitor Pai Natal num comentário do post anterior:

pertencendo este blog a alguém ligado a italia, vim aqui pensando
que encontraria um artigo relacionado com o que o senhor Ferdinando
Imposimato disse:

http://www.infowars.com/italian-supreme-court-president-blames-bilderberg-for-terrorist-attacks/

dado
conhecer bem a realidade italiana, diga-me, por favor, este senhor é
credível (apesar de que aquilo que ele disse, qualquer imbecil já sabia
ser verdade, pelo menos qualquer imbecil familiarizado com a nova ordem
mundial e operação gladio)?

Posso eu ignorar um pedido de Pai Natal e tornar tristes todas as crianças da Terra? Claro que não, não desejo uma responsabilidade destas. Por isso vamos ver o que conta Infowars.

Antes uma breve explicação: não sigo as aventuras do Grupo Bilderberg pela simples razão que, se a intenção for perceber algo, não observo as acções dos servos mas as ideias dos patrões, que julgo serem mais importantes. E o Grupo Bilderberg não passa disso: um conjunto de mordomos. Não é aí que fica o leme, estes só se limitam a remar.

O artigo

Mas vamos em frente, eis o artigo traduzido:

O Presidente do Supremo Tribunal Italiano culpa o Bilderberg de ataques terroristas

O Presidente Honorário do Supremo Tribunal da Itália e ex-Chefe de Investigação, o juiz Ferdinando Imposimato, o homem que investigou o caso da tentativa de assassinato do Papa João Paulo II, acusa sensacionalmente o Grupo Bilderberg de estar por trás dos ataques terroristas na Europa.

Numa entrevista com o site ArticoloTre, Imposimato, que esteve também envolvido no rapto e assassinato do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro, disse ter “encontrado um documento que deixou-me chocado”, que implicaria o Grupo Bilderberg numa conspiração com a organização de extrema direita Ordine Nuovo para cometer atentados terroristas.

Falando de assassinatos não resolvidos em Itália e do documento na sua posse, Imposimato afirmou:

Quando se trata de massacre, também fala-se do Grupo Bilderberg. Acredito neste documento. Fiz alguns testes e posso dizer que por trás da estratégia da tensão e dos assassinatos também há o grupo Bilderberg, uma espécie de Big Brother que manobra, usando os terroristas e os maçons.

A “estratégia de tensão” refere-se a uma política sob os auspícios da Operação Gladio, a organização da Nato Stay Behind durante a Guerra Fria, um projecto que procurou criar um clima político artificioso na Europa, com agentes a realizar ataques terroristas que depois eram atribuídos aos grupos extremistas da Esquerda e da Direita.

Gladio foi projectada para demonizar a oposição política e “forçar o público a virar-se para o Estado para pedir mais segurança”, de acordo com o testemunho do ex-agente da Gladio Vincenzo Vinciguerra. Em 2000, uma investigação parlamentar italiana descobriu que a explosão do comboio em Bolonha, em 1980, que matou 85 pessoas, foi realizada por “homens dentro das instituições italianas e… homens ligados às estruturas da intelligence dos Estados Unidos.”

Explicou Vinciguerra num testemunho sob juramento:

Era preciso atacar civis, homens, mulheres, crianças, pessoas inocentes, pessoas desconhecidas afastadas de qualquer jogo político. […] A razão era muito simples. Era suposto forçar estas pessoas, o público italiano, a recorrer ao Estado para pedir mais segurança. Esta é a lógica política que fica por trás de todos os massacres e os atentados, que permanecem impunes, porque o Estado não pode condenar-se e não pode declarar-se responsável pelo que aconteceu.

Imposimato afirma que o documento foi-lhe dado por um ex-terrorista de Ordine Nuovo. Os membros de Ordine Nuovo (“Nova Ordem” em italiano) participaram em numerosos atentados terroristas, incluindo aquele de Piazza Fontana em 1969, do comboio Roma-Messina em 1970, de Piazza della Loggia, em Brescia, em 1974 e no atentado ao comboio Italicus em 1974.

O Grupo Bilderberg é uma reunião anual de cerca de 120 entre os mais influentes agentes do poder no planeta, do mundo da política, dos negócios, de bancos, universidades, meios de comunicação, e até da realeza. A reunião anual da organização é realizada em luxuosos hotéis na Europa, Canadá ou Estados Unidos, mas, apesar da presença duma infinidade de “pesos pesados”, a grande imprensa dá ao evento uma escassa cobertura, rotulando-o como um simples encontro de negócios, apesar da admissão em 2010 do ex-Secretário Geral da Nato e membro do Bilderberg, Willy Claes, segundo o qual os encontros do Grupo servem para implementar decisões políticas que são formuladas durante a reunião.

Há inúmeros outros exemplos de como o Bilderberg tenha influenciado os grandes eventos globais com antecedência, escolhendo Presidentes e Primeiros-Ministros no total desprezo para com processo democrático.

Em 2009, o Presidente do Bilderberg, Étienne Davignon, gabou-se como até mesmo a moeda única, o Euro, foi uma criação do Grupo Bilderberg.

O ataque de Imposimato contra o Bilderberg segue os passos do seu compatriota Alfonso Luigi Marra, um proeminente advogado que recentemente solicitou ao Ministério Público de Roma uma investigação acerca do Grupo Bilderberg para actividade criminal, questionando se a reunião da organização em 2011 na Suíça tivesse levado à nomeação de Mario Monti como Primeiro-Ministro da Itália.

Rotulando o grupo como uma “única, ilegal irmandade” de elitistas que consideram-se “acima da lei”, Marra apontou o dedo contra o Bilderberg por estar na origem de guerras, colapsos económicos e armar ditadores cujas actividades “constituem uma violação óbvia, flagrante, para dizer o mínimo, dos artigos do Código Penal”.

As datas exactas e localização da reunião Bilderberg de 2013 ainda estão para ser confirmadas, a especulação tem-se centrado em volta dos arredores de Londres, no início de Junho.

Até aqui o artigo.
Agora algumas considerações.

Infowars: o importante é impressionar

Infowars não é o máximo quando a ideia for conseguir notícias que não tentem apenas chamar a atenção.

Ok, vamos dizer isso duma forma mais simples: Infowars gosta de notícias que provoquem sensação, o que muitas vezes acarreta riscos, primeiro entre os quais concentrar-se apenas nos aspectos mais bombásticos, deixando de lado eventuais verificações e aprofundamentos. Não que seja um site “mau”: só que neste aspecto poderia ser bem melhor. Esta é a razão pela qual aqui em Informação Incorrecta é raramente utilizado como fonte.

Um exemplo?
O mesmo Leitor Pai Natal cita um link no qual Mike Martinez, nº 2 da autarquia de Austin (Texas), revela que a agenda do presidente Obama prevê o retiro total das armas.

Então é assim: se Mike Martinez fosse um testemunho a meu favor num acidente rodoviário no qual tenho razão, eu assumiria logo a culpa toda. Seria mais seguro.

Porque Martinez é o mesmo fulano que define “piadas” duas pessoas só pelo facto destas serem pretas (e, claro está, é a seguir obrigado a pedir desculpa perante a National Association for the Advancement of Colored People).
É a mesma pessoa que entra no local das urnas durante as eleições com aparelhos de gravação para depois publicar as imagens no Facebook, violando assim as leis federais.
É o mesmo simpático fulano que envia correio spam para denegrir os adversários que não concordam com a inauguração duma estátua.

Mas de tudo isso, Infowars não fala, apresentando o simpático Martinez como uma espécie de valioso insider e não como um palhaço, tal como ele é.

A descoberta da água quente…  

Voltemos ao assunto principal.

O artigo em questão é um bom exemplo disso: chegado ao fim, o Leitor fica com a impressão de que em Italia havia uma organização, chamada Gladio, ligada ao grupo extremista Ordine Nuovo, que operava por conta da CIA, e que esta foi a responsável do período chamado como “Anos de Chumbo” (década dos anos ’70 até início ’80), fazendo explodir uma bomba agora aí, agora lá, aterrorizando o cidadão para que este chamasse a polícia. No meio aparece também o Bilderberg.
A verdade é infinitamente mais complexa.

Havia Gladio? Com certeza. Estava ligada à CIA? Sem dúvida. Havia só isso? Não: havia muito, muito mais do que isso.
Havia o KGB, por exemplo (ou achamos que os Russos estavam a dormir?). Havia umas ideologias nascida nas fábricas (Esquerda), nas universidades (Esquerda e Direita), nos círculos nacionalistas (Direita). Foi aí que se inseriu Gladio, a qual não criou as organizações radicais, mas tentou explora-las (tal como aconteceu na Alemanha, por exemplo, com a Rote Armee Fraktion. Mas atenção: porque o extremismo italiano – ou alemão, francês, basco, etc. – tinha também uma rede de ligações internacionais terrivelmente complexa e intrincada, não apenas CIA ou KGB).

A CIA explorou organizações terroristas locais para criar uma estratégia da tensão e fazer que os cidadãos pedissem mais segurança ao Estado? Mas esta já não é uma notícia, qualquer pessoa em Italia sabe muito bem disso: sabe que as organizações de Direita recebiam dinheiro da CIA e aquelas de Esquerda do KGB. É normal, a Europa Ocidental da década dos anos ’70 era o principal palco da Guerra Fria: nenhum País ocidental poderia ter tido um governo de Esquerda, tal como governos de Direita eram impensáveis no Bloco do Leste. E os dois lados estavam dispostos a tudo para não perder a guerra.

Imposimato aparentemente vai além disso: afirma que o Grupo Bilderberg esteve atrás da estratégia da tensão. Faz todo o sentido.

O Grupo Bilderberg é um conjunto de mordomos que executa ordens superiores. São servos, sem dúvida, mas dispõem de imensos recursos (muitos dos quais nem deles são: perguntem ao Rockefeller a quem deve a riqueza dele). Lógico que na altura da Guerra Fria escolhessem o lado “melhor” para o Grupo, o lado do assim chamado “Capitalismo” (com muitas aspas).

Pessoalmente ficaria muito espantado se um dia fosse revelado que o Bilderberg nunca tomou uma iniciativa ao longo da Guerra Fria. Estas “iniciativas” incluíam também a organização de ataques terroristas? Obviamente sim. Os mais curiosos podem ler o curto artigo de Wikipedia acerca da Operação Chaos (infelizmente está em Inglês: não há nada na versão portuguesa), só para ter uma ideia (reparem nas datas).

Portanto (e eis a notícia), o que Imposimato oferece é a ideia dum envolvimento “directo” do Grupo Bilderberg, graças a um documento que lhe foi entregue por um ex-membro de Ordine Nuovo. Provavelmente falamos aqui de financiamentos, pois o aspecto táctico ficava ao abrigo de Gladio (entre as cujas fileiras havia muitos militares). E Imposimato fala dum documento

Outra vez: faz sentido? Parece-me que sim, por causa do que foi dito até aqui. E seria particularmente bom poder ler o tal documento, isso sim que representaria uma autêntica novidade. E que por isso desconfio nunca irá acontecer.

Ferdinando Imposimato é pessoa credível? O curriculum dele fala por si: sim, em teoria é um dos poucos que sabe do que fala. Não vou fazer aqui a listagem dos méritos do juiz, pessoa que pagou em primeira pessoa as próprias escolhas (ver caso do irmão dele morto pela Máfia). Enquanto magistrado, foi o primeiro a falar de “pista russa” no já citado rapto de Moro. E isto apesar dele ser homem de Esquerda (lembramos: era a época da Guerra Fria). E foi sempre ele que falou, primeiro, da “pista búlgara” no caso do atentado contra João Paulo II.

Mas isso foi há muito, muito tempo atrás, antes dele entrar em política…

…e o que o juiz não explica

…porque agora há coisas que não batem certas. Há uns “todavia”.

Todavia fico “chocado” ao aprender que Imposimato fica “chocado” por causa do envolvimento do Grupo Bilderberg. Um juiz que passou a vida a investigar obscuros enredos internacionais pensava no Bilderberg como uma espécie de lar?
 
Todavia Imposimato está na posse do documento há quase três anos (quem entregou-o foi Giovanni Ventura, morto em Buenos Aires em meados de 2010). E o juiz tem 80 anos. A intenção é uma publicação póstuma?

Todavia Imposimato há alguns anos entrou no PD, o Partito Democratico (a principal formação da Esquerda em Italia): foi este o mesmo partido que com Berlusconi apoiou o governo de Mario Monti, alegada escolha do Bilderberg.
Agora, duas datas:

  • 2010: Imposimato recebe o documento “sensacional” e fica calado.
  • 2011: Monti forma o governo.
  • Dezembro de 2012: Monti apresenta a demissão.
  • Fevereiro de 2013: Monti perde as eleições.
  • Abril de 2013: Imposimato revela ter o documento.

Lembro mais uma vez a frase dum outro político italiano, Giulio Andreotti (eis alguém que poderia contar tudo, mas tudo mesmo acerca de Gladio, CIA, terrorismo…):

Pensar mal dos outros é pecado, mas muitas vezes está certo.

Espero estar errado e quero confiar na vontade do juiz Imposimato para partilhar quanto mais cedo o tal documento.

Entretanto podemos continuar a ficar entretidos com o Grupo Bilderberg. Mas é cada vez mais complicado distinguir entre quem for um gatekeeper e quem, pelo contrário, limita-se a levantar poeira para entreter o povo.

Ipse dixit.

Fontes: InfoWars, ArticoloTre, Wikipedia (versão inglesa)