Algo estranho

Acontece algo de esquisito. Ou talvez não.

Ezra Pound disse uma vez (mas não tinha sido o primeiro) que “os políticos são os garçons dos banqueiros”. A opinião pública muitas vezes pensa o mesmo: não há dúvida de que a lobby bancária internacional tem um enorme poder. Nem é o caso de fazer exemplos.

Em vez disso, vamos observar algo…como dizer? Inquietante.
Óbvio, nada que o Leitor possa encontrar nos media, nem naqueles especializados em assuntos financeiros: até nem é algo que a internet alternativa trate, com grande surpresa. Mas é algo importante.

A questão é simples: o sistema bancário internacional parece perder força, em favor da política tecnocrática. Uma inversão de marcha no quadro histórico. Ezra Pound fica de cabeça para baixo.
Uma interpretação errada? Pode ser. Então vamos ver os sintomas.

Tudo começa com o “resgates” dos sistemas bancários da América do Norte e da Europa por parte dos respectivos governos, devido ao desastre começado em 2007 e ainda não acabado.
Até aqui tudo bem: os políticos são de facto os garçons dos banqueiros e utilizam o dinheiro público para salvar instituições privadas.

Passo em frente, Outubro de 2011: a Troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) compromete-se a pagar um rio de dinheiro para o resgate da Grécia, pedindo em troca uma política de austeridade mortal em Atenas. Mas aqui há o primeiro sinal: a Troika também obriga os investidores internacionais (incluindo os bancos) a assumir prejuízos. De facto, estes são obrigados a abdicar até 80% do dinheiro emprestado (e que forma a imensa dívida pública grega).

Esta operação tem um nome, PSI Hair-Cut. O que isso significa? Isso significa que as autoridades europeias forçam o sector privado (Private Sector) a envolver-se (Involvement) com enormes perdas nos investimentos no resgate de um Estado.

Na altura poucos realçam a importância desta manobra: pela primeira vez o sector financeiro privado é obrigado a sofrer perdas. Mas como é possível isso? Não eram eles que dominavam o mundo? Como é possível que agora os políticos europeus obriguem este tubarões dispostos a cortar as pernas da mãe em troca de 10 Dólares a perder biliões?

Seria simples imaginar uma reunião num luxuoso apartamento de Manhattan, ao crepúsculo, onde 10 homens com anéis de ouro e charutos de 1.500 dólares decretam o assassinato de Mario Draghi (governador da BCE). Mas não. Tudo acontece com uma operação suave; e Mario Draghi ainda está vivo e em boa saúde (por acaso, esta é uma das nossas desgraças, mas este é outro discurso).
Por seu lado, a Troika proclama que “Esta será a primeira e última vez”. Ok, jogaram com o fogo, mas se for a última vez…

Novo passo em frente, até Março de 2013, Chipre está prestes a saltar para o ar; pelo menos, esta é a versão que é vendida, as coisas estão um pouco diferentes, mas não interessa agora. Interessa o que a Troika faz: PSI Hair-Cut, de novo. Outro golpe para o sector privado, golpe que diz mais ou menos isso: “Desculpem, agora quem tiver mais de 100.000 Euros na conta fica com 70mil, talvez 40mil. Assim vamos salvar a ilha. Talvez. Ou talvez não. Mas não interessa, Chipre é pequena e depois é a intenção que conta”.

Agora, é preciso observar algumas coisas:

  • a operação é um assalto, apenas disfarçado: a Troika entra nos bancos e fica com o dinheiro dos cidadãos. Paciência.
  • os maiores depósitos no Chipre pertencem ao oligarcas russos. Com certeza no meio haverá alguns cipreste ou ciprino ou cipriota com o dinheiro poupado para comprar uma casa (azar dele), mas na maioria dos casos falamos de russos.

Oligarcas e empreendedores russos. Tubarões que cortam as pernas da mãe em troca de 15 Dólares.

Seria simples imaginar uma reunião numa dacia, no meio da neve, onde 10 homens cercado por guarda-costas checheno decretam o assassinato de Christine Lagarde (FMI). Mas não. Tudo acontece com uma operação suave; e Chrisitne Lagarde está viva e em boa saúde (por acaso, esta é outra das nossas desgraças, mas este é outro discurso). Como isso é possível?

Outra observação crucial. Estes resgates de Países em detrimento do sector privado passam por uma rede de tratados enchidos de direito internacional, por isso passam a fazer parte do corpo jurídico, estabelecem um antecedente legal. O que significa isso? Isso significa o seguinte: a elite política tecnocrática determinou que, para o futuro, o capital privado na posse do sistema bancário pode ser livremente expropriado fins políticos.

“Políticos”? Sim, políticos. Porque se é verdade que a Troika (lembramos: FMI, UE e BCE) actuam para salvar a Zona NEuro, é também verdade que o resgate de Chipre tem pesada motivações políticas (atingir a Rússia).
Isto tem uma outra consequência de fabuloso alcance. A partir deste momento, os investidores internacionais sabem que os bancos não podem mais ser considerados como um porto seguro. Portanto, no mundo desmorona a confiança no sistema bancário.
“Coisa pouca”, como diria alguém.

Agora, algumas considerações. Os bancos são o que são, e esta frase subentende todas as coisas más que o Leitor consegue imaginar. Mas é verdade outra coisa também: no nosso sistema, o acutal sistema, os bancos são essenciais. Além do facto que os bancos, como instituições e se devidamente regulamentados (sem juros, por exemplo), são essenciais para qualquer sistema económico moderno e até podem desenvolver funções socialmente úteis.

“Socialmente úteis”??? Isso mesmo. Um exemplo: o Repo. O que é isso? Uma Repo é uma operação em que um banco vende para particulares títulos de Estado de curto prazo para conseguir fundos, com a promessa de voltar a adquirir os mesmos títulos no curtíssimo prazo. As razões? Simples: Para conseguir fundos de forma muito rápida e, então, utiliza-los para empréstimos aos cidadãos e empresas, por exemplo, ou, no caso dos fundo de reforma, para que o Estado consiga ter o dinheiro necessário para poder pagar as reformas.
Acham pouco?

Mas se o sistema bancário perder a confiança dos credores privados, salta também o Repo, entre as outras coisas. Pensamos no sistema do crédito: se um investidor está consciente do novo estado de perigo que envolve os bancos, nomeadamente os Hair Cuts, por qual razão deveria pôr o dinheiro dele numa conta, com o risco de perder 40 ou até 70%? É verdade que os bancos criam dinheiro a partir do nada, mas mesmo assim precisam (e de que forma) dos depósitos e dos investidores. Porque sem investidores, sem depósito, o banco não consegue “jogar” na Finança, então não há empréstimo para comprar a casa. É o colapso do sistema.

É por esta queda da confiança que nos Estados Unidos os Primary Dealers (os bancos que participam nos Leilões do Tesouro dos EUA para a aquisição dos Títulos de Estado) são cada vez mais numerosos do que os compradores privados.

Outra coisa. Chipre, outra vez. O PSI Hair Cut parece ter sido decidido para afetar os depósitos privados com mais de 100.000 Euros. Mas cuidado: como já lembrado, nem todos os que têm 100.000 Euros no banco são milionários. Não é preciso muito para um agricultor vender dois celeiros e depositar na conta mais de 100.000 Euros. Mas este agricultor cai na mesma rede do oligarca. Portanto, este PSI Hair Cut é uma forma de tributação sobre os cidadãos as empresas para salvar o País.

Este é o dinheiro que é de facto destruído para acabar nas contas electrónicas do Tesouro, mas isso significa que é dinheiro que não será gasto pelo sector privado, portanto não criará vendas ou lucros. Por isso, haverá menos trabalho, mais desemprego, a sociedade ficará empobrecida.
Péssimo.

Mario Draghi e Christine Lagarde

Muito bem , voltamos ao tema principal. Como é possível que dois tecnocratas, criaturas do sistema bancário como são Mario Draghi e Christine Lagarde, filhos da Finança especulativa, hoje atirem um pontapé deste tamanho contra os bancos? Algo muito, muito sério, tocante, que é suspeito.

Pegamos no simpático Mario Draghi.
Presidente do Banco Central Europeu, é membro da lobby bancária mais poderosa do mundo, o Grupo dos Trinta, aquele que convenceu os governos a liberalizar os Derivados, com as consequência que ainda pagamos hoje (crise de 2007). E sempre foi homem da Goldman Sachs, o maior banco de investimentos do mundo.

E Christine Lagarde?
Presidente do Fundo Monetário Internacional, foi governadora do European Bank for Reconstruction and Development (Banco Europeu da Reconstrução e Desenvolvimento), depois do European Investment Bank, do Inter-American Development Bank (Banco Interamericano de Desenvolvimento), e também trabalhou no gigante de seguros ING.

A Comissão Europeia está cheia de lobbies bancárias poderosas, como a (European Banking Federation) Federação Bancária Europeia ou o já citado Grupo dos Trinta, e é facto conhecido que estes têm audiência directa com o simpático Durão Barroso (presidente nunca eleito da nunca eleita Comissão Europeia).

Então: como é possível que dois indivíduos assim e que uma Comissão como aquela decida infligir ao sistema bancário um golpe como aquele?

8 Replies to “Algo estranho”

  1. Anatole France, A Ilha dos Pingüins, uma ótima leitura sobre bancos…

    Ding dong, the witch is dead.

  2. Talvez o golpe não seja tão rude como se acha…é fazer de conta que se está a agir contra os bancos, quando tudo de que se ouve falar é na realidade pouco ou nada face ao que os bancos têm preparado.
    É como num jogo de xadrez: por vezes há que saber perder e sacrificar peças e jogadas para conseguir iludir o adversário e fazê-lo achar que está a contra-atacar ou ganhar, quando, sem que este perceba, está a ficar em xeque, ou mesmo em xeque-mate.
    E como as elites gostam de "jogar xadrez".

  3. Antes de qualquer convicção precisamos saber quem são os envolvidos nesses contextos. E o que realmente está sendo negociado, não só no presente mas no futuro. Sem esses elementos não temos como discernir a realidade.

  4. Estou no celular e não tenho os links. Porém recentemente li em mais de um lugar main stream várias acusações que o sistema financeiro é um enorme esquema Ponzi. Todos sabemos que realmente é. Porém estão acusando, ao invés da máfia bancária, o abandono do lastro em ouro. Perigo…

  5. Max desta vez não estou de acordo.
    Quem controla o dinheiro controla o poder. E tu sabes bem que é assim.
    Hoje é o Draghi e a Lagarde mas amnahã serão outros a ocupar estes lugares.
    Quanto ao poder financeiro as coisas mudam de figura. Os lugares têm dono.
    Quanto á questão do Chipre gostava de saber quanto dinheiro saiu de lá antes das contas serem 'congeladas'.

    O que estará aqui em causa é a sobrevivência de um sistema.
    Como disse José Luis Sampedro, que morreu ontem; estamos a assistir ao colapso deste sistema e eu vou ter a sorte de já cá não estar para ver.

    abraço
    Krowler

  6. Olá Max: pouco se sabe sobre "o grande jogo de xadrez" do poder.
    Humildemente penso que:
    1. Se o sistema financeiro está a desmoronar,os poderosos estarão se movendo para mais se utilizar de dispositivos geo políticos de poder de dominação.
    2. o mesmo raciocínio para dispositivos de governança mundial
    3 o mesmo para dispositivos policialescos, confundidos com segurança
    4. o mesmo para controle populacional
    5 o mesmo para redistribuição de populações em meio à guerras, migrações forçadas e tal.
    Me parece que tudo pode ser resumido em quais são no momento as estratégias e táticas em âmbito mundial que façam selecionar cada vez mais quem manda, tem e pode, e quem é massa de manobra ou descartável, ou seja, lixo humano ou ambiental.
    Também acho as considerações do Krowler consideráveis. Abraços

  7. Uma abordagem sob a ótica apresentada no tema…

    Bem, pode ter havido nesta questão, algum grau de real conscientização diante da dura realidade decorrente do 'atentado terrorista suicida' chamado NEOLIBERALISMO! Haja visto a manifestação, há poucos anos atrás, de "ilustres" personalidades do setor econômico.

    À medida que se intensifica a tripla convulsão (financeira, monetária e energética) que abalava a economia mundial, o pânico alcançava as elites. Seu credo desmanchava-se – o mercado já não era mais a resposta para tudo. E os ganhos estratosféricos dos altos executivos das corporações passaram a ser questionados.

    Exemplos:

    "John Thornhill, editor-chefe da edição européia do diário financeiro, indicava os culpados: “Muitos bancos provaram ser de uma irresponsabilidade monstruosa, se não criminosa”.

    "o Handelsblatt, um dos mais influentes jornais alemães da área financeira, aplaudia a intervenção que mandava os princípios sagrados do neoliberalismo(!!) para o ralo. O Wall Street Journal e o The Economist fizeram-lhe eco. “Para que o sistema funcione”, lembrava o semanário liberal, “é preciso, às vezes, que os banqueiros percam seus empregos e os investidores, suas camisas”.

    "Josef Ackermann, CEO do Deutsche Bank e figura emblemática do capitalismo europeu, perdera a confiança “Não acredito mais no poder de auto-correção dos mercados”, disse ele; seu colega, Horst Köhler, antigo diretor geral do Fundo Monetário Internacional e presidente da República Federal da Alemanha, perde a paciência: “Os mercados internacionais se metamorfosearam em um monstro que deve ser empurrado para sua caverna”.

    Conforme nota do correspondente em Berlim do jornal Le Figaro, “a remuneração média dos diretores de 30 empresas cotadas no Dax aumentara 62% em cinco anos, contra 2,8% de aumento do salário do empregado médio”. Consternado, o presidente alemão admitia que "muitas águas haveriam de rolar antes que seja
    restaurada a confiança pública na elite econômica arruinada pelo comportamento incorreto de certos executivos de empresas”.

    "Em Bruxelas, Jean-Claude Juncker, presidente do Eurogroupe, que reúne os ministros da Economia da zona do euro julgava “perfeitamente escandaloso” as “derrapagens excessivas [sic] da remuneração dos dirigentes de empresas”.

    "Quando oito executivos do Converteam distribuem entre si 700 milhões de euros, resultantes da venda da empresa em junho de 2008, quando o CEO da Porsche ganha 60 milhões de euros em 2007, quando seu colega holandês do grupo alimentar Numico recebe um bônus de 66,8 milhões de euros, a falta de tato na rapinagem constrange até eles mesmos, os diretores. “Se isso continuar, a opinião pública não ficará mais do lado dos empreendedores”, explicou Wouter Bos, ministro holandês da Economia, para justificar uma lei tributando as remunerações escandalosamente generosas…"

    "Convidada a testemunhar diante de comissão da Câmara dos Representantes, Nell Minow, conselheira do governo norte-americano, não poupou palavras: “A remuneração injusta acordada ao CEO que fracassa deveria ser restituída aos acionistas”

    Após ataque contra a polícia com pedras e coquetéis Molotov, Michiyo Nakamoto, correspondente do Financial Times no Japão, percebe uma contestação mais profunda: “Num lapso de tempo bastante curto, a sociedade coesa e igualitária da segunda economia mundial foi transformada em uma sociedade entrevada pelos males do modelo liberal(!): classe desfavorecida crescente, marginalização, hiatos cada vez maiores de ganhos e descontentamento velado”.

    (continua)
    Bob

  8. (continuando comentário anterior)

    "Lawrence Summers, antigo economista-chefe do Banco Mundial, depois secretário da Fazenda do governo Clinton, esclareceu os termos da batalha: “A oposição aos acordos de livre comércio, e em geral à globalização, refletiu a tomada de consciência pelos trabalhadores de que aquilo que é bom para a economia global e para os campeões dos negócios não é necessariamente bom para eles”.

    “Os banqueiros devem entender que se eles próprios não fizerem nada para frear seus piores excessos, os reguladores sofrerão provavelmente uma forte pressão para agir em seu lugar”, afirma editorial do Financial Times."

    “Os parâmetros da globalização foram fixados no Ocidente, reconhece Philip Stephens, editorialista do Financial Times. A liberação do comércio e do fluxo de capitais era um projeto essencialmente americano.(…)Mas, quando todo mundo estava pensando que tirava proveito da integração econômica, um princípio implícito se impunha, no qual os principais ganhos iam para os mais ricos.”

    Talvez a solução da crise exija reavaliar o sistema monetário como um todo. Aí entra o problema da disciplina jurídica da moeda, da organização internacional do sistema monetário e, em última análise, o problema da estabilidade econômica. Porém, não é exclusividade do Direito, nem da Economia, solucionar o problema.

    Parte do desafio atual é, justamente esse: como sair desse dualismo binário entre Mercado e Estado? Entre normas de Direito e de Economia? Não há ortodoxia ou heterodoxia que resista a uma crise global como esta! A resposta ainda não existe, é preciso encontrar um paradigma novo de vida econômica e social.

    ps: É claro que boa dose de cautela faz-se necessária diante da questão. Planejamentos de longo prazo existem e muitas vezes incluem "grandes perdas" em seus meios para atingir "gigantescos lucros" em seus fins… para uma Nova Ordem Mundial?? :/

    Bob

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