Site icon

Nato: da morte das crianças e do ópio

A Nato atinge outro sucesso no Afeganistão (onde, lembramos, todos são terroristas), eliminando 11
perigosas crianças, com idade entre 1 e 12 anos. Os factos aconteceram no último Sábado.

A aldeia alvo do ataque fica no Distrito de Shigal, Província de Kunar, perto da fronteira com o Paquistão. Segundo a agência de notícias Reuters, no ataque morreu também uma mulher (segundo outras fontes as mulheres mortas foram duas, mas tanto faz, todos terroristas são) e outras 6 pessoas ficaram feridas.

Os reportes da Bbc confirmaram que todas as vítimas na altura da morte encontravam-se no interior das próprias casas e fotografaram os cadáveres das crianças.

A Nato, num comunicado oficial, confirma o ataque mas fala apenas em feridos.
O porta-voz da Aliança, o capitão Luca Carniel:

O apoio aéreo foi pedido pelas forças de coligação, não-afegãs, e foi
usado para atingir as forças insurgentes em áreas distantes das
estruturas, de acordo com o nosso relatório

E se o ataque foi conduzido “em áreas distantes das estruturas”, é evidente que não foi a Nato que eliminou as perigosas crianças. Provavelmente foi a gripe. Ou os mesmos talibãs, que como sabemos gostam de matar.

Até hoje foram centenas as crianças mortas pela força militar internacional sob o comando da Nato, e isso somente nos últimos quatro anos de guerra. Não são afirmações dos talibãs mas do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), publicadas num relatório divulgado no início de Fevereiro.

O Alto Comissário escreve que as mortes foram “devidas, principalmente, à falta de medidas de precaução e pelo uso indiscriminado da força” por parte do contingente multinacional.

O Committee on the Rights of the Child (Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança) realça como “o número de crianças mortas dobrou de 2010 para 2011”.

De acordo com o relatório, um total de 110 crianças morreram no Afeganistão até 2011, e 1.645 ficaram feridas: uma média de 4,8 crianças mortas ou feridas por dia. Em 2012, o massacre foi reduzido: os ataques aéreos mataram (oficialmente) 126 civis, incluindo “apenas” 51 crianças.

Nos últimos tempos, as forças armadas da missão estrangeira foram forçadas a pedir desculpas por ter aberto o fogo e morto civis e crianças inocentes, enquanto há alguns tempos deu escândalo uma entrevista publicada pelo Military Times, em que o tenente-coronel Marion Carrington explicou que as crianças são identificadas como potenciais ameaças, juntamente com todos os “homens de idade militar”, porque algumas são usadas ​​pelos talibãs para apoiar ou participar em ataques contra tropas da Aliança. No mesmo artigo, um funcionário não identificado havia justificado a morte de três crianças de 12, 10 e 8 anos.

A sede das forças dos EUA no Afeganistão (Usfor-A) critica as conclusões contidas no relatório como “categoricamente infundadas”, “sem substância” e “totalmente falsa”; e lembra como 84% de todos os civis mortos ou feridos no País foram vítimas dos rebeldes. Uma afirmação deveras interessante esta última: quem bombardeia o País é a Nato, mas quem provoca as vítimas são os habitantes locais.

Deve ser por isso que o Presidente Hamid Karzai emitiu um novo decreto no mesmo Sábado, proibindo ao exército afegão de pedir apoio aéreo às forças da Nato. Decreto que entra em vigor hoje.

Da guerra e do ópio

Mas após mais de 10 anos de combates no Afeganistão, quais as razões desta guerra?

As motivações são várias, entre as quais não podemos esquecer a doutrina que prevê o controle da Eurásia como chave de acesso aos recursos do planeta. Mas vale a pena lembrar outro aspecto também.

Um ano antes da invasão ocidental, um decreto do governo do Mullah Omar (Novembro de
2000), proibiu o cultivo da papoula, flor da qual é extraído o ópio, base para a preparação de heroína. O decreto, que tinha motivações de carácter religiosas, considerava
o ópio contrário aos princípios do Islam e cortou a produção da droga de
3.100 toneladas para “virtualmente nada” na primeira metade de 2001. Os efeitos do decreto foram então confirmados por uma equipa de 12 especialistas da ONU, que
visitou o País.

Logo após a guerra de ocupação, sob
a protecção dos soldados ocidentais e o suporte do governo
fantoche, o “virtualmente nada” alcançou 1.278 toneladas em 2002, o dobro em 2003, 6.100
toneladas hoje (dados da UNODC, United Nations Office on Drugs and Crime).

O relatório da ONU conclui que “hoje 90% do ópio produzido no país é convertido em heroína e morfina antes de ser exportado”. Portanto, trata-se de uma “evolução” pois, segundo o Los Angeles Times, até 2004 o País “era conhecido como exportador de ópio, não como produtor de heroína”.

Em 2004, o Afeganistão produziu e exportou 87% de todo o ópio e derivados do planeta, enquanto hoje a percentagem alcança 92% do total.

Ipse dixit. 

Fontes: Público, Russian Today, UN Office of the High Commissioner for Human Rights: Afghanistan Annual Report 2012 Protection of Civilians in Armed Conflict (ficheiro Pdf, inglês), Military Times, The Guardian, BBC