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Portugal: a decisão do Tribunal Constitucional

Antes de continuar com um novo capítulo da adorada Breve História da Economia, o humilde blogueiro fica na frente da televisão à espera da decisão do Tribunal Constitucional.

Isso porque estamos num País sério onde não é a televisão que dita os tempos da política e da economia, é só por acaso se após 90 dias a decisão está prestes a ser comunicada na hora dos telejornais nacionais.
Aliás, pensando bem parece normal que o Tribunal trabalhe só após as 17:00, a hora do chá com bolachas.

Os Leitores não Portugueses estarão a pensar: “Cadê?” que não significa nada mas faz lembrar “Que é?”. Então o humilde blogueiro explica.

O governo de Portugal, isso é, o conjunto de indivíduos que obedece às ordens da troika (FMI+BCE+EU), apresentou um Orçamento de Estado que contém algumas normas anticonstitucionais.
Como por aqui ainda é importante a fachada, o Tribunal Constitucional disse “Cadê?”, que neste caso significa: “Calma, vamos analisar o assunto, afinal temos que justificar os ordenados”.

O Tribunal Constitucional (TC) analisou 16 normas duvidosas ao longo de 90 dias. Isto dá uma norma a cada 5 dias, ao longo dos quais os juízes pegaram na norma dum lado, na Constituição do outro e verificaram que não houvesse incompatibilidades.
Pode parecer muito tempo uma norma a cada cinco dias, mas lembramos que a Constituição é um livro pesado.

Hoje, afinal, é o Dia dos Dias, isso é, o dia em que Portugal irá conhecer o parecer do Tribunal. Que como é óbvio, é vinculativo, no sentido que se uma norma for chumbada, não pode fazer parte do orçamento de Estado. Isso criaria uma situação muito complicada, pois seria preciso um orçamento rectificativo com o qual encontrar o dinheiro que não é possível recolher com a aplicação das 16 normas.

Agora um passo atrás.
O simpático Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, disse que não há “Plano B”, isso é: caso as normas sejam chumbadas, o governo não aprontou nenhuma medida alternativa. O que não faz sentido. Ou o Ministro é um irresponsável (e já deu prova disso), ou mente (e isso também).
Que opção escolhe o Leitor?

Eu nem a primeira nem a segunda. Na minha óptica, se o Ministro afirma não ter preparado um Plano B diz a verdade: já está pronto o Plano C.

O Ministro Gaspar, tal como o Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho, tem muitos problemas, o mais importante dos quais é justificar perante os Portugueses decisões que aparentemente não fazem sentido mas que, na verdade, sentido têm e muito. Só que não é o mesmo sentido que os Portugueses esperariam, daqui os problemas.

Agora, Gaspar, tal como o Primeiro Ministro, pode não ser simpático (e não é, de todo), mas não é estúpido, não totalmente entendo. Não é credível que não tenha um Plano B, pela simples razão que os donos deles (a troika) nunca permitiriam isso.

Além disso, é bom não esquecer que o governo já no ano passado tinha apresentado uma norma muito parecida com uma das analisadas hoje e que na altura tinha sido declarada anticonstitucional. Passados 12 meses, o governo apresenta a mesma norma? Só se for intencional.

Portanto, se não existir um Plano B é porque já está pronto o Plano C.
Mas qual pode ser? Ou, dito de outra forma: Cadê?

As hipóteses

Duas hipóteses.

Mais tempo?

A primeira, a mais soft, é sinalizada pela Leitora Artista (nickname esquisito, de facto) e é a seguinte, relatada pelo diário Sol:

Dar mais tempo para o cumprimento da meta do défice orçamental este ano é
a solução que mais agrada à troika, caso o valor das medidas
eventualmente chumbadas pelo Tribunal Constitucional (TC) seja superior
ao que o Governo conseguir comportar no actual cenário.

Fontes
ligadas aos credores externos garantem que o objectivo é evitar a todo o
custo ter mais «um problema» na Europa depois da polémica com o resgate
de Chipre, o receio da necessidade de uma intervenção na Eslovénia e a
fragilidade bancária e política em Itália. Até às eleições alemãs em
Setembro, a ordem é para manter Portugal à tona e flexibilizar «o que
for possível» nas metas orçamentais.

Uma nova revisão do défice é
vista na Comissão Europeia, por exemplo, como a «menos má» das opções
em Portugal. Mas flexibilizar tem a desvantagem política na Europa de
criar um precedente para os outros Estados-membros pedirem o mesmo.

Esta é uma ideia. E sem dúvida é preferível à segunda.

O novo resgate?

Que é a seguinte: e que tal justificar um segundo resgate “culpando” o Tribunal Constitucional e a decisão dele?

Fora dos jogos uma medida como aquela aplicada em Chipre (por várias razões, entre as quais o facto de não serem muitas afinal as contas bancárias com mais de 100.000 Euros), não é que sobre muito.
Também uma subida dos impostos não é viável: o Banco de Portugal já fez saber que um aumento neste sentido provocaria um aumento da recessão.

Quanto mais o tempo passar, tanto mais fica claro que Portugal terá que recorrer a um novo resgate: seria um redondo fracasso para o governo e o chumbo do Tribunal representa talvez a única possibilidade para chamar em causa responsabilidades alheias e invocar uma nova ajuda do FMI-BCE-UE.

Que fique claro: um segundo resgate seria uma tragédia e a esperança é que a troika aceite conceder mais tempo para que Portugal consiga alcançar os objectivos orçamentais. Pessoalmente espero estar enganado. Mas não podemos esquecer que o País tem uma economia em recessão, um desemprego que não baixa (e que aumentará nos próximos tempos), enormes juros que têm de ser pagos, receitas fiscais em queda. E nos cofres não há um tostão.

Contra esta hipótese há o facto do Tribunal Constitucional alemão recusar a ideia de novos empréstimos na Zona Euro. Mas, em qualquer caso, é óbvio que a “desculpa” da decisão do TC será utilizada por este governo para justificar novas medidas e os próximos maus resultados. 

A decisão

Mesmo agora apareceu o Tribunal Constitucional: e falou!

Foram declaradas anticonstitucionais 4 normas, o que cria um buraco de mais de 1.250 milhões de Euros. Alegria.

O TC declarou anticonstitucionais as normas que travavam o pagamento do subsídio de férias dos trabalhadores do sector público e dos reformados. Que, portanto, deverão receber o dinheiro.

O TC declarou também anticonstitucional a taxa sobre o subsídio de desemprego e de doença.
Também anticonstitucionais os contractos de docência e de investigação.

Mas o que tem consequências orçamentais são as primeiras duas normas, aquelas do subsídio de férias de trabalhadores públicos e reformados.

Por enquanto, duas certezas:

  1. Portugal em Abril 2013 não tem o Orçamento de Estado 2013.
  2. O governo de Portugal demonstrou pela segunda vez não ter capacidade para legislar sem atropelar os direitos constitucionais dos cidadãos.

É obra. 

Ipse dixit.

Fonte: Sol