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Breve mas interessante historia da economia – Parte V

Querido Leitor,

aqui estamos outra vez, sempre com Marx. Só que agora vamos ver qual a análise que o economista alemão fez acerca da fonte do lucro.
Ou seja: Marx perguntou-se o que realmente determina o lucro para os capitalistas e para o povo, no geral para toda a sociedade.

Não é algo “leve”, a maioria das pessoas não entende como é que o lucro é gerado: normal, não é tão simples. Até alguns economistas têm o mesmo problema: pensam que seja suficiente desenvolver o sector privado para que o dinheiro possa circular e tornar o País rico. Mas não é assim, a questão é muito mais complexa.
Vamos explica-la de forma simples? E vamos.

Então, já vimos que no tempo de Marx existiam os seguintes actores: os reis, os nobres e a Igreja (os parasitas) cada vez menos poderosos; os capitalistas burgueses, com as fábricas e empresas, cada vez mais poderosos; e, finalmente, os perdedores do costume, ou seja, a massa dos pobres, camponeses e operários.

É claro que o consumo da altura era concentrado principalmente nas duas primeiras classes, e muito pouco nas massas. Mas Karl Marx não era um economista qualquer e percebeu que num futuro não muito distante a massa dos assalariados iria consumir a maior parte dos produtos, simplesmente por uma questão de número. Então Marx colocou a análise acerca da origem do lucro.

Pensou que os trabalhadores recebem o salário e, em seguida, gastam o mesmo salário para fazer compras, correcto? As máquinas, que cada vez mais povoam as fábricas, não, não têm esta capacidade. Portanto, diz Marx, a única fonte de rendimento para os capitalistas é a massa dos assalariados com os salários deles. Salários que são pagos pelos mesmos capitalistas.

Agora, querido Leitor, tenha em mente que aqui Marx considera as categorias dos capitalistas e dos trabalhadores cada uma como um conjunto, isso é, todos os capitalistas dum lado e todos os trabalhadores do outro, ok?

Então, diz Marx, se os capitalistas ganharem dos assalariados que trabalham por eles, isso significa que nas mãos dos capitalistas voltam os salários que foram pagos aos trabalhadores. Mas aqui há um problema: se o capitalista pagar 100 de salário e ganhar 100 dos assalariados, onde fica o lucro? Não pode existir, o dinheiro em circulação será sempre o mesmo.
Assim: lucro zero.
Então como é que os capitalistas conseguem obter um lucro?

Resposta: tem de existir um outro sector da economia que possa gerar o lucro, um sector “externo” aos capitalistas e aos trabalhadores: é única forma para que os capitalistas possam conseguir pôr no bolso dinheiro que ainda não tenham gasto para pagar os salários. Tudo bem, faz sentido. Mas, como vimos, parecem existir apenas três categorias: os parasitas (reis, nobreza) em decadência, os capitalistas e os trabalhadores. Onde raio fica um outro sector?

Marx pega na lupa e observa com maior atenção estes últimos dois sectores, os capitalistas e os trabalhadores; e descobre algo.
Descobre que, na verdade, o sector capitalista é composto por dois sectores, não apenas um. Há um sector que faz os produtos de consumo (sapatos, alimentos, tijolos, móveis, roupas …) e um sector que cria os meios de produção para fazer os produtos de consumo (matérias-primas e máquinas).

Marx chama estes dois sectores com o nome de “departamentos”. Interessa? Não, continuemos a chama-lo “sectores”.

Então, querido Leitor, temos:

  • o sector dos meios de produção
  • o sector dos produtos de consumo

Marx diz: os salários de todos aqueles que trabalham no sector dos meios de produção serão gastos para comprar os bens de consumo do sector dos produtos de consumo, de modo que os capitalistas deste sector terão dinheiro novo que não pagaram sob-forma de salários para os seus trabalhadores.

Confuso? Não: eu, trabalhador dum empresa que produz máquinas para fazer sapatos, gasto o meu ordenado para comprar os sapatos. Mas quem vender os sapatos não gastou o dinheiro para pagar o meu ordenado (eu trabalho por conta de quem constrói as máquinas, não por conta de quem faz os sapatos!), logo quem vender os sapatos tem um lucro.

Esta passagem é um pouco delicada: os ordenados pagos aos trabalhadores do sector dos meios de produção são o lucro do sector dos produtos de consumo. Portanto, quando o sector dos produtos de consumo vai comprar os meios de produção, paga com o lucro obtido pelos ordenados dos trabalhadores do sector dos meios de produção. Portanto, o sector dos meios de produção ficam com quê no bolso? Fica com os ordenados dos próprios trabalhadores (o lucro do sector dos bens de consumo) e nada mais.

Calma, querido Leitor, tenha muita calma, eis um esquema para simplificar ao máximo:

  1. Nuno é o trabalhador da empresa Classic, que cria sapatos, e recebe um salário.
  2. Nuno ao mesmo tempo compra sapatos Classic com o próprio ordenado.
  3. A empresa Classic recebe de volta o salário de Nuno (o dinheiro gasto nos sapatos), não há lucro.
  4. Zé é o trabalhador da empresa Makinsap, que cria máquinas para produzir sapatos, e recebe um salário.
  5. Zé compra também os sapatos da marca Classic com o próprio ordenado.
  6. A empresa Classic não tinha gasto um cêntimo no salário de Zé, que é pago pela Makinsap: o dinheiro de Zé é o lucro da Classic.
  7. Com o dinheiro de Zé (o lucro), a Classic compra na Makinsap a máquina para fazer sapatos.
  8. Desta forma, a Makinsap recebe de volta o salário de Zé (o lucro da Classic), e nada mais: não há lucro.

Assim fica mais claro, não é? Muito bem.
Mas então como é que o sector dos meios de produção consegue o lucro? Como acumula lucro o dono da fábrica que produz máquinas para fazer sapatos? Porque isso significa que o sector dos meios de produção (a Makinsap no exemplo) vê o seu próprio dinheiro voltar para trás: não há lucro.
Grande problema.

Marx aqui tem pesadelos. Minha Nossa Senhora dos Santíssimos Sapatos, mas como pode o sector dos meios de produção conseguir um lucro?
Pensa e repensa, um pouco em alemão, um pouco em hebraico, o simpático Karl chega lá: como já viu-se que o lucro só vem de uma área externa, um sector onde não temos de pagar os salários e onde não vemos simplesmente voltar atrás os salários já pagos, então deve haver um outro sector externo, ainda não individuado. É a única forma com a qual o sector dos meios de produção pode conseguir lucros. E onde fica este sector?

Marx pega outra vez na lupa e depois deita-a no lixo, pois não é precisa nenhuma lupa, o sector é enorme e tem um nome simples: Estado.
Pode ser o nosso Estado ou pode ser um outro Estado, um País estrangeiro. Se o Estado começar a comprar os meios de produção, a gastar dinheiro, os capitalistas dos meios de produção conseguem o lucro. E o mesmo raciocínio aplica-se aos Países estrangeiros que compram (exportação).

Em seguida, Marx, diz outra coisa: o que acontece se o Estado ou se o sector exterior não gastarem dinheiro? Talvez para poupar ou porque estão pobres? Bom, é claro: os capitalistas não podem vender bens de consumo ou meios de produção em medida suficiente. É o colapso da economia.

Aqui Marx percebe dois conceitos imensos (querido Leitor, não se esqueça que estamos a falar dum homem que vivia em 1800):

  • é inútil esperar que o nosso sector consiga, sozinho, gerar lucros e riqueza. Não dá. Num sector isolado, o dinheiro que circula é sempre o mesmo. Deve haver sempre um sector externo que possa injectar novo dinheiro, além daquele pago para os ordenados do nosso sector.
  • é a despesa (o investimento) que faz funcionar uma economia, enquanto a poupança ou a não-despesa abranda e mata a economia.

São dois conceitos que ficarão presentes em toda a economia seguinte e que hoje são particularmente actuais.
Em primeiro lugar porque é ensinado que um único sector (privado) pode muito bem gerar lucros (em Portugal: “Apostamos tudo nas exportações”); segundo, porque a austeridade imposta na Europa diz que todas as pessoas e os Estados têm de gastar menos e poupar, e depois ficamos pasmados porque a economia não funciona…

Acabou Marx? Acabou.
E agora? Agora nada, o artigo acaba aqui, ora essa.
Próxima vez: Mercantilismo e Neoclássicos, pode ser?
Obrigado.

Ipse dixit.

Relacionados:
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Breve mas interessante história da economia – Parte II
Breve mas interessante história da economia – Parte III
Breve mas interessante história da economia – Parte IV

Fontes: Paolo Barnard, Wikipedia (versão inglesa)