Finalmente: a crise de Chipre está resolvida.
Uma satisfação, sobretudo do ponto de vista dos ciprinos…ciprestes…cipriotas, é isso, cipriotas…sobretudo do ponto de vista dos cipriotas que agora percebem o sentido profundo do termo “democracia”. Que mais ou menos é isso: Tu votas, eles riem.
Breve resumo dos episódios anteriores:
- o sistema bancário de Chipre entra em crise.
- Chipre arrisca a bancarrota.
- como se isso já não fosse suficiente, o FMI e a União Europeia oferecem uma ajudinha.
- FMI e União Europeia lembram alguns detalhes para viabilizar a ajudinha: imposto sobre o dinheiro dos cipriotas guardado nas contas dos bancos. É um assalto, sem dúvida, mas sem armas de fogo, o que tranquiliza.
- o Parlamento de Chipre vota compacto contra a ajudinha FMI/UE
- o Banco Central Europeu respeita a decisão do País e não quer fazer pressões: simplesmente lembra que sem ajudinha Chipre não vai ver mais um tostão
- o Presidente da ilha voa até o Continente (não o supermercado, a Europa mesmo) e pede ajuda. Diz a ovelha na toca do lobo: “Sr. Lobo, pode ajudar-me? Estou constipada”.
- o Comissário europeu para os Assuntos Económicos e Monetários, Olli Rehn, avisa: “Infelizmente, os acontecimentos dos últimos dias levaram a uma situação
em que já não há soluções ótimas disponíveis. Hoje, só restam escolhas
difíceis”. Depois cai no chão, vítima dum ataque de gargalhadas que ainda não acabou.
E chegamos ao dia de hoje.
O Presidente de Chipre aceita as condições negociadas com os seguintes indivíduos: o presidente do
Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, da Comissão Europeia, Durão
Barroso, do Banco Central Europeu, Mario Draghi, do Eurogrupo (e
ministro das Finanças da Holanda), Jeroen Dijsselbloem, a
directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine
Lagarde.
Circular na Buraca às 2 da manhã com um Blackberry na mão direita e um Rolex de ouro na esquerda seria muito, mas muito mais seguro.
As condições da ajuda? Entre as outras lembramos as duas mais divertidas:
- os depositantes com contas acima dos 100.000 Euros vão ver o próprio dinheiro congelado e transformado em obrigações do Estado.
- o banco Laiki será fechado e quem estiver na posse duma conta aí (sempre acima dos 100.000 Euros) é bem que comece a rezar, pois são previstas perdas.
Ponto 1:
Se a ideia for “o meu dinheiro no banco porque assim fica em segurança”, será o caso de rever as próprias posições. Porque pode sempre chegar alguém e decidir que o nosso dinheiro presta perfeitamente para salvar um banco.
Se 100.000 Euros podem parecer muitos, sobretudo num País extra-europeu, será bom lembrar que são poucas as habitações que é possível adquirir abaixo de tal limiar: una casa em Famagosta ou em Larnaca facilmente ultrapassa os 150.000 Euros, normal num País onde o salário mínimo fica perto dos 800 Euros; por isso não falamos de donos de multinacionais ou de pessoas que circulam com um Ferrari. Em muitos casos, 100.000 Euros podem representar a poupança duma vida. Que agora ficam congeladas e mais tarde serão convertidas em Títulos de Estado de Chipre. Toda fartura.
Em alternativa, fala-se duma taxa sobre os “grandes depósitos” (sempre aqueles acima dos 100.000 Euros), algo entre 20 e 40%. Ou seja, na pior das hipóteses, tu depositas no banco 100.000 Euros e ficas com 60.000.
Bom, vamos ver o lado positivo: poderias ter sido assaltado no meio da rua e ficar sem nada; o assalto europeu já deixa mais de metade.
Ponto 2:
Vale a pena gastar algumas palavras acerca do banco Laiki, pois o único banco para o qual é previsto o fecho não é privado, mas pertence ao Estado (que desde 2012 possui 84% dos activos) e opera em boa medida nos Países do Leste europeu (Rússia, Ucrânia, Estónia, etc.).
Estamos entendidos? Pois…
Outras:
- Na Terça-feira deverão ser impostos novos controlos à circulação de capital, naquele que será o primeiro bloqueio à livre-circulação de um País desde que o NEuro foi criado.
Segundo o Financial Times, os cipriotas deverão ser impedidos de enviar dinheiro para outro País, bem como de transferir depósitos para outros bancos e de dividir as poupanças acima de 100 mil euros. Nas contas à ordem poderá ser exigido um aviso prévio de sete dias antes dos levantamentos serem realizados. Sete dias para levantar o que a Europa ainda não sugou…
- Pagamentos simples como a renda ou de um crédito à habitação
esperam agora pelas novas regras para a circulação de capitais que
deverão ser impostas até amanhã.
- Os dois maiores bancos de Chipre anunciaram novos limites ao
levantamento de dinheiro, de 100 e 120 Euros diários, segundo a agência
de imprensa cipriota CNA. O Banco de Chipre, o mais importante do país, decidiu limitar os levantamentos a 120 Euros por dia e o Banco
Popular (Laiki, aquele que vai ser fechado) a apenas 100 Euros diários.
Também neste último caso, lado positivo: uma vez levantado, o dinheiro pode ser gasto como o cidadão preferir. Por enquanto.
rebentar a crise, o limite diários nos levantamentos era de mil
euros, mais do dobro dos 400 Euros permitidos em Portugal.
Vão deixar-nos morrer de fome para salvar o grande capital. O que é preciso fazer para salvar
completamente a nossa economia é recusarmo-nos a pagar a dívida e a
nacionalizar os bancos
Sim, sem dúvida: mas vais fazer o exacto contrário.
Ipse dixit.
Fontes: ionline, Corriere della Sera, La Repubblica, Público, Eurogroup Statement on Cyprus (ficheiro Pdf, inglês), Dinheiro Vivo
Imagem: The Economist