Breve mas interessante história da economia – Parte I

Querido Leitor,

a situação não é simpática, eu sei.
Levantas-te de manhã, vais trabalhar (se tiveres sorte), voltas à noite e mesmo assim o dinheiro nunca chega. Ligas a televisão e dizem que afinal a culpa é tua. Dá para ficar um pouco alterado, não dá?

Olha, aqui não há milagres, o máximo que podemos fazer é tentar perceber como é que chegámos até este ponto. Gostarias mais de um depósito na tua conta? Eu sei, mas enquanto vou arranjar o dinheiro, podes ficar com uma breve mas interessante história da economia, pode ser? Pode sim, é grátis até. 

Por favor, repara que até o final de 1700, a economia era simples. Muito mais simples. Não é uma coisa do tipo “Ah, os bons tempos idos, tudo era melhor, não como agora…”. Não, era mesmo mais simples. Havia o Rei, o Papa, os nobres: eles tinham tudo. Os outros nada. Mais simples era impossível.

Depois algo aconteceu e este algo tem um nome: tecnologia. O que aconteceu foi que, graças aos novos meios mecânicos, novos navios, novos conhecimentos, etc., cresceu entre os desgraçados uma nova classe, a burguesia; isto é, pessoas sem poder político, mas que conseguiam fazer dinheiro com as empresas. Então Reis, Papas e nobres fizeram o quê? A coisa do costume: fizeram trabalhar os outros sem muitos problemas, mas com o bónus duns sãos e robustos impostos. Não que antes os impostos não existissem: mas mais dinheiro ao povo significa mais impostos, é toda fartura.

Tributa hoje, tributa amanhã, alguém ficou ligeiramente alterado. Nada de grave: algumas revoluções (França), pouco mais. Na verdade tudo continuou como antes. Só houve uma redistribuição do poder, que da nobreza passou parcialmente para a nova classe.

É aqui que aparece o primeiro dos economista moderno, tal Adam Smith, que não era realmente um economista quanto um filósofo moral, o autor de The Wealth of Nations (A Riqueza das Nações). Estamos no final de 1700. Mas olha, querido Leitor, tens que saber uma coisa: acerca deste Smith, que era um inglês (aliás, escocês), agora são ditos muitos disparates. Mas muitos mesmo. Isso porque alguns economistas actuais tomaram o fulano como o modelo para uma teoria que é diferente daquilo que Adam Smith dizia.

Smith disse o quê? Isto: o governo deve sair da economia, tem que deixar em paz empresários e cidadãos, ou seja o mercado. Mas cuidado querido Leitor, porque é aqui que há confusão com a economia de hoje. Smith só queria dizer que, sendo os governos parasitários da altura (os tais Reis, Papas, etc.) uma coisa tão abominável, era melhor estes desaparecerem e serem substituídos por um poder da nova classe, a burguesia. Melhor o mercado de que os parasitas.

Quando Smith falava de governo, falava dos que tinham governado ao longo de 5.000 anos sem interrupções, não falava dum governo “moderno” como aqueles de hoje. Mas os estimados economistas actuais, os chamados de neoliberais, afirmam que Smith odiava os governos como os nossos e que queria ver um Mercado todo-poderoso, com um governo esvaziado de qualquer capacidade ou intervenção.

Uma mentira, na qual ainda hoje caem os adversários do Capitalismo: acontece, querido Leitor, quando falarmos de coisas que nem tivemos a paciência de ler e deixarmos que sejam outros a “nós explicar”. Para Smith, o Capitalismo do livre mercado era apenas aceitável porque era um mal menor do que os parasitas anteriores.

Adam Smith não admirava o Capitalismo. De todo. Uma das citações dele mais conhecidas é a seguinte:

É raro que os capitalistas se reúnam a não ser para conspirar contra os trabalhadores e o mercado.

Então, querido Leitor, estamos entendidos?

Hoje, também, continuam a afirmar que Smith teorizou a existência no Livre Mercado duma “mão invisível” que conduz o mesmo Mercado, o qual, em consequência, fica auto-regulamentado. Portanto, afirmam que a coisa melhor é deixar tudo (economia, hospitais, serviços, escolas, restaurantes, bancos…) nas mãos do Mercado (isso é, dos privados) porque o Mercado é infalível e a “mão invisível” irá tratar de tudo.

Mas quando é que Smith teria dito uma coisa destas? Simplesmente nunca: Adam Smith era antes de mais um filósofo moral, e muito provavelmente estava a referir-se a algo bem pouco “terreno”, talvez ao mesmo Deus, ninguém sabe ao certo. De certeza, nunca disse para deixar tudo nas mãos do Livre Mercado. Pelo contrário.

Mas afinal por qual razão é importante este Adam Smith? Bom, por duas razões.
Ponto número um, porque foi ele o primeiro a conceber uma economia feita pelas e para as pessoas, não apenas baseada no roubo dos parasitas. Ponto número dois, porque foi o primeiro a perceber que o burguesia capitalista não pode ser confiável sem um adequado controle.

Paradoxalmente, isso significa que nas empresas deve existir um Estado forte e moderno, que possa vigiar e controlar as tendências capitalistas. Foi isso que Smith disse? Não, nem poderia ter dito uma cosia destas: na altura ainda não existia o regime democrático e o conceito de Estado era bem diferente do nosso. Mas se o Livre Mercado for melhor do que o governo dos parasitas, se ao mesmo tempo os capitalistas não forem de confiança, se a “mão invisível” for algo que não se encontra no mesmo Mercado, então as conclusões não podem ser muitas.

Muito bem, querido Leitor, este é Adam Smith. Da próxima vez vamos falar de Thomas Malthus, pode ser? Não, não joga no Bayern de Munich, aliás já morreu. Lamento ter que dar esta triste notícia, mas tendo ele nascido no 1700, a coisa não pode provocar muito espanto.

Até a próxima.

Ipse dixit.

Fonte: Paolo Barnard, Wikipedia

7 Replies to “Breve mas interessante história da economia – Parte I”

  1. Muito interessante esta visão do Adam Smith. Eu próprio fazia uma ideia dele um pouco diferente.
    A perspectiva agora abordada faz sentido à época.

    As adaptações distorcidas mas convenientes das suas teorias que vemos hoje, servem como ancora para uma nova teoria económica, que sofreu um grande impulso com Milton Friedman e a escola de Chicago.

    Esta evolução do modelo económico capitalista, que por agora ainda não sabemos onde vai parar, não promete nada de bom. Talvez venhamos a assistir a um regresso ao sistema feudal, mas em moldes actuais.

    Venha daí o Malthus.

    abraço
    Krowler

  2. Adam Smith, no seu trabalho, tem o intuito de teorizar sobre aquilo que maximiza o bem-estar da sociedade. Com isso, argumenta a favor do bem-estar dos consumidores em detrimento de tudo o resto. Daí defender o livre mercado, pois considera que ele permite grande quantidade e diversidade de bens a preços baixos.

    “Consumption is the sole end and purpose of all production; and the interest of the producer ought to be attended to, only so far as it may be necessary for promoting that of the consumer.”

    Tudo o que possa subverter as condições para haver esse livre mercado é visto como prejudicial numa economia: cartelização e monopólios, excessiva regulação (com destaque para barreiras ao comércio internacional), certas políticas do Estado em favor do grupo A ou B, etc.).

    Não sei onde foi buscar a frase que citou. Penso que seja uma modificação desta:

    “People of the same trade seldom meet together, even for merriment and diversion, but the conversation ends in a conspiracy against the public, or in some contrivance to raise prices.”

    Adam Smith defende que os “capitalistas”, tal como qualquer outro grupo de interesse, não são de confiança, porque pretendem o máximo de bem-estar para si, em detrimento do dos outros, se for necessário.

    Da mesma forma, Adam Smith via também todos os reis, políticos, burocratas e associados (ex: empresários com “amigos” burocratas) como um grupo de interesse. E, como este grupo pode legislar e impor a sua vontade sobre os outros, então era o mais criticado, pois tem todos os meios de promover o que pretende. Atraídos por este poder, surgem os tais “parasitas” que refere, que dizem defender a causa pública, quando na realidade fazem o contrário. Se reparar, esta é a base da Public Choice Theory, que formaliza estas ideias matematicamente. É por esta razão que Adam Smith quer que o poder político tenha pouca influência na atividade económica.

  3. Olá Max: bom trabalho, penso eu,além de me disponibilizar informações que desconheço. Nunca li Adam Smith. Mas com uma coisa estou bem acostumada, relativa aos autores que conheço: o mau uso que deles se faz.. De um lado, os espertos de plantão que interpretam o dito pelos autores em função de um outro contexto histórico, que não aquele no qual o autor estava inserido, e ao qual se referia.De outro lado, a estupidez reinante que sempre afirma conhecer o que nunca leu, mas que jamais confessa não ter lido. E ambas as coisas acontecem sempre, que fazer? Da minha parte, nunca leio alguém sem saber da sua vida, seus interesses ao registrar suas ideias, a quem ou a que respondia ao escrever, o contexto histórico em que viveu ou vive. Corro o risco de errar menos na interpretação, e não fazer o sujeito de rebolar no túmulo! Abraços

  4. A Riqueza das Nações é gratuito na Amazon (Kindle).

    Hoje ouvi duas vezes a música Working Class Hero, do John Lennon… ela soa tão atual… triste… bem ao estilo da introdução de Max…

  5. Ótima interpretação contextual, raramente feita neste caso. Agora achei o texto um pouquinho difícil de conduzir, possui alguns errinhos que vão minando a fluidez natural de leitura. Provavelmente algum erro de copiar e colar da computação, como estamos acostumados a ver.

  6. Olá pessoal!

    @ Krowler:
    "Talvez venhamos a assistir a um regresso ao sistema feudal, mas em moldes actuais".
    Boa, acho ser este uma forte possibilidade. Tanto para variar, temos o mesmo ponto de vista…

    @ Nemo:
    Sim, a frase é aquela, reportei a versão simplificada. Aliás, toda esta "história" vai ser muito simplificada, não tenho a presunção de escrever uma história completa mas uma versão "de bolso" 🙂 E vejo que os comentários bem complementam o texto. Obrigado!

    @ Maria:
    "nunca leio alguém sem saber da sua vida, seus interesses ao registrar suas ideias, a quem ou a que respondia ao escrever, o contexto histórico em que viveu ou vive. Corro o risco de errar menos na interpretação". É isso mesmo, é o "erro" que muitos fazem e às vezes nem em boa fé.

    @ Ricardo:
    "A Riqueza das Nações é gratuito na Amazon (Kindle)".
    Olha, nem sabia…obrigado!

    "Hoje ouvi duas vezes a música Working Class Hero, do John Lennon… ela soa tão atual… triste"
    Encontrei uma cover legendada em português dos Grenn Day: http://www.youtube.com/watch?v=4TroEj4TKoI

    @ Rodrigo:
    "Provavelmente algum erro de copiar e colar da computação"
    Não, é que o italiano aqui é demasiado preguiçoso para melhorar o português dele! Peço desculpa por causa disso.

    Um bom fim de semana para todos!

  7. Interessante como tem sempre alguém que aprecia desqualificar que alguém apresenta de novo. Como se erros gramáticos desqualificassem alguma coisa.

Obrigado por participar na discussão!

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