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A Dívida Pública de Portugal

Segunda-feira dedicada aos problemas do País à beira mar plantado.
A Noruega? Não, Portugal. 

No último número da publicação InformaçãoIncorrecta um parágrafo trata de forma sintética o assunto “Dívida Pública de Portugal”. Nomeadamente a pergunta é: quem detém a dívida do País?

Desde que a situação de Portugal piorou, nos media apareceram referências aos “investidores estrangeiros”, evidentemente um grupo de pensionistas malandros que decidiram investir as próprias escassas poupanças nos Títulos de Estado portugueses.

Por alguma desconhecida razão, os pensionistas zangaram-se com o País e decidiram fazer-lhe a vida negra, pedindo cada vez mais juros para adquirir partes da dívida, provocando assim a intervenção da troika Fmi/BCE/Banco Mundial, uma espécie de Trindade em versão financeira.

Mas ainda não temos uma resposta precisa: quem eram estes pensionistas? Têm um nome? Uma morada? Um endereço e-mail?

A melhor coisa é observar os poucos dados disponíveis.

Gráfico 1

Os dados indicam que, entre 2002 e 2008, o “peso” de empresas, bancos e fundos de investimento estrangeiros no total da dívida portuguesa foi sempre superior a 50%. O que é meio caminho andado para o desastre, pois isso significa que os credores são na maioria estrangeiros. Não só, mas a tendência se foi acentuando, chegando ao 75%.

A partir de 2008, quando despoletou a crise, os investidores estrangeiros começaram a abandonar os títulos portugueses. Normal: os bancos estiveram entre as primeiras vítimas do colapso (lembramos as centenas de instituições que faliram nos Estados Unidos) e tentaram fazer um mínimo de limpeza (só um mínimo, claro), ficando afastados dos títulos mais arriscado.

Em final de 2011 já detinham menos de 50% da dívida pública de Portugal.

O peso dos investidores particulares residentes (as famílias portuguesas), que era 25% em 2002, foi diminuindo também, atingindo o mínimo em 2012 (5%).

Em contrapartida, aumentou o peso dos bancos, das companhias de seguros e dos fundos de investimento portugueses e, em 2011, surgiram os fundos europeus e o FMI.

Em 2011, o FMI e os fundos europeus detinham 19% da dívida nacional e prevê-se que venham a deter 34% em 2012 e mais de 50% em 2014.
Segundo as estimativas (os últimos dados disponíveis são aqueles de 2011), cerca de 70% da dívida pública portuguesa será detida pelo FMI, pelos fundos europeus e pelo sector financeiro português; em 2014 esta percentagem poderá chegar aos 80%.

Isso significa que ao longo da intervenção da troika, os credores privados internacionais terão passado de uma situação, em 2008, em que detinham 75% da dívida portuguesa, para uma outra, em 2014, em que deterão apenas 20%.
Dito de forma mais simples ainda: de 2008 a 2014 os credores privados internacionais ter-se-ão livrado dos títulos de dívida pública portuguesa. A maioria da dívida (os títulos “arriscados”) ficarão nas carteiras nacionais e naquelas dos fundos europeus.

Eis a situação em finais de 2010:

Gráfico 2
Estes dados são importantes porque permitem entender qual uma das duas verdadeiras funções da troika: além da entrada em força dos privados nos sectores estratégicos da economia nacional (com a venda do património estatal), há também a limpeza dos balanços das instituições financeiras estrangeiras (sobretudo europeias) de títulos da dívida portuguesa, hoje demasiado arriscados.

Mas para onde transitou o risco? Quem ficou com a “fava”?
Foram os fundos europeus e o FMI. Mais simplesmente: para os cidadãos dos Países da Zona NEuro. São eles que garantem as emissões de títulos destes fundos destinados aos empréstimos a Portugal.

O mesmo mecanismo aconteceu na Grécia, na Irlanda, em Chipre. Acontecerá em Espanha e Italia. O “resgate” destes Países é na verdade o resgate dos bancos que emprestaram acima das suas possibilidades.

Entretanto é divertido realçar como, apesar das medidas de austeridade ditadas pela troika, a situação da dívida pública portuguesa continue a piorar.
Eis, por exemplo, a evolução dos últimos 12 anos:

Gráfico 3

E não é apenas uma questão de percentagem do PIB: também em termos absolutos a dívida não pára de aumentar: a dívida pública atingiu 198,1 mil milhões de Euros no segundo trimestre, um valor que equivale a 117,6% do PIB. Os dados mostram que o agravamento foi de 13,4 mil milhões de Euros desde o final do ano passado, quando a dívida pública se situava em 184,7 mil milhões de Euros.

Face ao mês de Março o agravamento foi de mais de 6 pontos percentuais, já que no final do primeiro trimestre se situava em 111,5% do PIB.

O agravamento no espaço de dois meses foi de 700 milhões de Euros. Com este ritmo, Portugal deverá apresentar uma dívida pública acima dos 200 mil milhões de Euros no final deste ano.

Este, lembramos, é o governo que ainda acusa o anterior de ter aumentado a dívida pública até valores inauditos. Valores agora alegremente ultrapassados apesar duma política económica que catapultou o País em plena recessão. E nem vamos falar da vertente social…

Nada de reformados rancorosos, portanto: os investidores estrangeiros já deixaram boa parte da dívida pública nacional, que nesta altura fica mais nas carteiras dos portuguesas. E este é um assunto que deveria ser explorado: porque, por exemplo, o governo insiste em não renegociar quando a maior parte da dívida é detida por instituições europeias (que em princípio deveriam “ajudar” Portugal e não limitar-se a estrangula-lo) e instituições/privados nacionais?

Mas por enquanto ficamos aqui.
Tristes? Nem por isso: pensem que se for verdade que a situação do País piora (inevitável com uma política económica suicida), os bancos ficam melhores.
E são satisfações.

Ipse dixit.

Fontes: Auditoria Cidadã, Jornal de Negócios
Gráfico 1: Auditoria Cidadã
Gráfico 2: Expresso
Gráfico 3: Suplemento ao boletim estatístico 2/2012 do Banco de Portugal (ficheiro Pdf)