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Nove pontos e um addendum

Fogo, pessoal, voltei agora do dentista, tenho 9 pontos na boca. Na minha vida anterior devo ter sido um sacana de primeira categoria e agora chegou a conta…

Bom, abro o blog e vejo uma pergunta de Ricardo. Uma pergunta que faz todo o sentido:

Max… me explica uma coisa:
Isso não contradiz esses dois textos:

http://informacaoincorrecta.blogspot.co.uk/2012/08/divida-mas-quando-comecou.html
http://informacaoincorrecta.blogspot.co.uk/2012/11/dos-juros-e-do-banco-publico.html

E os dois artigos falam da Dívida Pública.
Culpa minha, não fiz uma clara distinção entre dívida pública e deficit público.
E acho bem fazer isso agora, num pequeno addendum fora programa mas necessário.
O assunto do post Tudo o que é preciso saber de economia para viver bem. é o deficit, não a dívida.

Deficit público, dívida pública…podem parecer quase sinónimos, mas não são.

O deficit (o assunto deste artigo) é a diferença entre as entradas (taxas, impostos) e as despesas do Estado (pública administração, serviços, etc.).
Por exemplo: um Estado tem 100 milhões de entradas e 120 de saída. O deficit público será 20 (120 – 100 = 20).

A dívida pública é um instrumento para obter dinheiro.
Exemplo: o Estado precisa de dinheiro e que faz? Emite Títulos de Estado com os quais consegue dinheiro (isso porque os investidores adquirem os Títulos de Estado com dinheiro).

É importante reparar numa coisa: teoricamente, um Estado com soberania monetária (isso é, que imprime o próprio dinheiro) não tem necessidade de criar dívida pública. Porque cria-lá? Pode imprimir notas. A dívida pública é um mero instrumento, não algo “que deve necessariamente ser feito”. Na verdade, a dívida pública sempre foi criada por razões orçamentais.

O deficit público, pelo contrário, é uma necessidade, como explicado no já citado artigo: sem deficit, não há dinheiro para os cidadãos.

Portanto, em linha puramente teórica, podemos ter um Estado com deficit público (gasta mais das entradas, o tal 120 – 100 = 20) mas sem dívida pública, porque para cobrir a diferença (o tal 20) imprime dinheiro.

Esta é a tragédia da Zona Euro: a Italia, por exemplo, sempre teve deficit públicos estratosféricos. Mas nunca entrou em falência pela simples razão que não havia dívida pública nas mãos de investidores estrangeiros (por acaso a Italia fazia lembrar um pouco o Japão, com a dívida pública nas mãos dos investidores nacionais).
Mais: nunca entrou em falência e até conseguiu ser o sétimo País mais rico do Mundo mesmo porque o deficit era enorme: o deficit italiano era provocado pelas grandes despesas que melhoravam a vida dos cidadãos (boom económico dos anos ’50, ’60 e ’80) e permitiam que as empresas trabalhasse de forma confortável.

O deficit era grande? Então? Eram imprimidas novas notas para cobrir as despesas.

Tudo isso ruiu com a entrada na Zona Euro: um enorme deficit e a impossibilidade de imprimir dinheiro (pois o Euro é do Banco Central Europeu). Eis que criar dívida pública tornou-se um cómodo sistema para arrecadar o dinheiro em falta. Mas a dívida tem juros e os juros matam. Logo: a dívida mata.

O que se passa é que na comunicação social é feita confusão: deficit e dívida muitas vezes são tratados da mesma forma ou são apresentados como interligados quando, como vimos, são coisas bem diferentes. E, num País com capacidade de emitir moeda, nem estão interligados.

Não é um erro inocente: com a “prioridade” de reduzir a dívida pública, a intenção é reduzir o deficit. O objectivo final não é a redução da dívida (meus senhores, o problema da dívida pública em Portugal poderia ser resolvido em 7 dias e talvez menos), o objectivo é obrigar os cidadãos a aceitar um Estado que gaste menos (com menor deficit).

A razão? Entre as várias, não podemos esquecer que um Estado com fortes limitações na despesa é obrigado a abdicar de determinados serviços. E se não for o Estado a oferecer os tais serviços, adivinhem que será a substitui-lo? (pequena ajuda: começa com P, depois há um R, talvez um I, a seguir um V…).

Deveria ter realçado esta diferença deficit/dívida no artigo. É o que vou fazer no papelzinho (obrigado Ricardo!).
Mas agora: cama.

Ipse doente, coitadito…