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Banco de Inglaterra: a história – Parte I

Rei Offa numa fotografia da época

Rei Offa: um homem bonito, alto, um pouco baixo, magro sem deixar de ser gordo. Sem dúvida simpático e odioso. O que importa é que Offa foi soberano da Inglaterra até o ano 791 d.C.

Mas porque Offa? Será que o rei tornou-se agora colaborador do blog?
Não, e por várias razões, entre as quais o facto do rei já estar morto.

Todavia Offa é importante se a ideia for conhecer a origem e a história dum dos bancos mais poderosos do mundo, no passado como no presente: o Banco da Inglaterra. E a ideia é mesmo esta: vamos conhecer como nasceu e em quais mãos ficou o banco da Rainha.

Vamos? Vamos.

Offa e as estrelas

Desde o ano 757 até a sua morte em 791 d.C., o grande rei Offa governou o reino de Mércia, um dos sete reinos autónomos anglo-saxónicos, e conseguiu expande-lo até tornar-se o efectivo primeiro soberano de toda a Inglaterra. Offa era um administrador sábio e capaz, de bom coração (assim contam as crónicas, se calhar era um delinquente, mas as fontes são o que são), porém foi duro com os seus inimigos. Fundou o primeiro sistema monetário na Inglaterra (depois da Britânia romana).

Devido à escassez de ouro, a prata era utilizada para criar as moedas e também como reserva de riqueza. A unidade monetária era a libra de prata, dividida em 240 pennies. Nas moedas era impressa uma estrela, em inglês antigo stearra, e esta é a origem do moderno termo sterling (a Libra Esterlina).

Em 787 Offa introduziu uma lei que proíbia a usura, isso é, cobrar juros sobre dinheiro emprestado. Isso significa que o reinado de Offa teria sido invadido pelas forças da Nato com o fim de implementar a Democracia, se a aliança atlântica tivesse existido na altura. Mas Offa não sabia nada da Nato e governou até o fim dos seus dias em boa paz.

Não só: mas as leis contra a usura foram reforçadas pelo rei Alfred (reinado 865-99), que ordenou o confisco das propriedades dos agiotas, e em 1050 pelo rei Edward o Confessor (1042-1066), o qual foi mais além e decretou que os culpados de usura fossem exiliados.

Resumindo: nenhum banco moderno poderia ter existido.
E este não era um simples tique dos soberanos: na altura a Inglaterra era um País cristão, não católico ou protestante, e a Bíblia sempre foi muito clara sobre o assunto.

Exodo, 22,24:

Se tu emprestas dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que está perto de ti, não terás uma atitude de usurário: não será cobrado interesse algum.

Levítico, 25, 35-37:

Se o teu irmão que está próximo de ti cair na miséria e estiver sem meios, ajuda-o, tal como um estrangeiro, para que possa viver contigo; não cobrar juros nem interesses; mas temas o teu Deus e deixa viver o irmão perto de ti; não emprestarei o dinheiro com juros  nem fornecereis comida com interesses.

Deuteronómio, 23, 20-21:

Não fazer ao teu irmão empréstimos com interesses, nem de dinheiro nem de comida nem de outra coisa que possa ser emprestada com juros.

Análogas proibições são expressas nos Salmos, no Neemia, nos Provérbios, em Jeremias, em Ezequiel.
Portanto, os reis cristãos nada mais faziam se não aplicar os princípios contidos na Bíblia, aqueles mesmos princípios hoje alegremente esquecidos.

E tudo procedia sem problemas até que um dia alguém chegou na Inglaterra…

Primeira imigração judaica e expulsão

Os judeus chegaram pela primeira vez na Inglaterra em 1066, após a derrota de Harold II em Hastings, derrotado por William no dia 14 de Outubro. Estes judeus chegaram de Rouen, França, onde William tinha nascido com a engraçada alcunha de “Bastardo”.
Apesar dos registos históricos não comprovarem o apoio da invasão da Inglaterra, no mínimo foram os judeus a financia-la. Era normal, pois na altura não havia bancos e encontrar empréstimos não era tarefa simples: os judeus, pelo contrário, tinham já uma tradição neste âmbito. E valeu pena: como recompensa, foi permitido que os judeus praticassem a usura sob a protecção do rei.

As consequências foram desastrosas para o povo inglês. Ao cobrar juros anuais de 33% sobre a terra hipotecada pela nobreza e 300% sobre os instrumentos utilizados no comercio e todos os bens hipotecados pelos trabalhadores, no prazo de duas gerações um quarto de todas as terras caiu nas mãos dos usurários judeus. Além disso, estes imigrantes minaram a ética das corporações e faziam enfurecer os comerciantes britânicos pelo facto de vender uma grande quantidade de bens com uma única licença (algo proibido aos comerciantes locais).

Também foram entre os primeiros a limar as moedas de prata e fundir o pó obtido em lingotes. O economista William Cunningham compara as actividades dos judeus na Inglaterra a partir do século XI com uma esponja que suga toda a riqueza da terra e compromete o desenvolvimento económico.

Por esquisito que pareça, estas atitudes não apenas não tornaram mais simpáticos os judeus aos olhos do povo, como em 1233 e em 1275 também a Coroa decidiu intervir com os Estatutos da Judeia que aboliram qualquer forma de juro.

Por fim, Edward I (1272-1307) aprovou uma lei em 18 de Julho de 1290 que obrigou toda a população judaica (16.000 pessoas) a deixar a Inglaterra para sempre.
Após o pagamento de 1/15 ° do valor dos seus activos e 1/10 ° das moedas, os judeus foram autorizados a sair com todos os seus pertences. Qualquer judeu que permanecesse na Inglaterra após o dia 1 de Novembro de 1290 (Todos os Santos) era punível com a execução.

A tarda Idade Média

Com o fim dos credores e da usura, sobravam bem poucas taxas: o Estado utilizava os tally stick para colectar os impostos e o dinheiro era isente de juros. A Inglaterra agora gozava dum período de grande desenvolvimento.

O trabalhador médio trabalhava apenas 14 semanas por ano e gozava de 160-180 dias de férias. De acordo com Lord Leverhulme, um escritor da época: “Os homens do século 15 eram muito bem pagos”, tão bem que o poder de compra dos seus salários e o padrão de vida deles só seria superada apenas no final do século 19.

Houston Stewart Chamberlain, o filósofo anglo-alemão, confirma estas condições de vida em The Foundations of the XIX Century:

No século 13, quando as raças teutônicas começaram a construir o seu novo mundo, um agricultor em quase toda a Europa era um homem livre, com um assistência até melhor de quanto não aconteça hoje. A posse da terra era a regra, de modo que a Inglaterra […] foi até o século 15º quase inteiramente nas mãos de milhares de agricultores, que não eram apenas os proprietários legítimos das terras deles, mas, além disso tinham o direito de livre acesso a pastagens comuns e florestas.

Mas tudo tem um fim, também as coisas bonitas.
E, acreditem ou não, o fim coincidiu com a chegada de alguém que já encontrámos.
Um mero acaso? Pode ser.
Mas este é assunto da segunda parte do artigo.

Ipse dixit.