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O Fascismo contra os Nazis

Stormfront é uma organização internet neonazista.

A coisa nem deveria interessar: afinal é um site que apresenta teorias sem pés nem cabeça, nostálgicos do simpático tio Adolf, posições racistas, pessoas que ficam extasiadas ao ver uma suástica.

Algo muito distante das ideias de Informação Incorrecta, nada de interessante e nada de novo.

Todavia hoje a agência de imprensa ADN Kronos informa o seguinte:

Os promotores do fórum Stormfront foram presos esta manhã no âmbito da investigação, coordenada pelo Ministério Público do Tribunal de Roma, Digos e polícia postal que levou à denúncia de outras 17 pessoas. Destinatários dos mandatos de prisão foram os fundadores e os moderadores do fórum www.stromfront.org/forum/f148, Daniel Scarpino, 24 anos, morador de Milão, os outros dois moderadores do fórum, Diego Masi, 30 anos da província de Frosinone, Luca Ciampaglia, 23 anos e residente na província de Pescara, e um membro muito activo na associação e no Fórum, Mirko Viola, de 42 anos, morador da província de Como.

Os investigadores acreditam que os quatro “desenvolviam um papel de promoção e direcção da associação, bem como a moderação do fórum de discussão na web, acessível em www.stormfront.org/forum/f148”. […]

Por disposição da autoridade judiciária competente, procedeu-se ao obscurecimento do espaço web www.stormfront.org.

E algo não bate certo.
Posso não concordar com os ideais e os objectivos da associação (e no caso específico discordo profundamente), mas não cabe ao Estado decidir o que os cidadãos podem ou não podem ler. Prender uma pessoa por uma questão de ideias é algo que já foi vivido em muitas partes do mundo: em Portugal, no Brasil, na mesma Italia. Hoje lembramos estes períodos com o termo de “ditaduras”.

O que está em causa não é a ideia em si, mas a possibilidade de exprimi-la. Pode ser questionável (e é neste caso) mas quero ser eu a decidir se vale a pena ou não prestar a minha atenção e apoiar a causa. A Democracia tem que possibilitar a liberdade de palavras, seja qual for o ideal defendido por elas, seja quem for a exprimi-las. Na altura em que for negada esta possibilidade, a Democracia desaparece e transitamos para a ditadura dos alegados representantes dela, donos da “sabedoria”, da “moral”.

As ideias têm que ser aceites ou rejeitadas pelas pessoas, não pelas leis. Se uma ideia vingar, seja ela qual for, é porque haverá numerosas pessoas a partilhar o mesmo ponto de vista. Se for rejeitada, é porque a maioria das pessoas não concordam (é o caso de Stormfront, uma organização marginal que consegue bem poucos adeptos).
Podemos não gostar, mas é assim que funciona uma Democracia: negar isso significa negar aos cidadãos a capacidade de julgar e decidir, não reconhecer-lhes a maturidade necessária para desempenhar estas tarefas. Então entramos num âmbito complicado, um âmbito no qual alguém acha ser dono duma moralidade superior. Mas aqui já estamos fora da Democracia.

Sem ideias livres, repito, não há Democracia, ponto final.

Vou mais além: admitimos que, por causa dum enlouquecimento geral, uma organização como Stormfront possa reunir um amplo consentimento, até ganhar uma representação política. Pode doer (lembro que no caso específico o assunto é uma organização neo-nazis, o que é bem pouco simpático), mas quem pode erguer-se a supremo juiz e estabelecer a ilegalidade dum movimento qualquer? Quem pode apresentar uma maior autoridade daquela estabelecida pelos cidadãos?

O único caso em que pode ser permitida a utilização da força é, evidentemente, o uso da violência como meio para difundir as ideias: neste caso sim, há espaço para a lei restabelecer a legalidade. É com a violência que foram implementados os regimes fascistas e comunistas no passado e a Democracia tem o dever de impedir a repetição do mesmo erro (o uso da violência para a implementação de).

Neste caso, todavia, não há violência, há uma ideia. Uma ideia fraca, ultrapassada, questionável. Sem dúvida, mas sempre e só uma ideia.

Isso significa que estamos perante um regime pseudo-democrático que tenta defender o próprio poder perante a “ameaça” das ideias. E um regime que interpreta como “ameaça” uma ideia não pode ser definido como “democracia”. É um regime fraco, inseguro, rodeado por inimigos (as ideias são muitas!). Aqui podemos observar em todo o seu esplendor a falsidade na qual estamos mergulhados: um regime que utiliza a força para silenciar quem pensar duma maneira diferente. Difícil imaginar algo de mais anti-democrático.

Paradoxalmente, a Democracia de hoje utiliza a força disfarçada de lei para actuar com violência contra as ideias. A Democracia que utiliza a força do fascismo para silenciar uma ameaça fascista. A morte da Democracia.         

Há outras questões também.

Em primeiro lugar, a acção do Tribunal deu à associação uma visibilidade que nunca poderia ter alcançado de forma diferente. Neste sentido, os quatro presos (que agora serão vistos como “mártires”) agradecem. É interessante notar como nestas horas a questão seja tratada também nas páginas internet italianas tendencialmente de Esquerda: isso porque estamos perante uma iniciativa inédita e inquietante.

A seguir: foi estabelecido um precedente. Hoje foram presas quatro pessoas por causa de ideias neonazis, mas amanhã? Simples imaginar quais desenvolvimentos pode implicar esta decisão no futuro.

Depois, depois…tentamos ser sérios: os nossos filhos têm acesso a homicídios, violências, violações, litros de sangue e barbaridades de cada espécie com uma simples tecla no comando da televisão; estamos rodeados pela corrupção dos políticos, pela violência (real) nas ruas (já viram em São Paulo?) e nós vamos prender quatro pessoas que dizem idiotices na net? Mas ainda existe o senso do ridículo?

Em qualquer caso, dado o precedente e para o futuro, entregarei os dados do blog ao meu advogado, será ele a gerir a recolha de fundos para a minha libertação.
Obrigado desde já.

Ipse dixit.

Fonte: ADN Kronos