Wikipédia e os seus clientes

Wikipedia! E quem não conhece Wikipedia? Que em português tem acento no “e” e fica assim: “Wikipédia”. Mas porque os portugueses precisam de acentos? Não sabem como ler as palavras? Alguém poderia ler “Wikipedía”?

Tá bom, mas isso agora não interessa. O que interessa é que ao fazer uma pesquisa com um motor de pesquisa, é altamente provável que entre os resultados apareçam umas quantas páginas de Wikipedia (sem acento, já deveriam ter percebido que a pronuncia correcta é “Wikipédia”).

Segundo alguns, o que Wikipedia diz é verdade. Será? Com certeza. E os porcos voam também, em particular depois do pôr do sol. É só acreditar.

A estrutura de Wikipedia é simples: uma pessoa acha um assunto interessante, então publica uma voz, isso é, escreve alguma coisa acerca do assunto. Eu mesmo fiz isso na versão italiana de Wikipedia: a página de Almada e das respectivas freguesias é de minha autoria.

Mas isso significa que uma pessoa pode escrever até coisas não verídicas?  Em princípio não, porque a página assim criada pode ser modificadas por outros Leitores. A “minha” voz Almada, por exemplo, foi também alterada com vários acrescentos (pois além de corrigir é possível simplesmente juntar novos dados). Este sistema deveria garantir a imparcialidade da enciclopédia online, a constante actualização e a correcção de eventuais dados não correctos.

Deveria.
Mas, ao que parece, coisas não estão mesmo assim. E admitimos: não é uma grande surpresa.

Dois insider de Wikipedia, Roger Bamkin e Max Klein, admitem ter escrito e editados artigos editados por dinheiro, fornecido por verdadeiros clientes que queriam alterar quanto publicado.

Os factos são tristes. Muito tristes.
Afirma a empresa de consultoria de Klein:

Um bom artigo de Wikipedia é um SEO (Search Engine Optimizer) inestimável:  é quase garantido que se torne num dos três primeiros links listados no Google.

O que é verdade: dada a confiança gerada por Wikipedia, um bom artigo pode ser a melhor das publicidades. E mais: como afirmado, uma boa voz na enciclopédia permite um melhor posicionamento nos resultados dos motores de pesquisa.
Se a empresa de Klein tivesse parasse aqui teria feito uma boa figura. Mas não, vai além:

É estranho, no entanto, que essa vantagem de escrever na Wikipedia seja muito subutilizada, e isso depende da falta de experiência no sector. Nós temos a experiência necessária […] para navegar pelo labirinto intrincado que envolve o “conflito de interesses” na edição de Wikipedia. Com mais de oito anos de experiência, mais de 10.000 entradas editadas e links para as numerosas comunidades na rede, oferecemos serviços Wikipedia sem paralelo.

Pronto, estragaram tudo: tudo isso é exactamente o contrário daquilo que um redactor de Wikipedia deveria pensar.
Obviamente, desde que esta história atraiu as atenções dos media, Klein tentou minimizar a coisa:

Nunca escrevemos uma única entrada para o qual houvesse um conflito de interesse na Wikipédia, nunca. Apesar do serviço ter sido anunciado, não foi feito de forma agressiva e nunca aceitámos clientes interessados ​​em explorar Wikipedia.

Curioso: falam da “vantagem de utilizar Wikipedia” e depois afirmar não aceitar clientes que entendam explorar Wikipedia? Então são clientes interessados em que? Qual a vantagem?
Continua:

Nós acreditamos, firmemente, que não há nada de errado em aceitar compromissos rentáveis relacionados com o trabalho de composição na Wikipedia, desde que sejam estabelecidos de forma transparente e ética.

Com certeza. A ética é importante.
Como afirmou tal Jimmy Wales, fundador de Wikipedia:

Não concordo que seja possível criar um serviço comercial relacionados com a edição, a administração e a gestão das entradas de Wikipedia. Pessoalmente, bloquearia qualquer iniciativa desse tipo.

Esquisito, não é? Porque será?
O problema é que este não é o primeiro caso no qual Wikipedia fica envolvida. Acusações por causa da fiabilidade e da transparência. O pior exemplo, antes deste último, tinha sido descobrir que um
empregado e administrador do site de Wikipedia chamado Essjay, o
auto-intitulado “professor emérito da religião em uma universidade
privada, completada com um doutorado em teologia e direito canónico”. E obviamente nem era licenciado.

Além dos escândalos, a combinação particular de virtuosismo, complacência e “todología” de Wikipedia sempre afastou muitos especialistas, em detrimento do resultado final. O exemplo mais marcante foi bem descrito pelo autor Philip Roth, que evidenciou um erro relativo ao seu próprio trabalho. Roth pediu várias vezes para remover uma declaração incorrecta acerca dum dos seus romances, The Human Stain:

Quando pedi oficialmente a Wikipedia, através dum interlocutor oficial, para remover as afirmações erróneas, o chefe britânico da Wikipedia disse ao meu interlocutor que eu, Roth, não era uma fonte confiável: “Eu entendo o seu ponto de vista de que o autor seja a fonte mais autorizada sobre o seu próprio trabalho” escreveu o chefe de Wikipedia, “mas precisamos de varias fontes”.

Eis Wikipedia, em todo o seu esplendor.
Mas afinal: Wikipedia, além destes “pormenores”, é de confiança ou não?
Resposta: depende.

Se a ideia for encontrar notícias acerca de assuntos menos sensíveis (quantos campeonatos ganhou o Benfica? 35, Wikipedia responde bem neste caso), os resultados serão correctos.
Caso contrário, o discurso é mais delicado.

Eis o que disse em 2010 Naftali Bennett, director do Yesha Council, uma organização hebraica:

Temos que ter a certeza de que quanto escrito (na Wikipedia) seja de natureza sionista.

O Yesha Council tinha acabado de organizar um workshop em Jerusalem para ensinar a editar artigos de Wikipedia no sentido pró-israel…

Ipse dixit.

Fontes: ZDNet, Gilad, Haaretz, The Guardian

One Reply to “Wikipédia e os seus clientes”

  1. É como a internet Max, foi criada com um intuito militarista mas serviu mais do que qualquer outra coisa para a difusão de informações. Quanto à veracidade ou não dessas informações cabe ao leitor e (se ainda tiver) seu discernimento.

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