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Vídeo e mortes

Muito fumo e pouca substância, como de costume.
Grandes títulos nos jornais mas poucas explicações.
Os factos

O realizador Sam Bacile edita uma película, “A inocência dos Muçulmanos”, que apresenta o ponto de vista dele acerca do Islão: o qual, afirma, “é uma religião cheia de ódio, um cancro”. Bacile, que se descreve como um hebreu israelita, acusa Maomé de ser um impostor, é mostrado enquanto faz sexo, pede massacres, fala com um burro, mente e engana.

O filme provoca as reacções dos Muçulmanos em alguns Países, nomeadamente Líbia, Egipto, e Yemen. Em Bengasi (Líbia) é assaltada a embaixada dos Estados Unidos e o jovem chefe da diplomacia americana, Chris Stevens, é morto. Outras manifestações violentas no Cairo (Egipto) e Sanaa (Yemen).

Até aqui a versão oficial. Agora vamos esclarecer alguns pontos.
Em primeiro lugar: quem é Sam Bacile?

O realizador que não existe

Esta é a principal pergunta da imprensa americana. Quem é o verdadeiro autor da película e porque decidiu postar no Youtube alguns trailers da mesma na vigília do dia 11 de Setembro? O filme era presente na internet desde Julho, mas ninguém tinha reparado nele. Depois, no dia anterior ao 11 de Setembro, eis que aparece a tradução árabe.  

A suspeita é que Sam Bacile seja um pseudónimo. Nos Estados Unidos não há nenhuma pessoa com o mesmo nome e também israel afirma que não existe nenhum israelita que seja chamado assim.

O Wall Street Journal tentou contactar Bacile através do número que o realizador tinha utilizado para contactar a sede do jornal, mas sem resultados: o número pertence a uma moradia de Califórnia onde agora vive um jovem que não está relacionado com o caso. Mas o jovem vive aí há muito pouco tempo e sabe que antes a casa era ocupada por tal Nakoula Basseley Nakoula, pessoa estava a trabalhar num projecto dum filme ambientado no deserto.

De facto, ao verificar os anúncios na internet, foram encontrados os nomes de dois produtores: Sam Basseley e Nakoula. Mas também este Nakoula é um mistério. Existe uma pessoa com o mesmo apelido, um indivíduo que passou 21 meses na prisão por causa duma burla. E entre os vários “aliás” utilizados pelo Nakoula, havia também os nomes de Mark Basseley Youssef e Youssef M. Basseley.

A Associated Press afirma ter encontrado o número de telemóvel de Sam Bacile. Responde tal Nakoula que afirma ser um cristão copta e admite ter gerido a sociedade de produção da película, mas nega ser Sam Bacile.

No site IMDB (a Bíblia da cinematografia mundial) não existe nenhum Sam Bacile. 

Os actores de “A inocência dos Muçulmanos” são bastante chocados: afirmam terem sido enganados, pois entenderam que muitas falsidades foram ditas durante a gravação da película. De facto, afirmam terem sempre ignorado a verdadeira finalidade do filme: o guião tinha o título de Desert Warrior e o protagonista era George.

Sam Bacile é portanto um pseudónimo utilizado para a realização da película custada 5 milhões de Dólares. Como possa a tal película ter atingido um tal custo é um mistério. Para ter uma ideia, eis um dos excertos presentes no Youtube:

Infelizmente parece ainda não existir uma versão legendada em português, mas mesmo assim é possível observar tratar-se dum filme de muito baixo custo, realizado com poucos meios e com uma técnica bastante primitiva. O que conta não é tanto a ambientação quanto os diálogos, que têm como único fim desrespeitar todos os aspectos da religião muçulmana.

Resumindo: um filme construído propositadamente com a intenção de ofender a religião muçulmana, realizado por uma pessoa desconhecida que afirma ser um hebreu israelita, produzido por um cristão copta. Com os toques finais da tradução árabe e da data de lançamento (9/11), estão reunidos todos os ingredientes para desencadear uma violenta reacção por parte da comunidade árabe. Reacção que, infelizmente, aconteceu.

Assim, enquanto o simpático Barack Obama apela aos governos da Líbia e do Egipto para que seja garantida a segurança dos diplomatas americanos, dos navios de guerra com 300 homens e mísseis Tomahawk, mais 200 marines e drones são enviados para a Líbia. E desde Washington chega a pronta explicação: culpa de Al-Qaeda.

A sombra de Al-Qaeda

Al-Qaeda. Faltava, de facto.

Foi boa Al-Qaeda quando atacava as forças do Coronel Khadafi; é má Al-Qaeda quando fomenta reacções anti-Ocidente. Al-Qaeda faz lembrar aqueles pequenos instrumentos multiusos suíços: há sempre alguns coisa que pode dar jeito, por isso melhor leva-la connosco, nunca se sabe.

Neste caso é interessante notar como as reacções surgiram em três especificas localidades: Líbia, um País de rastos após a “libertação” na NATO; Egipto, que atravessa enormes dificuldades e que já mostrou os dentes aos israelitas; e Yemen, forte candidato para uma próxima “libertação” (porque base de Al-Qaeda, óbvio).
É como se a película tivesse sido difundida com particular virulência nestes três Países pois outros, apesar de muçulmanos, não parecem ser abrangidos por esta vaga de violência.
Coisas esquisitas da vida, sem dúvida.

Mas com ou sem Al-Qaeda, sobram um pensamento e uma pergunta:

  1. os episódios de violência têm que ser rejeitados com firmeza; seja qual for a causa, não é possível não condenar uma tal atitude, não tem justificação.
  2. o que aconteceria se um realizador alegadamente muçulmano gravasse uma película onde Cristo é pintado como mulherengo, blasfemo, enganador, ignorante e falso?
Síntese

Síntese extrema: uma película anti-Islão, gravada por um pseudónimo que afirma ser israelita, difundida na versão árabe na vigília do 9/11, em três Países que teimam em não “democraticizar-se” segundo o padrão ocidental, no pleno da campanha eleitoral americana, e que justifica o envio de meios militares com o reaparecimento da sombra de Al-Qaeda.

Ao Leitor cabe o pensamento final.

Ipse dixit.

Fontes: Il Corriere della Sera, La Repubblica (1) (2), The Wall Street Journal