Site icon

Sorriam e batam as palmas

Os conspiracionistas não vivem apenas de Nibiru e Annunaki. Seria bom se assim fosse.
Os mais perigosos tratam de assuntos bem mais reais. Vamos fazer um exemplo.

James Petras é professor de Sociologia na universidade de Binghamton, New York. É de Esquerda e já publicou 62 livros em 29 idiomas, a maior parte dos quais analises da sociedade imperialista americana, da América do Sul, do Marxismo e, obviamente, da sociologia.

Até aqui tudo bem. Mas vamos ler o que escreve num dos seus últimos post no blog dele. O assunto é o acidente na refinaria PDVSA do dia 26 de Agosto, que custou a vida de quase 50 pessoas.
Começa com um pensamento de Hugo Chavez, presidente da Venezuela:

Não é possível excluir nenhuma hipótese … É quase impossível que haja uma plataforma de petróleo como esta, totalmente automatizada, com milhares de funcionários presentes em turnos durante 24 horas por dia, tanto civis como militares, com um vazamento de gás durante 3 ou 4 dias sem a intervenção de alguém.

Este, como afirmado, as palavras de Chavez enquanto responde aos canais de informação e às acusações da oposição, segundo as quais a explosão e o incêndio na refinaria de petróleo devem-se à negligência do governo.

O profundo pensamento de Chavez fica aí, no começo do post, sem qualquer tipo de crítica (sendo Chavez um especialistas em refinarias): tem que ser encarado, portanto, como verdade indiscutível, uma prova provada que condicionará todo o resto do artigo. Petras pode assim começar com a demonstração da própria teoria: foi uma sabotagem dos americanos.

Apenas 43 dias antes da eleição presidencial na Venezuela e com o Presidente Chavez na frente com uma margem de 20%, uma explosão e um incêndio na refinaria Amuay mataram pelo menos 48 pessoas, metade delas membros da Guarda Nacional, e destruiu as instalações petrolíferas que produzem 645 mil barris por dia.

Petras não é parvo e começa a “criar” o ambiente de desconfiança: faltam 43 dias, Chavez está em vantagem e provavelmente irá ganhar, metade dos mortos eram membros da Guarda Nacional…consegue o Leitor vislumbrar os fatos miméticos das forças especiais americanas? Ainda não? Espere.

Imediatamente após a explosão e o incêndio, todos os canais de notícias americanos e britânicos, mais a oposição conservadora na Venezuela, lançaram em uníssono a acusações contra o governo de ser o principal responsável pelo desastre, acusando-o de “negligência grave ” e de “não investir o suficiente em normas de segurança”.

Primeira prova: a reacção dos media anglo-saxónicos. Que na verdade sempre reagem desta forma, tal como acontece com os media venezuelanos no sentido inverso. Mas neste caso tudo tem um ar mais sinistro: os medias já sabiam, estavam prontos. Eis a altura certa para atirar a seta direita ao coração da questão:

No entanto, há fortes razões para rejeitar as acusações oportunistas e formular uma hipótese mais plausível, ou seja, que a explosão foi um acto de sabotagem, planeado e executado por um grupo clandestino de terroristas especializados, actuando em nome da governo dos EUA. Há realmente muitas razões para apoiar esta hipótese para a investigação.

Bingo! Então vamos ver estas razões.

A primeira pergunta a fazer, em uma pesquisa que aspectos é: quem se beneficia e quem perde com a destruição da vida humana e produção de petróleo?

Em primeiro lugar: a hipótese dum acidente é logo descartada, aliás, nem é tomada em consideração. Porque? Porque na Venezuela os acidentes não acontecem. No País do Socialismo Real tudo funciona na melhor das maneiras, se algo correr mal é culpa de quem de Esquerda não é. Deve ser um sabotador.
Começamos bem, sem dúvida.

Os Estados Unidos são o claro vencedor em várias frentes. Primeiro, graças às consequentes perdas da economia venezuelana (2,5 milhões de barris nos primeiros cinco dias, um número que deverá crescer), as perdas terão impacto sobre os gastos sociais e reduzirá o investimento produtivo que, por sua vez, são questões cruciais da eleição do presidente Chavez.

Primeira prova: acontece um acidente numa refinaria venezuelana, os concorrentes ficam obviamente com uma vantagem, de todos os concorrentes apenas um pode ser culpado: os Estados Unidos. Tem lógica, sem dúvida.

Em segundo lugar, o facto dos que os Estados Unidos e em uníssono o candidato deles, Henrique Capriles Radonski, lançarem uma imediata propaganda negativa destinada a desacreditar o governo e pôr em causa a sua capacidade de garantir a segurança dos cidadãos e da principal fonte de riqueza para o País.

Esquisito, de facto: os adversários políticos aproveitam a desgraça para lançar acusações. Nunca se viu nada assim. Muito esquisito e suspeito. Aliás, mais que suspeito: é um prova.

Terceiro, uma explosão cria insegurança e uma sensação de medo entre o eleitorado, e isso pode influenciar muito o voto na eleição presidencial do próximo Outubro.

Sem dúvida. Desconfio que boa parte do eleitorado pensará da seguinte forma: “Sou de Esquerda, voto Chavez. Ah, não esperem: explodiu uma refinaria. Então vou votar no candidato apoiado pelos americanos. E já não sou de Esquerda, assim aprende”.
Sim, não pode haver dúvida é esta e terceira prova.

Quarto, os EUA podem colocar em acção uma ampla campanha de desestabilização e a capacidade do governo para responder a qualquer ameaça à segurança.

O que significa isso? Explica o simpático Petras que os EUA têm elementos das Forças Especiais em mais de 75 Países, incluindo a Venezuela, e que não seria a primeira vez se americanos perpetrassem acções de sabotagem. Portanto: eis outra prova, foram os Americanos.
Para reforçar a ideia, eis no artigo uma longa série de acções de sabotagem actuadas pelos Estados Unidos em todo o mundo ao longo da História. E nem faltam algumas linhas dedicadas ao Irão.
Pode haver prova melhor? Duvido.

Outras provas, em ordem aleatória:

Obama tem apoiado o pedido de Miami pela mudança de regime em Cuba [tive que ler duas vezes esta para ter a certeza de ter entendido bem , mas é mesmo isto que está escrito: Obama apoia a politica estrangeira de…Miami, na Florida].

Obama muitas vezes tem perpetrado actos de violência para provar que ele é um militarista, tanto quanto os Republicanos.

Conclusão:

[…] a grande maioria dos eleitores que irão votar ficarão muito seguros e olharão com confiança para os próximos quatro anos de paz e prosperidade, livre de actos de terrorismo e sabotagem de qualquer tipo.

Eis o triunfo do Bem, o abraço da Paz Universal.
Eu estou do lado do Bem. Eu escolhi o lado correcto. Eu optei para o lado dos Justos.
Eu nem preciso de provas, eu sei.
Eu sim, os outros não, os outros erram.

O Leitor mais pedante poderia perguntar: Como aconteceu o acidente? Onde teve origem? Como se desenvolveu? O que explodiu? Os sistemas de segurança estavam activos? Funcionaram? Há perícias? Há relatórios? Há testemunhas?

Querido Leitor pedante, estes são pormenores. Lembra do que disse Chavez no início? “É quase impossível”. E se for quase impossível, então é automático: foram os americanos.
Nada mais para acrescentar. A nuvem da incerteza só pode dar à luz um culpado.

É preciso pouco esforço para construir provas a partir do nada absoluto. É esta a grande mensagem do professor Petras; e como ele, muitos outros. É só juntar indícios. Muitos indícios fazem uma prova, o fiel não precisa de mais. E nem importa a religião.

Continuemos a recitar o papel: tu à Esquerda, eu à Direita. Eu apoio Fidel, tu apoias os Yankees, eu sou bom, tu és mau. Continuemos a jogar este jogo demencial, enquanto a nossa saúde fica para sempre comprometida numa mina ou num alto-forno, enquanto a verdade come os nossos ordenados e hipoteca o futuro dos nosso filhos.

Continuemos a apoiar os nossos ídolos, seja qual for a cor, adorar as palavras deles, fazer nossos os deles pensamentos para que possa ser mais fácil saber o que é o Bem e o que é o Mal.
Aproveitem internet, é fácil encontrar o próprio Evangelho: todos os americanos são maus.
E se forem de Direita? Neste caso, todos os comunistas comem crianças.

Sigam os Mestres do Passado e esqueçam as Possibilidades do Futuro: Marx ou Smith, estas as únicas escolhas.

Desliguem o cérebro, pois a actividade já é reduzida e nem falta muito.
Sorriam, batam as palmas e repitam: “Quem não pensa como eu inimigo é”.
É tão simples, meus amigos.

Ipse dixit.

Fonte: The James Petras Website