Hoje em dia a ideia dum País proteccionista é escandalosa. A sociedade é “global”, consequentemente a economia tem que ser “global” também. E quem pensar o contrário é, na melhor das hipóteses, um retrogrado.
Mas com base em que podemos afirmar que o liberalismo económico ontem melhores resultados de que o seu oposto (um regime proteccionista)?
A base pode ser só uma: os dados. Pois as teorias podem ser bonitas e fascinantes, mas o que conta para avaliar os resultados duma escolha são os dados e nada mais do que isso. O resto são apenas palavras e boas intenções. E de boas intenções é pavimentada a estrada para o Inferno.
Pegamos num grande País: os Estados Unidos, heróis da globalização, e voltamos atrás no tempo.
São poucos os estudos para comparar a época proteccionista dos EUA com aquela liberal. Mas algo há.
Mark Bils, por exemplo, no seu Tariff protection and production in the early U.S. Cotton textile industry (1984) afirma:
A minha descoberta dificilmente poderia estar em maior conflito com o ponto de vista consensual sobre a importância económica da pauta. Os cálculos acima demonstram que, a partir de 1833, a remoção da protecção teria eliminado a esmagadora maioria do valor acrescentado na indústria têxtil do algodão.
Bils, portanto, não tem dúvida: o proteccionismo desenvolveu um importante papel no desenvolvimento da indústria têxtil, permitindo o lucro na área do algodão, por exemplo.
Mas será esta matéria a clássica excepção que confirma a regra?
O período mais interessante (e um dos poucos que disponibilizam dados de confiança) é o dos anos 1870-1892. Nesta altura, o continente europeu (liberalista na maioria dos casos) atravessava uma depressão económica, enquanto os EUA acentuavam as medidas de protecção.
Entre 1850 e 1870 o Produto Interno Bruto (PIB) per-capita aumentava com uma taxa anual de 1.8%. Entre 1870 e 1890, com as medidas proteccionistas, a taxa anual ficou na casa de 2.1%. E nos vinte anos seguintes (1890-1910) nunca desceu abaixo de 2.0%.
Resumindo: os melhores 20 anos de crescimento económico americano deram-se num período em que a politica comercial era proteccionista, enquanto os concorrentes dos EUA eram maioritariamente liberais.
Uma pequena deslocação tanto para chegar no próximo Canada.
O Canada adoptou uma politica mais proteccionista em 1879 e quando compararmos a situação económica dos 20 anos anteriores e dos 20 posteriores, a balança pende em favor do liberalismo, com resultados objectivamente melhores.
Mas o que acontece se analisarmos um período maior, de 30 anos?
Acontece que o resultado é o exactamente o oposto.O nível de produção manufactureira per capita em 1860 representava 40-45% do dos Países desenvolvidos: em 1913 aumentou para 82-87%.
E o mesmo aconteceu na longínqua Austrália, onde o proteccionismo trouxe industrialização.
Voltemos ao caso dos Estados Unidos. É correcto afirmar que o êxito deste País deveu-se inteiramente ao regime proteccionista? Obviamente não: a elevada percentagem de terra cultivável, a disponibilidade de matéria-prima e o maciço afluxo de mão de obra e de capitais do estrangeiro (principalmente Europa) são factores que contribuíram não pouco ao crescimento.
Todavia fica claro que o proteccionismo não representou uma “época das trevas” na economia americana; pelo contrário, coincidiu com o período de maior esplendor do País.
E temos que observar nos dados europeus também, aquele do gráfico: no médio prazo, o proteccionismo não representou um passo atrás mas, pelo contrário, um passo em frente.
E no Terceiro Mundo?
Aqui a situação era mais complicada: de facto existia um liberalismo forçado, que é útil para entender o atraso no âmbito da industrialização e as pesadas consequências no desenvolvimento dos Países.
Um exemplo importante: quando foi extinto o monopólio da Companhia das Índias Orientais, em 1813, houve um forte afluxo de produtos têxteis para a Índia; afluxo que antes era controlado pelo monopólio.
Em 1814 a importação de algodão tinha sido de 1 milhão de jardas; em 1830 51 milhões; 2050 milhões em 1830.
Nesta altura, a produtividade dum operário inglês era entre 10 e 300 vezes maior do que um tradicional trabalhador indiano (a diferença 10-300 é devida ao tipo de produção, que podia variar); mas a diferença de salário não era tão profunda, tal como as condições de trabalho.
Portanto a grande diferença estava concentrada na produtividade, que o operário indiano não podia alcançar; e isso permitia um produto final com um custo bem reduzido, mesmo considerando os encargos para o transporte. A política de mercado aberto foi fatal e tornou inevitáveis as grandes importações.
A Índia não foi um caso isolado e também Países independentes foram obrigados a abrir as próprias fronteiras comerciais: em 1860, as exportações anuais de algodão de Reino Unido, França e EUA para a América Latina representavam o equivalente de 10.6 metros quadrados pro habitantes, enquanto na ´sia este rácio era de 7.9.
Este números explicam o quase total desaparecimento de industrias têxteis naquelas regiões; mas, além do algodão, temos muitos outros exemplo, tal como no caso dos minerais.
Mais uma vez, temos a liberalização com efeitos negativos.
Os mais críticos podem avançar com a ideia de que não é possível tomar os Países do Terceiro Mundo como exemplo, pois na altura estes eram obrigados a seguir as imposições dos Países colonialistas ou mais avançados.
Esta é uma observação correcta. Mas os dados não deixam margem para fuga: seja como for, o proteccionismo coincidiu com uma época de forte crescimento, enquanto nos Países que foram forçados a adoptar políticas comerciais liberalistas os resultados foram negativos.
O resto, como afirmado, são palavras.
Ipse dixit.
Fontes: Mark Bils, Tariff protection and production in the early U.S. Cotton textile industry, Journal of Economic History, XLIV, nº 4, 1984, pp. 1033-1045; Paul Bairoch, Economics and World History: Myths and Paradoxes, Prentice Hall, 1993, pp. 79-86