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O velho filme. Legendado em castelhano.

Como era o quiz de ontem?
Era assim:

  • tente o Leitor descobrir qual o valor da dívida pública espanhola (em % do Produto Interno Bruto)
  • compare o mesmo valor com aquele de: Estados Unidos, Bélgica, Reino Unido, França, Canada, Alemanha, israel, Áustria, Holanda.

A resposta correcta chegou com o comentário de Zarco:

O problema não é a divida pública espanhola 70% do PIB, inferior à de
todos os outros países que referiste e que não estão em “crise”(excepção
dos EUA que não está em crise de dívida pelas razões conhecidas e
outras que desconhecemos…).

O problema espanhol, na verdade são dois problemas:


Os detentores da dívida pública são Bancos, ao contrário do Japão que
tem 223% de dívida, mas maioritariamente detida pelos particulares e
paga juros de 0.95% a 10 anos…
– A dívida dos particulares é de 197% (leram bem, cento e noventa e sete )do PIB.

E quando assim é os “mercados”=bancos não perdoam…

Exacto.

A Espanha está agora obrigada a seguir o caminho da austeridade: cortes nos ordenados, nas reformas, subida das taxas, desemprego…a música do costume. É a mesma coisa que aconteceu na Grécia, que acontece em Portugal, que acontecerá em Italia.
Objectivo: baixar o spread dos Títulos de Estado.

Mas paremos para reflectir um bocado: a dívida pública espanhola é bem mais baixa do que a alemã, a francesa ou os Estados Unidos. Então porque a Espanha está em crise?

Resposta: a Espanha não está em crise por causa da dívida pública, está em crise por causa da dívida privada.

O sector da construção caiu 90% desde 2007; os investimentos fixos perderam 8% de pontos do PIB.
O problema da Espanha foi uma montanha absurda de crédito bancário para construir imóveis e pagar mútuos cada vez mais caros. Tudo isso dava a sensação de riqueza, fazia aumentar o PIB; mas na verdade enchia a bolha. E, como sabemos, cedo ou tarde uma bolha rebenta.

“Click” para aumentar!!!

Perguntem aos Chineses. Metade do crescimento de Pequim é feito com o cimento: caiu o cimento, surge a crise. É exactamente o que está a acontecer na China nestas horas.

Então o sábio Leitor avança com uma pergunta: “Mas que tem a ver a dívida pública com a dívida privada?”.

Justo, sábio Leitor, justo. Ou, dito de outra forma: porque o Estado Espanhol tem que “cortar” a dívida pública quando os problemas forem apenas privados?

Na verdade a história dos spread é pura propaganda e tem uma função: encobrir o papel que os bancos tiveram na destruição da economia.
Diz Zarco que a Espanha tem na realidade dois problemas:

  1. Os detentores da dívida pública são Bancos, ao contrário do Japão que
    tem 223% de dívida, mas maioritariamente detida pelos particulares e
    paga juros de 0.95% a 10 anos…
  2. A dívida dos particulares é de 197% (leram bem, cento e noventa e sete )do PIB.

Na verdade são os dois lados do mesmo problema, que é sempre e só um: é verdade que os detentores da dívida pública espanhola são os bancos, mas é verdade que esta dívida é muito mais baixa daquela de outros Países considerados “sãos”. Se a dívida está em risco é porque os bancos espanhóis estão em crise. Mas porquê os bancos espanhóis estão em crise? Porque antes fizeram tudo e mais alguma coisa para criar uma bolha do crédito, que enfraqueceu as mesmas instituições detentoras da dívida pública.

Na verdade o que apresenta risco não é a dívida, mas quem detém a mesma. E quem detém a dívida pública espanhola são maioritariamente os bancos espanhóis. Que estão tecnicamente falidos.

Portanto, estamos perante cidadãos aos quais é dito que “fizeram a boa vida” e que agora “têm que fazer sacrifícios” para emagrecer o Estado e “ser felizes depois”. E que significa “emagrecer” o Estado? Cortes, mais taxas, despedimentos, sem dúvida.
Mas o bolo tem outros dois nomes. Um é “privatização”, enquanto o segundo é um pouco mais comprido: “fazer pagar aos cidadãos as dívidas dos bancos privados”.

O enredo

Simplifiquemos ao máximo.
Eu sou um governante e deixo ao longo de anos que os bancos concedam mútuos com uma facilidade extrema. Chega o dia em que os cidadãos não conseguem devolver o dinheiro (há uma crise global, não esqueçam) e os bancos ficam expostos: têm muitos créditos mas poucos são aqueles que podem reembolsar os empréstimos contraídos.

Nesta altura o que faço?  Poderia dizer: “Queridos bancos, problemas vossos, fizeram os sacanas, agora têm que pagar as consequências. Doutro lado, se isso tivesse acontecido com uma outra empresa privada qualquer, o Estado não teria mexido um dedo. Adeus”.

O problema é que nesta fase aparecem os especialistas, os quais começam a lançar gritos de dor: “Se os bancos falirem será o colapso do País, o Armageddon, o Dia do Juízo!”.

Eu sou governante e tenho os meus especialistas também: sei muito bem que a falência dos bancos poderia trazer grandes dificuldades ao País. Mas qual a alternativa? Vender o património do Estado, utilizar o dinheiro dos cidadãos para cobrir as dívidas dos bancos e contrair empréstimo com FMI e BCE, obrigando os cidadãos e as gerações futuras a pagar a factura (reembolso + juros)? Faz sentido arruinar um inteiro País, hoje e amanhã, para salvar alguns bancos privados?

Na minha óptica de político a resposta é : Sim”, faz sentido”. Doutro lado é por isso que me foi permitido candidatar-me, é por isso que recebi aveludadas contribuições durante a campanha eleitoral.

Por isso, ponho uma expressão séria séria e falo aos cidadãos:

Queridos cidadãos, vivemos acima das nossas possibilidades, mas agora a festa acabou. Chegou a altura de fazer sacrifícios. Fazemos sacrifícios agora para ficar melhor depois.

O Estado tem que emagrecer pois custa demais. E paciência se nas privatizações forem vendidas também empresas que produzem lucro, são coisas que acontecem.

O importante é a retoma económica. Por isso decidimos introduzir ou aumentar taxas e impostos porque, como todos sabem, menos dinheiro para todos é a receita justa para a recuperação.

Temos que investir no futuro, no futuro nosso e dos nosso filhos: por isso teremos milhares de professores desempregados, menos dinheiro também para a instrução e até os livros custarão mais.

Temos que criar as melhores condições para que as empresas desenvolvam, sobretudo o transporte de mercadorias das pequenas e das médias: por isso os combustíveis vão aumentar com um ritmo constante, dado que mais de metade do preço é só impostos e Iva.

Ao mesmo tempo, aumentamos os preços dos transportes públicos, assim, tanto para não perder o vício e obrigar os cidadãos a usar o carro e gastar gasolina (e piorar a balança comercial).

Mas nesta altura de sacrifícios não podemos esquecer os trabalhadores: por isso, revisão do código do trabalho e despedimentos simplificados. É o mínimo para ter a certeza que o número dos desempregados continue a aumentar.

O nosso dever, enquanto políticos, é o bem do País e de todos os cidadãos: por isso aconselhamos emigrar.

E lembrem: está e a estrada melhor, até recebemos os parabéns da União Europeia.

Se os Leitores extra-comunitários (tal como os Brasileiros) estiverem às gargalhadas após ter lido este programa demencial, fiquem já a saber que é mesmo isso que se passa em alguns Países da Europa (um País acaso…Portugal?).
   

Não só Espanha

Em resumo: um velho filme.

“Click” para aumentar!!! Já disse…

E a coisa mais divertida é que o problema da montanha de dívida criada pelos bancos, com a técnica do crédito fácil, está longe de ser resolvido.

Há uma bolha imobiliária na Escandinávia: olhem o acaso, também na Suécia e na Dinamarca os bancos estão com problemas após terem carregado de mútuos absurdos os cidadãos.

Mesma situação na Coreia (do Sul, obviamente), onde a dívida das famílias atingiu 160% do PIB. Na Escandinávia está perto do 150%.
Querem mais? Então eis Reino Unido e Austrália: 180%. Repito: dívida privada.

Resumindo: se o desejo for brincar, podemos falar da dívida pública também. Mas se a ideia for procurar o verdadeiro problema e os responsáveis, então temos que olhar para os dados apresentados acima.

Ao longo dos séculos, até 1990 mais ou menos, as casas nunca constituíram um problema: aumentava a inflação, aumentavam os preços delas também, mas tudo seguia uma lógica, aquela da inflação (claro, depois havia as excepções: mas estas interessavam maioritariamente os especuladores e aqueles que tencionavam fazer investimentos de médio e longo prazo).

Outra vez? “Click”…

O ponto de viragem aconteceu na década dos anos ’90, no Ocidente mas não só (Japão, Coreia, israel…): os bancos começaram a disponibilizar um rio de crédito em vista da aquisição de terrenos. Resultado: os preços dos terrenos e dos imóveis começaram a triplicar ou até mais.

Agora, atenção: a terra é um valor, aliás, é o valor ideal para garantir um empréstimo, pois pode ser penhorada e mantém um valor.

Mas quando o empréstimo for feito a uma empresa, caso esta entre em falência, o que deixa atrás? Nada, dívidas no melhor dos casos.

E quando o empréstimo for feito a uma pessoa que nada tem e nem trabalha? Mesma coisa.

Dos anos ’90, portanto, os bancos começaram a conceder empréstimos a todos (“cães e porcos”, como se diz em bom italiano) com os seguintes resultados:

  • empréstimos para pessoas/empresas que não tinham uma real capacidade para devolver o dinheiro obtido (e os bancos eram os credores)
  • preço dos terrenos aumentados de forma exponencial (muita procura? O preço sobe, é uma lei básica do mercado)
…sim, sim, é sempre “click” para aumentar…

Reparem: o que aumentava era o valor do terreno, pois os custos de construção ficavam mais ou menos na mesma. Subiam, pelo contrário, os preços do produto acabado (com o mútuo).

Era este um mecanismo financeiro pensado para fazer multiplicar o preço da terra e ganhar mais com esta (e pensar que os economistas clássicos afirmavam o contrário: o preço da terra deveria descer, pela simples razão que não é um produto da actividade humana, é como o ar, a água…).

Assim, havia os lucros das companhias do mercado imobiliário (que, em muitos casos fazem parte das instituições bancárias) e não podemos esquecer outro aspecto: o sector da construção movimenta muito dinheiro, com um número incalculável de pequenas e médias empresas que, para poder trabalhar, necessitam de empréstimo.

Mais trabalho = mais empréstimos = mais lucro para os bancos.

É o caso de falar da reserva fraccionária? O Leitor deposita um e o banco empresta a mesma nota várias vezes? Não, os Leitores, em particular os mais antigos, conhecem este joguinho. Mas ajuda a ter uma ideia dos níveis de lucro que é possível alcançar.

Resumindo: mera especulação. E bolha.
Bolha que já explodiu nos Estado Unidos, em Espanha, na Irlanda.
Bolha que ainda não explodiu na China, Hong Kong, Reino Unido, Austrália, Escandinávia, França.
Portanto, é só esperar.

O comentário

Última nota acerca dum comentário do post anterior: 

Aos espanhóis é-lhes bem feita, que é para perderem a mania da
superioridade que os caracteriza, esses racistas e xenofobos e
anti-Portugueses.

Gozavam conosco, e agora estão pior.

Se tenho pena deles?

Nem um bocadinho. 

Dizia o cego ao mudo: “Ahahah, és um deficiente!”.
Mas há pessoas que ficam satisfeitas assim.

Mais: não é o caso de ter pena dos Espanhóis, é o caso de ter pena dos Portugueses. Isso porque o maior importador de produtos portugueses é a Espanha; Espanha em crise significa menos importação do estrangeiro, portanto menos exportações portuguesas.
É exactamente o que está a acontecer nestes dias.

Por isso diz bem o Leitor: nada de pena deles, melhor ter pena de Portugal.

Ipse dixit.

Fontes: Patrick Chovanec, Bloomberg, CNBC,