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O Bosão de Higgs, tanto para dizer

Eis o cantinho da Ciência.
Uma pergunta: o que é o Bosão de Higgs? Olhem o acaso, era mesmo disso que queria falar.
Porque é um bosão? E quem é este Higgs?
Mas sobretudo: interessa?

A resposta é: sim, interessa.
Mas as outras perguntas ficam, e nomeadamente uma: o que raio é este bosão?

O que é o bosão?

O Bosão (talvez)

Nas semanas passadas os media de todo o mundo glorificaram a empresa dos cientistas que descobriram a assim chamada “Partícula de Deus”, o tal Bosão de Higgs. Deus afinal tinha uma partícula? Pelos vistos. E que faz Deus com esta partícula? Uhhh, muitas coisas, nem imaginam…

Como sempre: ordem e disciplina.
Comecemos com o bosão.

Diz Wikipedia que tudo sabe e tudo censura:

O bosón (português brasileiro) ou bosão (português europeu) é uma partícula que possui spin inteiro e obedece à estatística de Bose-Einstein.

E aqui já tudo fica mais claro: tivesse spin partido seria um problema, mas como o spin é inteiro podemos ficar descansados. Até que enfim, algo que funciona neste País.

No Wikipedia versão italiana encontramos isso:

Todas as partículas elementares mediadoras das forças fundamentais são bosões.

Ah, então é isso: um bosão (“bosón”? Parece espanhol…) é uma das partículas que permitem às forças fundamentais (força electromagnética, nuclear fraca, nuclear forte e gravidade) actuar. Sem bosões, por exemplo, não haveria gravidade. O que seria uma chatice porque você põe o telemóvel na mesa e passados dois minutos este flutua no ar e se alguém ligar torna-se um problema atender.

Para simplificar ao máximo: podemos ver o bosão como os pneus dum carro. O motor produz energia (a força), mas sem rodas esta energia não teria contacto com o chão e não poderia actuar. É aqui que entra em cena o bosão, que é o trâmite (os pneus) com a qual a força pode produzir os seus efeitos. Afinal o Leitor tinha quatro bosões a funcionar no carro e nunca tinha dado por isso.

Perceber como funciona um bosão significa perceber como funcionam as quatro principais forças do nosso mundo. O que pode sempre dar jeito.

Ok, agora sabemos o que é um bosão. Mas quem é este Higgs? E porque tem um bosão só para ele?

Higgs na Escócia

Peter Higgs

Peter Ware Higgs é um rapaz com mais de 80 anos, nascido na Inglaterra, e de profissão é físico. Isso é, trata das partículas também.

Por causa dos seus estudos, Higgs recebeu até vários prémios, entre os quais a medalha Dirac e o Prémio Wolf. Como este, todavia, era gerido por uma fundação israelita, Higgs recusou retirar o prémio. Simpático o rapaz. Coisa esquisita, até pôde continuar a trabalhar.

Mas não é isso que interessa agora. O que interessa é o seu trabalho académico.

Como explicado na biografia dele, Higgs estava a passear nas colinas escocesas do Cairngorms, em 1964 d.C., quando de repente parou: tinha visto o Monstro de Lochness? Não: tinha tido uma grande ideia, one big ideia como escreveu depois. A ideia era a seguinte: Higgs propôs uma simetria quebrada na teoria eletrofraca para explicar a origem da massa das partículas elementares, dos bosões W e Z, em particular.

Dito assim parece complicado, e de facto é até que eu nem percebo o que estou a escrever. Mas o que interessa reter é que Higgs tinha proposto um mecanismo para explicar a massa das partículas chamadas bosões (que, como vimos, são importantes na actuação das forças); e este mecanismo incluía a descoberta duma nova partícula, o Bosão de Higgs.

A ideia de Higgs foi aceite com o passar do tempo, mas faltava a peça final: a descoberta do Bosão de Higgs. Agora, descobrir as partículas não é simples: é que são pequenas, mas pequenas mesmo, e correm como baratas enfurecidas. É precisa uma super-lupa (o acelerador de partículas) e uma boa luz (uma enorme quantidade de energia).

Para sorte de Higgs, temos a super-lupa (o Large Hadron Collider, LHD, de Genebra, o mesmo que deveria ter destruído o planeta com um buraco negro, um dos muitos disparates carinhosamente fornecidos pelo mundo da informação alternativa…) e temos a energia (só não sei quem paga a conta mas tenho uma suspeita).

Acidentes microscópicos

Choque de protões

Como funciona um acelerador como o LHD? Isso é simples: pega-se um punhado de partículas, são lançadas a alta velocidade no acelerador e depois espera-se que choquem entre elas.

É como pegar em dois carros e atira-los um contra o outro com imensa violência: o choque fundirá os dois carros num só, um novo modelo, talvez um pouco confuso, o que não impedirá que a Volkswagen tente apresenta-lo como fruto da qualidade germânica.
Com as partículas é a mesma coisa, o choque cria uma nova partícula, só que é demasiado pequena para ser vendida.

É isso que se passa no LHD também.
Então, choca hoje, choca amanhã, afinal algo é encontrado. Mas é o Bosão de Higgs? Aqui começam os problemas.

Na verdade ninguém pode hoje afirmar com absoluta certeza que a nova partícula encontrada seja o verdadeiro Bosão de Higgs: faltam provas.

O que os pesquisadores podem afirmar é que foi encontrada uma nova partícula, no mesmo lugar onde tinha sido prevista e após ter utilizado uma quantia de energia pré-estabelecida. Mas na partícula não estava escrito “Higgs”, por isso deverão ser conduzidos novos testes (em 2013 ou, mais provavelmente, em 2014).

E se fosse? E se não fosse? Mudaria alguma coisa?
Se o bosão descoberto fosse realmente aquele de Higgs, então seria uma vitória do modelo standard (por assim dizer) que descreve o nosso universo.
Se não fosse o bosão de Higgs, então seria uma partícula totalmente nova e inesperada.

No primeiro caso (Bosão de Higgs) a teoria geralmente aceite (Big Bang e tudo o resto) seria confirmada, mas neste caso os pesquisadores deveriam tentar resolver os muitos problemas que esta ainda apresenta. E que não são poucos (um entre todos: onde fica o 90% do universo? Porque ninguém consegue vê-lo, o que é embaraçoso. É como viver numa casa da qual conseguimos ver apenas a porta: onde fica o resto? Boh, algures…).

No segundo caso (partícula novinha em folha) seriam abertos novos horizontes, pois ninguém estava à espera duma partícula nova. Seria o caso para falar duma “nova física”? Talvez.

Em qualquer caso, foi dado um grande passo. Porquê? É aqui que começa  a parte mais divertida do artigo.

A torneira e a origem do Universo

O fotão (se calhar)

Higgs, como afirmado, em 1964 formulou um mecanismo para explicar a massa dos bosões. Mas na verdade fez algo mais do que isso.

A teoria de Higgs sugere que o vazio (vacuum) na verdade não seja simplesmente um lugar onde não há nada: aliás, Higgs afirma que o vazio é uma entidade física que possui determinadas propriedades, as quais interagem com as partículas elementares.

Isso já parece ter pouco sentido. Se um lugar está vazio, como pode ter propriedades? O vazio é vazio e como vazio deve estar vazio e ponto final (magnífico silogismo, um dos pontos mais altos deste blog).

Mas Higgs explica que assim não é: esta é a nossa percepção, a realidade é bem diferente. E é importante realçar como estas ideias foram já comprovadas com experiências em outros laboratórios (Atlas e CMS).

A nossa percepção afirma que um raio de luz simplesmente atravessa um espaço vazio, dum lado até o outro; mas com as teorias de Higgs esta realidade muda: a luz (composta por fotões, partículas elementares) não atravessa o vazio mas propaga-se nele. Qual a diferença?

É como abrir uma torneira e esperar que a água caia até o chão (neste caso a água “atravessa” o espaço até o chão) ou abrir a torneira, deixar cair a água numa esponja e depois vê-la atingir o chão (neste caso a água embate na esponja e chega ao chão só depois de ter-se propagado pela esponja). É uma enorme diferença: com Higgs o vazio é mais como a esponja na qual a água (a luz) se propaga. Se propaga ou propaga-se, tanto faz pois o resultado não muda.

Esta é a verdadeira notícia que bem poucos media conseguiram recolher (tranquilos, não é minha a ideia  mas do astrofísico Corrado Ruscica, ver link abaixo): o Bosão de Higgs confirma a hipótese pela qual o espaço vazio não é vazio mas é caracterizado por propriedades físicas.


Agora, imaginem um espaço vazio (que vazio não é mas interage com os elementos fundamentais da matéria) e partículas que aparecem a partir do “nada” (como sugere a mecânica quântica) e depois tentem responder: o que havia antes do Big Bang?

Ipse dixit.

Fontes: Scienza e Conoscenza