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Da Italia, Do Euro, Da Esquerda, De Ricardo…

É Sábado e vamos com isso quebrar a tradição iniciada em 1355 por São Bonaventura  que prevê a não publicação de post neste dia dedicado ao Senhor dos Anéis.

A causa é Maria, sempre ela: volta Maria e voltam as perguntas complicadas :)))
Nomeadamente esta:

gostaria de saber qual a percepção que os italianos comuns têm
da sua própria situação, porque em geral é difícil compreender o que
está muito perto de nós. Uma amiga recém chegada da Itália, mesmo
fazendo turismo convencional, relata-me queixas sendo ouvidas em hotéis,
restaurantes e na rua. Eu estranho porque sei que uma coisa que é certa
que ninguém vê, nesses roteiros padronizados, é a realidade local. O
nosso comentarista Ricardo, recém mudado para o Piemonte, declara-se em
idílio com o novo lar, mas não comenta sobre manifestações de apreço ou
rejeição a cerca da situação econômico social local. A grande imprensa,
TVs etc, já se sabe que reporta a naturalização de todos acontecimentos,
por absurdos que sejam.Os alternativos já se sabe que atingem os pré
dispostos a serem atingidos…Mas, em Itália parece que há movimentos
importantes como 5 Estrelas, uma literatura “dissidente” expressiva e
buscada pela população…Como isso se reflete na opinião pública? Há
diferença significativa frente ao comportamento apático dos portugueses,
por exemplo? Uma alteração significativa de comportamento social seria
suficiente para alterar alguma coisa, no desenrolar dos acontecimentos
que se anunciam? Em alguns locais apenas? Há sinais disso? Quais?

Cara Maria, este comentário daria para escrever 5 ou 6 post…ou se calhar até mais. Tentamos resumir para falar de Italia, sim, mas também de Portugal, do Brasil…

A percepção

Em primeiro lugar: os italianos comuns têm a percepção da sua própria situação?
Como é óbvio mantenho contactos com familiares, parentes e amigos que ficaram em Italia e a resposta, sem sombra de dúvida, é: sim, os italianos têm plena consciência daquilo que se passa.  Isso é: sabem que o País está em crise, tal como os Portugueses sabem que Portugal está falido, por exemplo.

Até seria complicado não ter esta percepção: em Italia há mais de uma dezena de televisões nacionais em sinal livre e mais de 600 locais (um fenómeno praticamente desconhecido em Portugal), todas a repetir que o País está em crise. Eu mesmo costumo ver televisões italianas via internet (e leio jornais também), por isso sei que a informação nesse sentido não falta.

Acho que nenhuma pessoa no Velho Continente ignora a situação da Zona NEuro. Não ignora nem pode ignorar: é preciso que o cidadão tenha pleno conhecimento da “desesperada” situação para melhor compreender a razão dos (inúteis) sacrifícios, do desmantelamento do estado social e da privatização do património estatal. Esta, afinal, é a chave para entender a presente crise. Cortar ordenados, reformas ou serviços seria complicado sem fornecer uma explicação, por quanto falsa esta possa ser.

Observar o que se passa na Zona NEuro do ponto de vista do cidadão ajuda a perceber a complexidade e, ao mesmo tempo, a simplicidade do trabalho em curso.

Geneticamente, a Esquerda é “contra”. Contra quê?  Contra tudo (a Esquerda é sempre contra).
Mas neste período acontece algo esquisito: a Esquerda italiana (o PD, Partito Democrático) não é contra, é a favor. A favor da Zona NEuro, a favor da austeridade, a favor do FMI, a favor do Banco Central Europeu.

O mesmo se passa em Portugal com a principal força da oposição, o Partido Socialista (que até assinou a venda do País com o Partido Social Democrata e o CDS, ambos de Direita), oficialmente um partido de Esquerda (só oficialmente…).

O mesmo se passa em Espanha ou na Grécia com os Socialistas. E em França temos o primeiro ministro Hollande, também Socialista, que talvez represente o “melhor” dos dois mundos: pró-Europa e pró-povo ao mesmo tempo. Um “milagre”. Mas este é outro discurso.

Claro, estas forças de “oposição” de vez em quando levantam a voz, dizem “protesto” ou “isso não passará”: têm que fazer isso, só assim podem controlar o descontentamento das pessoas que não apoiam os governos; mas na altura certa não fazem faltar o apoio ao movimento pró-Europa.

Quantos Europeus têm este segundo nível de percepção, aquele que permite observar como todos, afinal, fazem o mesmo jogo? Não poucos, acredita. Mas aqui surge um problema: mesmo que muitos, são sempre uma minoria que opera no mar do conformismo, da apatia e do desempenho total. Ou, pior ainda, de quem segue a situação com o suporte dos media oficias (e por isso nada percebe do que se passa).

A Esquerda ácida e as cinzas

Caso atípico: o Movimento 5 Stelle de Beppe Grillo, em Italia. E mesmo aqui podemos aprender alguma coisa.
Sabes quem é o pior inimigo do Movimento, a parte que lança os ataques mais ferozes, a que avança com as mais pérfidas insinuações? É a Esquerda (“oficialmente” Esquerda), o Partido Democrático.

Após uma altura inicial de grande surpresa (o Movimento alcançou um resultado eleitoral que bem poucos esperavam), a Esquerda percebeu que Grillo encarnava o que uma Esquerda séria deveria ser: era o movimento que fazia as perguntas que deviam ser feitas, que propunha as soluções mais lógicas e realmente democráticas.

Nesta altura a Esquerda poderia ter desfrutado a situação para ir na direcção que os eleitores evidentemente apoiavam, pelo menos poderia ter tentado uma aproximação em termos de conteúdos. Mas desta forma teria faltado o objectivo principal, a essência da sua existência que, como vimos, é o controle das massas dos descontentes de forma que estes não possam perturbar o trabalho europeísta (por assim dizer…) da maioria governamental.

Por isso foi a Esquerda que se tornou no maior inimigo de Grillo e não faltam ataques diários contra o movimento dele ou contra a mesma pessoa.

Interessante, neste sentido, a minha experiência enquanto frequentador da blogosfera italiana. É quase impossível hoje abrir um blog ou site de informação alternativa mainstream sem encontrar entre os artigos pelo menos um (escrito por um Esquerdista desconfiado) que põe em dúvida tudo do Movimento 5 Stelle e avança com pesadas insinuações (“O Movimento 5 Stelle não é democrático”, “Grillo é manipulador”, “Grillo é manipulado”, “Quem está atrás de Grillo?”). Tudo rigorosamente sem factos, sem provas, mas não é isso que interessa: o que conta é semear dúvidas, desacreditar, é o melhor da Esquerda ao serviço do Poder.

Em Portugal falta um movimento parecido: o Partido Comunista, dada a sua natureza, no máximo faz ternura com todos aqueles reformados que ainda choram a morte de Estaline, enquanto o Bloco de Esquerda poderia mas…mas não sei. Há tempos deixei o meu mail para ser contactado, a intenção era mesmo discutir com alguém do Bloco acerca destes assuntos e ainda espero que alguém me escreva.

Voltemos para Italia, onde a situação é a seguinte: uma oposição de regime que, com a ajuda dos media de regime, difunde uma percepção da crise (e das soluções) com sentido único.

Neste aspecto, o resultado é muito parecido com o que se passa em Portugal: aqui o Primeiro Ministro pode ir na televisão e declarar que “esta é a única estrada” sem que ninguém tenha a coragem de dizer “Ó estúpido, mas que raio estás a dizer?”. Não faltam bons economistas neste País, mas ficam todos caladinhos nas tocas deles: os poucos que se atrevem a dizer alguma coisa (e são poucos mesmo) são vistos como alucinados.
Tenho a impressão que na vizinha Espanha ou na mais afastada Grécia as coisas não estejam tão diferentes.

Possibilidades de mudança? Depende.

Em Portugal não, sem dúvida. Não há a força, não há a vontade, não há…não há, ponto final.
Em Espanha ou Italia a situação é um pouco diferente. Falando apenas da Italia, este é um País com algumas tradições “revolucionárias”, mais inteiramente enterradas.

Houve os anárquicos (ainda presentes), houve o fenómeno do terrorismo (que eu rejeito mas que existiu), houve um movimento judicial-popular nos anos ’90 que culminou com a prisão de muitos políticos e a destruição duma inteira classe política, houve (e ainda há) um movimento federalista-separatista (que eu apoio).

Cada um destes assuntos mereceria um inteiro capítulo (e acho que alguma coisa vou escrever acerca de Mani Pulite, anos ’90, se isso interessar), mas o resumo é que debaixo da visão sorridente de pizza e tarantella sempre existiram cinzas ardentes que ninguém conseguiu apagar (“Governar os Italianos não é impossível, é inútil” dizia Mussolini).

O “caso” Ricardo

Lago Maggiore: bem perto donde mora Ricardo

Como se casa tudo isso com a descrição do “idilio” de Ricardo (que aproveito para cumprimentar)?
Em primeiro lugar: Ricardo foi viver numa localidade bonita de 2.000 almas, e é difícil ter manifestações oceânicas numa aldeia de 2.000 pessoas.

Segundo: Ricardo teve a inteligência de escolher não apenas uma localidade bonita mas também no Norte do País, uma zona com gente séria e trabalhadora, e uma zona que frequento desde a mais tenra idade (tenho parentes no raio de poucas dezenas de quilómetros, apesar de Ricardo morar longe de Genova): não a melhor zona italiana mas uma boa zona para viver em tranquilidade (nada de crime, relacionamentos humanos diferentes do que se passa nas cidades, nada de poluição, etc.).

Não me admira que esteja satisfeito e ficaria surpreendido se escrevesse coisas do tipo “barricadas no meio da rua”: o País está em crise, mas o nível de vida é aquele da terceira economia europeia, uma das primeiras 10 do mundo: inútil esperar pessoas mortas de fome nas esquinas, não são estes os Estados Unidos onde o cidadão paga até para entrar nas Urgências.

E inútil também esperar revoluções: como em qualquer bom País neolatino, os jogos ficam feitos antes das manifestações de rua (a última grande manifestação “revolucionária” neste sentido aconteceu em 1922, a Marcha sobre Roma e a tomada de posse do Fascismo: na verdade foi um acontecimento folclórico, tudo estava já decidido). Se algo terá que acontecer com os moldes da praça, então será algo improviso e fora de controle (e neste caso sim que exemplos não faltam).

“Há
diferença significativa frente ao comportamento apático dos portugueses,
por exemplo?”

Uma diferença significativa é já por si o nascimento e o sucesso do Movimento 5 Stelle de Grillo: em Portugal nada disso existe e se existisse não teria sucesso, pois os Portugueses não querem saber. Não é um acaso se o Movimento teve sucesso essencialmente no Norte do País, o Sul da Italia é muito mais parecido com Portugal. Mais: Portugal é mais pequeno, tem um quinto da população italiana e os media são menos e ainda mais uniformizados. Os Portugueses não apenas não querem saber mas mesmo que quisessem os canais disponíveis são poucos (e que poderiam fazer? Aceder a blogues alternativos que falam dos Annunaki?).

“Uma alteração significativa de comportamento social seria
suficiente para alterar alguma coisa, no desenrolar dos acontecimentos
que se anunciam? Em alguns locais apenas? Há sinais disso? Quais?”

Não tenho a certeza de ter percebido bem a pergunta.

Uma alteração no comportamento das pessoas? Não, não teria efeito, como não teria efeito em outros Países (veja-se as manifestações na Grécia ou na Espanha: a gente protesta, parte montra e o governo continua na boa).

Uma alteração do padrão de bem estar (um nivelamento para baixo)? Então vale o discurso feito antes: as cinzas ardentes. Há sinais, por enquanto apenas tais, de que algo pode estar em marcha. E não é uma boa coisa: da última vez que isso aconteceu tivemos 20 anos de terrorismo, fenómeno nascido como espontâneo (nas universidades e nas grandes empresas) e depois controlado e dirigido por forças exteriores (com boa paz dos Comunistas revolucionários que ainda não perceberam terem sido manipulados pela CIA).

Há portanto o perigo duma futura vaga de terrorismo, e há também o perigo dum movimento secessionista: neste aspecto a política fez um “bom trabalho” destruindo a Lega Nord, o partido que queria a secessão da Italia do Norte; todavia não conseguiu eliminar o desejo, que fica. Aliás, entretanto apareceram movimentos secessionistas também no Sul…

Em ambos os casos não parecem perigos imediatos: são coisas que precisam de tempo, de organização e, como afirmado, os media não deixam os cidadãos relaxar e pensar em alternativas, há um autentico pensamento único, uma lavagem cerebral constante.

Mais: o País não está à beira da fome, as pessoas gozam dum bom padrão de vida (superior ao de Portugal: em Italia o ordenado mínimo é o dobro de Portugal, mas o custo da vida não é o dobro), ordenados e reformas ainda não foram mexidos. Há a percepção do perigo mas falta um sinal forte no quotidiano. Até lá as únicas tentativas de mudança ficarão no âmbito da Constituição. Ou seja: pouco ou nada poderá realmente mudar (Monti, o primeiro ministro, é homem da Goldman Sach: fosse da CIA eu seria mais possibilista…).

Super-conspiracionismo

E se a panela começasse a ferver?
A minha impressão é que a panela não ferverá apenas em Italia. O que os diários não explicam é que na Europa estamos num jogo bem perigoso: apesar das tranquilas declarações tranquilizadoras dos responsáveis europeus, estamos numa autêntica corda bamba. Uma rajada de vento e a mesa fica de pernas para o ar.

Demonstração: as Mentes Pensantes de Bruxelas passam os dias a inventar (literalmente) uma solução atrás da outra para acalmar os mercados. Cada semana uma nova medida. Faz lembrar um barco onde os marinheiros correm dum lado para outro na tentativa de tapar os buracos. Acho que os factos chegarão mais cedo de qualquer decisão final, seja em Italia, seja onde for. Excepção: a Grécia, que está condenada a sair do Euro. Condenada ou abençoada, pontos de vista….

Dúvida: mas será que as medidas das Mentes Pensantes vão todas numa única direcção e por isso não são o mero fruto de contingências? Há um desenho por trás? Dito em outras palavras: os marinheiros tapam os buracos segundo um esquema pré-estabelecido, e a água também parece entrar no barco não segundo o princípio da casualidade?

Aqui as coisas complicam-se ainda mais: temos que admitir (eventualmente) a existência dum terceiro nível, uma outra “percepção”, algo que podemos resumir num plano de nível mundial para transformar não apenas o Velho Continente mas outras realidades também. Então não podemos ignorar assuntos quais a Maçonaria, os Illuminati, os Rothschild… Nesta altura, falar de Italia, Portugal ou Brasil pouco importa: seria este um desenho bem maior.

Mas aqui entramos no âmbito do “super-conspiracionismo” e acho que nem vale a pena continuar. O que digo é que está no interesse da contraparte aparecer ainda mais poderosa. E que sobrestimar as capacidades das Mentes Pensantes (europeias ou americanas, tanto faz) pode gerar fantasmas até mais perigosos do que a realidade.

Ipse dixit.