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O Brasil não cresce

Limes, provavelmente a melhor revista italiana de geo-política, dedica um artigo ao caso do Brasil, que de seguida aparece acrescentado com alguns dados oficiais e pareceres de diversas origens.
Sobretudo os dados preocupam: o Brasil não cresce.

Nos últimos dez anos, o Brasil tem experimentado um período de prosperidade sem precedentes.

A melhor prova? 30 milhões de Brasileiros passaram da pobreza para a classe média. A economia viveu um crescimento constante, passando pela crise de 2008 sem muitos problemas, e hoje o Brasil, juntamente com a Índia, é talvez o único exemplo de democracia estável que faz parte do BRICS, os Países caracterizados por um forte crescimento do Produto Interno Bruto.

Só que alguma coisa está a mudar.
O ministro das Finanças, Guido Mantega, procura realçar o único elemento positivo no conjunto de dados tornados públicos pelo Instituto Nacional de Estatística: a recuperação do sector industrial, que registou um crescimento de 1,7 % em relação aos três meses anteriores. “Boas notícias” diz o Ministro.

E “Boas notícias” são sem dúvida. Só que há outras notícias, um pouco menos boas.
Em Maio, o índice PMI do sector manufatureiro, um parâmetro que é um bom antecipador da evolução do PIB, manteve-se parado, realçando assim uma contração, em particular nas áreas das novas encomendas provenientes do estrangeiro e da produção.

Não surpreendentemente, Mantega confirma que o governo está pronto para intervir com novos pacotes de estímulo económico, em particular para incentivar os investimentos.

De acordo com a presidente Dilma Rousseff, essa descida tem responsabilidades muito específicas:

Segundo a Presidente Dilma, tudo isso é consequência das operações de Quantitative Easing implementadas pelos bancos centrais dos Países desenvolvidos. Os Estados Unidos antes e a Europa depois têm inundado de liquidez o mercado financeiro: como resultado, as moedas destes Países perderam valor e quem “ganhou” foi o Real. Só que um Real forte significa também o aumento da produção local e preços cada vez menos competitivos nos mercados internacionais. Afirma Dilma:

O Brasil vai tomar medidas institucionais para evitar a canibalização de seu mercado interno. Ninguém pode vir a reclamar se o Brasil vai se defender.

Sem dúvida: mas será que os únicos problemas do Brasil são os Quantitative Easing dos Países mais avançados?
As medidas protecionistas recentes adoptadas pela Argentina, por exemplo, penalizam as exportações brasileiras. Mas também este é um pormenor: na realidade as verdadeiras causas têm que ser procuradas em outros lugares.

O principal problema do crescimento económico brasileiro (que nunca conseguiu ultrapassar 4%, menos da metade da Rússia, da China ou até da Turquia) está relacionado com a mesma origem da explosão: os preços irregulares (e que deverão diminuir) das muitas commodities que o País explora e vende.
Especialmente numa altura em que a economia internacional, mais uma vez, entra numa fase perturbada e quando até mesmo a China, o principal parceiro comercial do Brasil, parece abrandar, o Brasil responde com taxa de interesses muitos elevadas (é isto que está atrás da iper-valutação do Real) e um welfare altamente desenvolvido mas caro.

Este último factor é o resultado das políticas destinadas a fazer esquecer as dolorosas dificuldades económicas e os altos custos sociais que os Brasileiros sofreram durante grande parte do século XX. Tudo justo, sem dúvidas: só que agora se está a transformar numa fraqueza.

Quando em 2003, com o “Bolsa Família”, Lula lançou um programa de protecção dos rendimentos entre os mais avançados dos Países em desenvolvimento, o Presidente fez conscientemente uma escolha: mais protecção em detrimento dum crescimento mais “robusto”.
O programa incluía uma política de “estabilidade a qualquer custo”: e este custo é agora representado pelas despesas que o Estado tem que enfrentar para manter o welfare: em 2010, estas despesas constituíram 40% de toda a economia. Não é pouco, sobretudo se pensarmos que nos restantes Países emergentes estas percentagem não vai além de 20%.

O programa Bolsa Família tem uma série de soluções (aumentos salariais, melhor welfare, estímulo fiscal, crédito a um custo muito baixo) que consentiram poupar aos Brasileiros os efeitos da crise global começada em 2008. O que aconteceu, de facto, com sucesso. Só que a crise de 2008 ainda não acabou, ninguém sabe quando acabará e a manutenção deste pacote de protecção tem custos particularmente elevados.
E faltam os investimentos, difíceis enquanto as taxas de juros do dinheiro permanecem na casa de 10%.

Doutro lado, os investimentos são travados quando as empresas médias e pequenas pensam encontrar no Brasil as mesmas margens de lucro que são possíveis na China e na Índia: para depois descobrir que o Brasil é diferente e que entre os factores negativos, por exemplo, há uma rede de infraestruturas muito mal concebida, que faz aumentar os custos.

Medidas proteccionistas como solução? Parece esta uma das vias que os políticos de Brasília podem percorrer. Mas é uma faca com dois gumes: se dum lado o proteccionismo consente, de facto, “proteger” alguns produtos locais, do outro lado expõe o País ao risco de ver os próprios produtos recusados em determinados mercados, além de que esta medida pode travar os investimentos em determinados sectores. Seria uma medida em forte contraste com o status dum Brasil grande exportador.

É por isso que alguns analistas acham que a Bolsa Família deveria ser posta no sótão. Talvez uma medida exagerada, sobretudo à luz dos benefícios que comportou; mas uma revisão parece na ordem natural das coisas, sobretudo quando são tomados em conta factores que eram desconhecidos na altura da sua implementação (a medida, lembramos, é de 2003, enquanto a crise despoletou em 2008).

As recentes intervenções do Banco Central do Brasil, que cortou de facto as taxas de interesse, ajudaram, mas não podem ser a única solução. Na classificação Doing Business Report do Banco Mundial, o Brasil ocupa a 126ª posição num total de 188 Países: baixo, demasiado baixo.

Seja qual for a decisão (revisão do welfare, baixa dos interesses, proteccionismo ou outra ainda), são precisas escolhas para que o Brasil consiga retomar o crescimento. Uma ou mais escolhas impopulares, é verdade: mas é o preço para que uma década de enérgico avanço não tenha que apagar-se lentamente.

Ipse dixit.

Fontes: Limes, The Post Internazionale, IBGE (1) (2), Agi China