Alguém pensava que os Estados Unidos abdicassem da América do Sul? Sério? Naaaaaaa…
Mas em caso de dúvidas: eis o exemplo do Paraguai.
Resumo dos últimos episódios.
Fernando Lugo, ex bispo católico, em 2008 é eleito presidente da república do Paraguai.
No passado dia 22 de Junho é destituído do cargo.
Dito assim não parece haver nada de estranho, são coisas que acontecem. Mas vale a pena gastar algumas palavras.
O procedimento de impeachement (termo inglês que indica a anulação dum mandato de chefia por parte do poder executivo) esconde uma realidade complexa que fica muito perto dum golpe de Estado.
Enquanto os media mainstream definem o evento no Paraguai como um “impedimento legal”, o economista Mark Weisbrot explica:
O Congresso do Paraguai está a tentar derrubar o presidente Fernando Lugo com um processo de impeachment, para o qual foram dadas menos de 24 horas para preparar-se e apenas duas horas para apresentar uma defesa.
Um impeachment bastante rápido, sem dúvida, quase expresso.
A principal motivação é um confronto armado entre os camponeses que lutam pelo direito à terra e as forças policiais.
Na verdade esse choque (que foi violento) representou o pretexto, pois fica claro que o presidente não tinha responsabilidades directas pelo que aconteceu: nem os adversários de Lugo conseguiram apresentar prova acerca disso. Lugo propôs uma investigação sobre o caso, mas a oposição não esteve interessada e preferiu fechar o caso com as demissões forçadas do mesmo Lugo.
Então sobra uma pergunta: qual foi o motivo real que determinou o impeachment?
O diário The Guardian explica:
O presidente também foi levado a julgamento por quatro outras acusações: o facto de ter permitido que alguns partidos da Esquerda realizassem em 2009 uma reunião numa base militar; o facto de ter permitido que 3.000 agricultores sem terra invadissem ilegalmente uma grande empresa de soja brasileira, o facto do governo dele não ter conseguido ainda capturar os membros do grupo guerrilheiro (de Esquerda) Povo do Paraguai e, para acabar, o facto de ter assinado um protocolo internacional (de esquerda) sem ter apresentado previamente a proposta ao Congresso para a aprovação.
O artigo acrescenta que os ex-aliados políticos do presidente tinham ficado “chocados” depois de Lugo ter entregue a maioria dos cargos ministeriais aos aliados da Esquerda e aos representantes da minoria moderada. E quando Lugo reconheceu publicamente que teria apoiado os candidatos da Esquerda nas próximas eleições, naquela altura acabou de cavar a própria fossa.
É óbvio que o “crime” real do presidente (que não é de Esquerda) foi o facto de aproximar-se cada vez mais à Esquerda do Paraguai, o que significa ficar mais perto dos pobres e das massas dos trabalhadores do País: estamos a falar dum País dividido, pobre, com um PIB pro-capita que é a metade do homólogo brasileiro (e que se encontra em fase de contracção), uma taxa de pobreza de 38%. Nestas condições, o bispo que pediu desculpa ao Vaticano por ter entrado na arena política é visto por muitos como um homem que conhece as problemáticas do País, sobretudo da parte mais desfavorecida, e que tenciona resolve-las.
Embora a elite do Paraguai perdeu o controle da presidência com a eleição de Lugo, têm usado o próprio poder no Senado para reverter a vitória presidencial. Um trabalho apenas “caseiro”? Ao que parece não.
E aqui entra em jogo a administração do simpático Obama.
Quem são afinal os adversários de Lugo? É a elite do Paraguai, formada por poucos ricos, grandes proprietários de terra (o País e essencialmente agrícola, com escassa produção mineraria ou industrial) que têm um relacionamento antigo com os Estados Unidos; e foi mesmo Washington que, segundo um esquema bem experimentado em toda a América do Sul, apoiou a ditadura de Alfredo Stroessner até 1989. Uma democracia jovem, portanto, com muitos que ainda têm saudade dos “bons tempos idos”.
Mas os Americanos não deixaram o País: o Departamento da Defesa dos EUA ainda fornece assistência técnica e formação na obra de modernização das forças armadas do Paraguai. E Lugo não trabalhou para cortar esta cooperação entre os exércitos dos dois Países.
Dito de outra forma: a elite de Direita sabia de poder contar, em caso de problemas, com o longo braço de Washington. E por isso nada acrescentaram nestes dias as viagens de última hora dos líderes dos Países vizinhos para evitar aquele que muitos definem como um golpe de Estado. A decisão tinha sido tomada, e não é difícil adivinhar uns “aconselhamentos” chegados dos Estados Unidos, juntamente com o constante apoio político e também financeiro.
Significativas as reacções nos Estados Unidos perante o desenrolar-se dos acontecimentos.
Business Week:
Enquanto o Senado do Paraguai levava em frente o processo de impeachment, o Departamento de Estado indicava que estava a monitorizar atentamente a situação.
Darla Jordan, porta-voz do Departamento dos Assuntos do Hemisfério Ocidental:
Estamos cientes de que o Senado do Paraguai votou em favor do impeachment do presidente Lugo. Pedimos a todos os Paraguaios para agir de forma pacífica, com calma e responsabilidade, no espírito dos princípios democráticos do Paraguai.
Nada mais? Nada mais.
Nem uma palavrinha acerca do respeito por um presidente democraticamente eleito pelo povo? Nem uma palavrinha.
Claro está: nunca será encontrada a prova provada do envolvimento directo dos Estados Unidos nos acontecimentos do Paraguai (eventualmente será possível falar disso na altura da desclassificação dos documentos, algo que acontecerá nos próximos 40 ou 50 anos…), mas não é preciso muito para adivinhar que em Washington a notícia do golpe foi muito bem recebida. E que as ajudas políticas, económicas, tal como determinados “aconselhamentos”, nunca deixaram de chegar em Asunción.
Após as Honduras, eis a vez do Paraguai.
Obama 2, Resto de América 0.
Ipse dixit.
Fontes: The Guardian, The Guardian (2), Businessweek, Global Research