Site icon

A velhinha e a rua

 Nos bons tempos idos (por assim dizer) a guerra era feita para salvar o mundo de horríveis ameaças.

A Segunda Guerra Mundial queria travar o poder de Hitler, a guerra do Vietnam servia para parar a avançada do Comunismo, mais recentemente os Estados Unidos salvaram a civilização das armas de destruição maciça de Saddam Hussein. E não podemos esquecer a invasão do Afeganistão, contra o terrorismo.

No últimos anos, pelo contrário, houve uma mudança de rumo: agora as guerras servem para defender os direito humanos. É normal, considerado que temos um presidente dos Estados Unidos que é Nobel da Paz.

É uma mudança importante, que vê no arsenal militar uma acrescida importância das novas armas: as organizações humanitárias. E se o regime da Síria utiliza o exercito, os Estados Unidos confia na obra demolidora de Amnistia Internacional e Human Rights Watch.

Estas organizações representam actualmente a ponta de lança do intervencionismo americano: não apenas fornecem as bases teóricas e morais que justificam as operações militares, como também catalisam as atenções e a revolta de milhões de pessoas em todo o planeta perante as alegadas violações dos direito humanos mais elementares.
Pessoas que nem sequer sabem onde fica Síria, por exemplo, mas que não poupam umas lágrimas perante as imagens das centenas de crianças assassinadas pelo regime. E se as imagens forem falsas, paciência, são coisas que acontecem.

“Direitos humanos” é a expressão de ordem, faz parte da grande vaga dos direitos inalienáveis que mergulham as nossas vidas e que justificam as decisões tomadas por outros, não por nós. Provavelmente nunca os seres humanos gozaram de tantos direitos e ao mesmo tempo nunca tiveram tão pouca autonomia para decidir as própria vidas. Não admira, portanto, que os Estados Unidos decidiram auto-proclamar-se defensores de todos os direitos de todos. E desculpem a redundância.

Sob a presidência de Obama, o imperialismo dos EUA aparece como um protetor dos povos do planeta. Guerras de pilhagem e conquista (Líbia., lembram?) são apresentadas como puros actos de nobreza e serviço à humanidade. Isso claro está, com a ajuda das organizações humanitárias.

Em meados de Maio, milhares de ativistas anti-guerra protestaram contra a cimeira da Nato em Chicago, e Amnistia Internacional organizou a chamada “cimeira sombra” na qual participou a sinistra Madeline Albright. A vida desta mulher (de origem hebraica, olhem só) daria para escrever um livro que seria óptimo para assustar as crianças antes de adormecer, mas aqui importa salientar o apoio dela na guerra que os EUA travam no Afeganistão.

Uma democrata em favor do conflito no Ásia? Com certeza: a simpática Madeline e Amnistia Internacional toda concordaram que a guerra no Afeganistão é necessária para o bem das mulheres afegãs.
Sim, é verdade: foram os Estados Unidos que gastaram biliões de Dólares com a Arábia Saudita e o Paquistão para ajudar os islâmicos a derrubar o antigo governo do País, o mesmo que procurava a plena igualdade das mulheres no Afeganistão.

Mas estes são pormenores, quem hoje desperdiça o próprio tempo na leitura dos livros de história? Eis portanto que poucas décadas mais tarde Amnistia Internacional saúda as tropas americanas como as grandes defensoras dos direitos das mulheres afegãs.

Amnistia Internacional e Human Rights Watch denunciam a Rússia e a China como inimigos dos direitos humanos na Síria, porque vetaram um ataque militar ocidental naquele País. É tempo de actualizar o nosso software: contrastar uma invasão militar significa ser inimigo dos direitos humanos.

Amnistia Internacional e Human Rights Watch estão a fazer campanha em favor das guerras, causalmente as mesmas guerras que Washington planeia. Foram as tais organização que forneceram grande parte da munição propagandista na guerra da Nato contra a Líbia, foram elas que deram credibilidade às mentiras dum iminente massacre em Bengazi.

Amnistia Internacional e Human Right Watch definem um novo tipo de direito humano que pode existir fora de conceitos básicos do direito internacional como a simples soberania nacional. As duas organizações são a chave que permite arrumar duma vez por todas com as ideias de Estado soberano, de “independência”, de “autonomia”: o novo direito humano é algo que tem um passaporte sempre em dia, pode entrar em qualquer País e determinar o destino deste.

Séculos de diplomacia directamente para o lixo, o direito humano decide hoje quem merece ser alvo dum bombardeio e quem, pelo contrário, pode viver em paz (azar dele, fica assim sem direitos).

É um pouco como ajudar uma velhinha a atravessar a rua. Mesmo que ela não deseje, tem que atravessar a rua, e chegará do outro lado em qualquer caso, nem que seja como cadáver.
Afinal é um direito dela.

Ipse dixit.