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Má fé

Em verdade, em verdade vos digo: nem era para escrever algo hoje, pois há incumbências que andam por ai, inclusive um tal roteiro que tem de ser acabado. Mas aconteceu algo que ajuda a entender bem a natureza da crise no Velho Continente e que por isso vale a pena comentar.

A cena passa-se em Portugal, mas poderia ser num outro País qualquer da Zona NEuro.

Diário Público, passada Sexta-feira:

A Direcção-Geral do Orçamento (DGO) divulgou nesta sexta-feira os
números da execução orçamental, que mostram que as receitas fiscais
estão a ter um desempenho pior do que o previsto, tal como o ministro
das Finanças, Vítor Gaspar, já tinha admitido na reunião do Eurogrupo.

O
défice do Estado rondou os 2700 milhões de euros nos cinco primeiros
meses do ano, mais 35% do que em igual período do ano passado, fruto não
só da queda da receita fiscal, mas também do aumento da despesa.

“Não
obstante não se poderem fazer extrapolações lineares para o conjunto do
ano, a informação agora disponível sugere um aumento dos riscos e
incertezas da execução orçamental”, alerta o documento da DGO.

Os
dados mostram que, até Maio, as receitas fiscais caíram 3,5%, mais do
que tinha acontecido até Abril. Com impostos indirectos, onde se conta o
IVA, diminuíram 5,9%. Neste imposto sobre o consumo, as receitas caíram
2,8% até Maio, enquanto no Orçamento do Estado está previsto um aumento
de 11,6% em todo ano.

Aquela que pode ser a evolução mais preocupante, para a qual o ministro das Finanças advertiu ainda antes de serem conhecidos os dados da DGO, vem do lado dos impostos directos, em particular do IRC.

Se,
até Abril, se registou uma subida de 3,3% de todos os impostos directos
em relação ao mesmo período de 2011, agora, o aumento foi de apenas
0,3%.

As receitas arrecadas pelo Estado em IRC diminuíram 15,5%, o
que quer dizer que houve apenas uma ligeira recuperação (de 0,1 pontos
percentuais) em relação ao que acontecera entre Janeiro e Abril.

No IRS, houve uma melhoria, registando-se até Maio uma subida de 12,3% nas receitas em relação ao mesmo período do ano passado.

O
défice global das administrações públicas – onde se engloba o Estado, a
Segurança Social e organismos autónomos, como hospitais e universidades
– situou-se em quase 1700 milhões de euros, abaixo do que se registou
até Abril.

A despesa efectiva do subsector Estado apurada até
Maio rondou os 17.500 milhões de euros, ou seja, mais 2% do que no ano
passado. Mas, sublinha o Governo na explicação destes números, fica
aquém do objectivo estabelecido no Orçamento Rectificativo apresentado
em Março em apenas 5,4 pontos percentuais, em termos de grau de
execução.

Para esta subida, o Governo destaca o aumento da
despesa com o pagamento de juros e outros encargos – até Maio,
registou-se um aumento de 80%, quando o objectivo previsto no Orçamento
do Estado (para todo o ano) apontava para um crescimento de 21%.

Parte
do aumento vem do pagamento de juros dos fundos emprestados a Portugal
pela União Europeia e o FMI no quadro do empréstimo total de 78 mil
milhões de euros acordado mediante a assinatura do Memorando de
Entendimento com a troika.

Aqui, o Governo enumera juros
de cerca de 190 milhões à União Europeia e 90 milhões ao FMI. E
acrescenta nas explicações sobre o comportamento da despesa o aumento
das transferências correntes para a Segurança Social em 4,3% e o
crescimento das transferências correntes para o orçamento da UE e da
Comissão.

As despesas com pessoal baixaram 7,3%, apesar de a
descida ainda não reflectir a redução associada à suspensão dos
subsídios de férias e Natal, assinala o Ministério das Finanças na Síntese da Execução Orçamental.

A recessão e o desemprego estão também a atingir as contas da Segurança
Social. A receita proveniente das contribuições e quotizações caiu 3,1%
até Maio, ao passo que a despesa efectiva disparou 6%, aproximando-se
dos 6300 milhões de euros.

Para este aumento da despesa
contribuiu, sobretudo, a subida dos encargos com as prestações sociais
em 5,1%. É o caso, por exemplo, dos pagamentos de subsídios de
desemprego, que cresceram 23% nos primeiros cinco meses do ano.

Com isto, o excedente da Segurança Social ficou nos 315,3 milhões de euros, menos 427,9 milhões do que até Maio do ano passado.

Moral da história: as pessoas têm menos dinheiro. O que significa que gastam menos. O que implica que o Estado arrecada menos. É absolutamente normal e natural, os Leitores mais antigos com certeza lembrarão de quanto já afirmado neste blog.

Por isso, admitimos a boa vontade e a honestidade do governo: teve o tempo necessário e suficiente para implementar as medidas impostas pela dupla FMI-BCE (mais algumas medidas de austeridade extra, porque o masoquismo mora neste País), agora tem à disposição os elementos para avaliar os resultados.

E os resultados são negativos.
Não é uma opinião pessoal: são os dados que assim falam.

Perante uma tal situação, qual seria a lógica consequência? Seria algo do tipo: “Ok, experimentámos, não resultou, chegou a altura para mudar de rumo”. Ninguém poderia culpar o governo (mais ou menos…), afinal foi coerente com os próprios ditames político-económicos.

Mas agora os dados falam de forma clara: a austeridade não funciona, o que faz é diminuir as receitas fiscais e aumentar o desemprego. Nem consegue afastar a hipótese duma re-negociação da dívida, pelo contrário, esta aparece como um percurso cada vez mais provável.

Então?
Então eis a reacção do Primeiro Ministro:

O primeiro-ministro garantiu nesta segunda-feira, no Parlamento, que o
Governo não vê, neste momento, necessidade de apresentar ao país mais
medidas de austeridade. Mas não descartou a possibilidade de o cenário
se alterar.

 “Se isso for necessário, assim o farei”, garantiu Pedro Passos Coelho,
no debate de apresentação da moção de censura do PCP ao Governo.


antes, Pedro Passos Coelho afirmara que nunca se “furtou” a comunicar
medidas “antipáticas” ao país. O primeiro-ministro voltou a frisar que
tudo fará para que as causas desta crise económica sejam erradicadas.
“Estamos a fazer tudo para nunca mais termos de passar por outra crise
igual”, disse.

O deputado comunista João Oliveira perguntou ao
primeiro-ministro se está a preparar novos cortes nos subsídios de
férias e de Natal. Já o líder parlamentar do BE, Luís Fazenda,
questionou o governante sobre a possibilidade dos cortes nos subsídios
dos funcionários públicos serem alargados ao sector privado. “Garante
aqui hoje que não vai aplicar uma sobretaxa aos subsídios de Natal e
férias do sector privado?” Fazenda questionou ainda o Governo sobre o
que pretende “confiscar” nas Parcerias Público-Privadas.

Passos
Coelho reiterou que o Governo tomará todas as medidas necessárias que
visarem a execução do Orçamento do Estado e voltou a acenar com as metas
que o país está obrigado a cumprir para consolidar as contas públicas.

Isso significa que o governo pretende continuar a seguir o mesmo rumo: austeridade. Mesmo que isso não funcione, mesmo que as evidências apontem para um fracasso. Porquê?

Porque o fim último desta crise é a privatização do Estado. Não tenham dúvidas: as medidas são para ficar, no mínimo até quando o Estado não estiver desmantelado totalmente. Depois poderá haver uma pequena melhoria. Pequena, pois na altura os serviços estarão todos nas mãos dos privados (que em Portugal significa as 4 ou 5 pessoas do costume).

É para isso que trabalha a governo. O bem estar dos Portugueses é algo totalmente secundário, não entra na equação. É por isso também que haverá renegociação da dívida portuguesa: é um passo necessário para difundir a percepção de que a situação do País é desesperada e que novos sacrifícios são necessários.

A crise toda foi pensada com este fim? Complicado afirmar isso. Há teorias que apoiam este ponto, mas as coisas não são tão simples. O que podemos afirmar é que na Europa a crise está a ser utilizada para alcançar determinados objectivos, dos quais um é a privatização dos serviços até hoje públicos. Um “emagrecimento” forçado do Estado em prol dos privados.

Nenhuma novidade, portanto, apenas uma clara confirmação.

Entretanto, a lista dos Países falidos aumenta: seja bem vinda Chipre, que mesmo hoje formalizou o pedido de resgate à União Europeia.

E a Espanha, sempre hoje, avança com um pedido de resgate destinado aos bancos. Um quarto dos Espanhóis não encontra emprego e o governo pede ajuda para os bancos. Com certeza.

Que avance o próximo.

Ipse dixit.

Fontes: Público (1), Público (2), Público (3), Expresso