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Palavras

Mais uma vez: as palavras.
Que são os instrumentos com os quais descrevemos a realidade: ao mudar as palavras, mudamos a realidade.

No passados dias 20 e 21 de Maio, em Chicago, houve a reunião dos 28 Países da Nato. Uma ocasião para celebrar “mais de 60 anos sem conhecer verdadeiras guerras”.

Pois. Porque a primeira guerra do Golfo (1991), a guerra na Somália (1992), na Bósnia (1995), na Sérvia (1999), no Afeganistão (2001), no Iraque (2003) e na Líbia (2011) não eram verdadeiras guerras, eram mais “missões humanitárias” ou “operações de paz”.
Na realidade, o que a Nato festejou foram mais de 60 anos sem guerra nos territórios dos Países Ocidentais. O que é ligeiramente diferente. Mas não importa.

Afinal esta é a força das palavras.

Wikipedia, por exemplo define a Nato como “a organização constitui um sistema de defesa colectiva na qual os seus
Estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por
qualquer entidade externa”.

Desta forma, caso um País da Nato seja atacado, a Nato intervirá no âmbito da defesa.
E quando não houver ataques? Neste caso será uma operação “humanitária” ou operação “de paz”.

Por isso é virtualmente impossível que a Nato “ataque” um outro País: seja como resposta perante uma ameaça, seja como operação para salvaguardar a paz, com uma cuidadosa utilização das palavras o papel da Nato será sempre “defensivo”, no máximo “preventivo”.

Dito de outra forma: a Nato estará sempre do lado do Bem. Sempre, e disso não pode haver dúvidas.

Afinal estamos no campo da semântica, como bem sabe o simpático presidente Obama.

A redefinição do civil

Os Estados Unidos utilizam os drones para atacar alegados terroristas no Afeganistão. O problema é que os drones, apesar da definição exótica e high tech, são bombas voadoras: uma versão mais refinada das V-2 nazi. E, como todas as bombas voadoras, carecem de inteligência, mesmo que telecomandadas: limitam-se a cair e explodir.

Resultado: morrem os alegados terroristas, morrem os civis. Aliás, parecem morrer mais civis do que terroristas.

Com a recente publicação do livro de Daniel Klaidman, Kill or Capture, fica amplamente comprovado que o actual inquilino da Casa Branca sabia das mortes dos civis desde os seus primeiros dias no cargo.

Até agora pensava-se que o presidente não tivesse consciência dos pequenos “erros” dos drones; doutro lado o grau de inteligência do indivíduo e o seu papel de marioneta jogava em favor desta hipótese.

Bob Woodward, por exemplo, tinha relatado que o presidente só foi informado pelo chefe da CIA, Michael Hayden, de que os ataques tinham falhado alguns dos objectivos principais mas que, mesmo assim, os mortos eram militantes da Al Qaeda.

Agora também o correspondente de Newsweek, Daniel Klaidman, revela que Obama sabia das mortes dos civis passadas poucas horas dos ataques. Segundo Klaidman, Obama tinha ficado descontente e também questionava de forma agressiva as tácticas utilizadas pelo militares e, sobretudo, pela CIA.

Mas a voz de Obama conta o que conta na Administração. E os ataques dos drones continuam até hoje. Por isso a solução adoptada foi outra.

Afinal o que é um “civil”? Um civil é uma pessoa sem armas e sem farda. Isso agora. Mas no prazo de cinco minutos pode transformar-se num militar ou até num perigoso terrorista. Em outras palavras: um civil é apenas um inimigo potencial.

Eis explicado porque Obama adoptou um método de contagem das vítimas civis
que consegue baixar os números dos “erros” dronescos. A Administração do simpático Obama agora considera como combatentes todos os
homens em idade militar numa zona de ataque. A não ser que os serviços de intelligence consigam demonstrar a inocência deles.

Pormenor se calhar duma certa importância: esta operação de reconhecimento pode ser efectuada somente depois do ataque, não antes.

É uma metodologia que comporta alguns problema, sobretudo do ponto de vista dos civis, mas que permite que a Administração baixe consideravelmente o número das vítimas não desejadas. E Obama sai mais uma vez ilibado, o que é fundamental sobretudo num ano de eleições:  porque com a nova definição de civil, se este for numa zona de ataque deve ser obrigatoriamente um perigoso inimigo.

Então o ataque é plenamente justificado. Yes We Kill.
Não era um perigoso inimigo? Pena, Yes We Are Sorry.
Mas ficará sempre a dúvida: que raio estava a fazer um civil perto dum alegado terrorista? Esquisito, muito esquisito…

O almirante
Dennis Blair, ex-director da National Intelligence:

É coisa politicamente vantajosa fazer poucas vítimas civis, não ter vítimas americanas, transmite uma sensação de firmeza.
E calha bem internamente, só é impopular nos outros Países.
Qualquer dano que ele causar ao interesse nacional só aparece no longo
prazo.

A palavras, meus senhores, as palavras…

Ipse dixit.

Fontes: The Bureau of Investigative Journalism, Wikipedia