O Capitalismo e os horizontes sem limites

Costanzo Preve é uma pessoas esquisita.

Nascido em Valenza, cidade do Norte de Italia, perto do rio Po, onde são produzidos biscoitos e jóias de ouro, Preve desde cedo foi atacado por uma grave doença: o Comunismo.

Apesar disso, conseguiu estudar e entrar em contacto com os intelectuais políticos do seu tempo, com os quais estudou: Jean Hyppolite, Louis Althusser, Jean-Paul Sartre, Roger Garaudy, e Gilbert Mury.
Uma vez acabada a universidade, Preve finalmente assumiu a própria diversidade e entrou no Partido Comunista Italiano, no qual ficou até este desaparecer.

Então Preve começou a recuperar não o Comunismo mas Marx. E percebeu. Percebeu que Marx não era comunista: Marx era um economista e um idealista. E mais: nem era tão original, pois as bases de Marx podem ser encontradas em Hegel.

Hoje Preve é uma pessoa finalmente tratada, que tenta recuperar o Marxismo numa visão antropológica, não comunista.

O Marxismo é outra coisa, é um -ismo sistematizado, mas Marx nunca sistematizou o próprio pensamento. Este foi produzido ao longo de 20 anos por Friedrich Engels e Karl Kautsky. A cena primitiva do Marxismo, para utilizar a linguagem de Freud, é uma forma de positivismo
de esquerda na tradição progressista do Iluminismo.

Preve é hoje um Marxista, não um Comunista. Esta é uma diferença importante. Ao ponto que Preve dialoga com Alain de Benoist, cujas raízes ideológicas podem ser encontradas na extrema direita, e admira Marine Le Pen. Coisa que obviamente faz enfurecer todos os Comunistas. Mas Preve simplesmente não liga e continua na procura duma sociedade melhor, baseada numa verdadeira análise de Marx. E não do Comunismo.

Esta é uma entrevista de Asia Times.

Professor Preve, de acordo com o seu ponto de vista marxista, podemos dizer que a globalização é o estágio final do capitalismo?

Esta obsessão da fase final tem levado a muitos erros no passado, devemos ser cuidadosos em usar essas palavras. A história nega categoricamente qualquer diagnóstico de fase final. A globalização é a fase final do capitalismo? Eu realmente não sei, não usaria essa expressão. Ao contrário do homem, que passa da juventude à maturidade e depois à sua fase final, a história continua enquanto a Terra gira em torno do Sol.

Eu diria que a globalização é um novo padrão, um salto quântico na produção do mundo capitalista. Mesmo imperialismo do século 19 era uma espécie de globalização: ao estudar Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein, vê-se que o comércio mundial já existia em 1500, mas mesmo que os navios espanhóis, portugueses, holandeses e ingleses pudessem chegar a qualquer porto, essa tendência não era ainda puramente económica. A globalização é a lógica da produção capitalista na sua essência.

Então o desenvolvimento histórico teve que esperar o desenvolvimento da tecnologia moderna?

Faltava a tecnologia, claro, mas talvez mais importante havia ainda grandes áreas do mundo pré-capitalista, com escravidão, feudalismo, aristocracia. Portanto, não é apenas uma questão de tecnologia, mas de saturação geográfica. A globalização é a saturação do mundo capitalista: não acho ser esta a sua fase final, mas certamente é um momento crucial na história humana.

Na sua revisão da história da dialéctica do capitalismo, já definiu o capitalismo como “horizonte ilimitado” contra o “metron”, o sentido grego do limite e de harmonia. O que sugere é uma ré-apropriação do “limite” em contraste com a fome sem fim, o desejo de acumular infinito da globalização. Não acha que esse caminho inteiramente dentro da cultura ocidental, pode soar estranho para as sociedades chinesas ou indianas?

O cristianismo medieval, depois da cultura grega e da romana, são internas ao mundo ocidental. O colonialismo exportou militarmente  tudo isso a partir da da Europa durante os séculos 17, 18, e 19.

Na Ásia, havia civilizações antigas com as suas identidades desenvolvidas de forma bastante diferente do que chamamos judaico-cristão.

O impressionante sucesso do capitalismo em países como China, Índia, Tailândia, Malásia, Coreia do Sul, mostra que não estamos seguindo um Calvinismo secular, porque isso só faria sentido dentro de uma história ocidental. Na minha opinião, é mais um sinal de que o capitalismo provocou profundos conflitos existentes nestas culturas, mesmo que as principais tradições nacionais tivessem sido completamente diferentes. Acredito que a globalização gerou uma tempestade, um tsunami económico, o que talvez não uniu o mundo, mas criou uma série de problemas comuns que nos séculos anteriores não existiam.

A teoria marxista diz que o capitalismo carrega dentro de si as contradições que levam à sua superação. No entanto, as previsões marxistas nunca foram realizadas e o capitalismo globalizado (ao contrário dos Estados) aparentemente goza de excelente saúde. A classe operária, primeiro vista como um possível veículo para a mudança, está em desordem: em qual identidade colectiva podemos encontrar uma alternativa?

O neo-capitalismo traz com ele muitas contradições. Por exemplo, é incompatível com qualquer forma de economia keynesiana. Para enfrentar uma crise uma Nação desvaloriza a moeda ou desvaloriza o custo do trabalhista. O caso da Europa é cristalino.

A União Europeia foi fundada num modelo neo-liberal, certamente não social-democrata. Isso significa equilíbrio orçamental e luta contra a inflação monetária. Se um Estado perde o controle sobre a moeda nacional, a única coisa que pode dar-lhe uma vantagem competitiva é a desvalorização da força de trabalho. Esta e´a nossa situação, e é por isso que sou contra esta Europa. Não vejo alternativa senão a de voltar às moedas nacionais.

O Euro tem sido um erro histórico. O seu objectivo era tornar a Europa uma entidade competitiva na globalização. Consequentemente, o continente já não é capaz de lidar com a globalização, mas será puxado cada vez mais dentro da lógica mais perversa: a desvalorização do trabalho humano. A globalização tem sido a descentralização da produção do trabalho, a insegurança, a flexibilidade e a falta de futuro. O próprio facto de que estas coisas sejam ditas apenas por forças marginais, como Beppe Grillo em Itália ou Le Pen na França, significa que o establishment, Direita e Esquerda, que tem o acesso aos media, decidiu apoiar o Euro escondendo as verdadeiras consequências desta escolha. É por isso que vivemos numa esquizofrenia que tende a piorar com a idade.

O leitmotiv da globalização são os direitos humanos, à primeira vista este parece ser um aspecto positivo da universalização. No seu livro O Bombardeio Ético ataca a filosofia dos direitos humanos com “geometria variável”.

Os direitos humanos desempenham a mesma função do “fardo do homem branco” durante a era colonial: a difusão da civilização ocidental contra a barbárie, com os missionários e as canhoneiras. Eu acho a política do direitos humanos totalmente negativa.

Teoricamente falando, os direitos humanos derivam da teoria do Jusnaturalismo, uma teoria já conhecida pelos estóicos, levada em frente pelo cristianismo e que tomou a forma actual com o trabalho de muitos pensadores em 1500-1600.

O conceito começou a declinar em 1800 com a ascensão do positivismo de David Hume, o fundador da moderna economia política, que criticou a teoria dos direitos humanos, argumentando que tal direito não existe e que a “única coisa que realmente existe é o inclinação das pessoas para a troca.

Aqueles que falam de direitos humanos fazem um inútil exercício de metafísica. Porque esses direitos humanos, destruídos com o nascimentos da política económica britânica, são agora recuperados, especialmente após os julgamentos de Nuremberg, como uma ideologia ocidental de controle?

Os direitos humanos são um ideal com geometria variável, porque quem decidir o que é humano e o que não é são as principais oligarquias económicas e os líderes destas: os professores universitários e os jornalistas. A Esquerda adoptou plenamente a teoria dos direitos humanos de geometria variável.

Esta teoria torna impossível qualquer análise do mundo, estrutural, económica e social. Estamos sempre diante de um ditador contra todo um povo, seja Slobodan Milosevic, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi ou agora o presidente da Síria, Bashir al-Assad.

Por isso, é cada vez mais impossível analisar as contradições históricas e as razões sociais e religiosas. As pessoas são artificialmente sobreposta a este ponto de vista aparentemente justo, mas na verdade errado, porque é a premissa de uma intervenção militar sangrenta.

Vivemos numa era puramente orwelliana: a guerra se chama paz, os soldados no Afeganistão são chamados “mantenedores de paz” mas são mobilizados contra os insurgentes em nome de interesses geo-estratégicos dos Estados Unidos. Na realidade, é impossível atingir o objectivo da política dos direitos humanos: uma verdadeira universalização da condição humana em todo o mundo. É o equivalente moderno da teoria racial de Hitler. Sei que esta frase pode parecer loucura, extrema e paradoxal, mas acho ser esta a verdade.

Os meios de comunicação apenas descrevem a globalização, ou, como diz Noam Chomsky, têm também um importante papel de apoio ideológico?

Cícero escreveu: “Não entendo como o aruspice [o adivinho dos Romanos, ndt] não desatou a rir quando nos encontrou. Eu pergunto porque os jornalistas não fazem o mesmo. Os principais meios de comunicação vêm dizendo há mais de um ano que o governo de Assad está prestes a cair na Síria, mas Assad ainda detém o poder e alguém da oposição, al-Qaeda ou outros, usam bombas contra os civis.

Vivemos o paradoxo no qual os nossos rapazes são ruins, enquanto os outros parecem relativamente normais. Os media criaram um universo paralelo para guiar o mundo real na direcção escolhida pelos oligarcas. Os meios de comunicação agora têm a mesma função que os alto-falantes, ou melhor, os sacerdotes durante a Idade Média. […]

A sociedade em que vivemos é sempre tripartidas, com bellatores, oratores e lavoratores [são as três ordens que compõem a sociedade tripartita medie­val: oratores (aqueles que rezam), bellatores (aqueles que combatem) e laboratores (aqueles que trabalham), ndt]. A primeira camada é a oligarquia financeira, em muitos aspectos transnacional mas fundamentalmente enraizada no nível nacional. Em seguida, há o clero. E depois a grande massa dos trabalhadores que estão divididos porque, obviamente, não há nada em comum entre os trabalhadores garantidos da Europa e a massa dos pobres do Terceiro Mundo.

É agora um pensamento comum que o centro do poder mundial está a mudar-se para Oriente. A administração Obama está a ajustar a sua doutrina estratégica para enfrentar a China no Pacífico e na África. É verdade que o declínio da Europa é inevitável?

Antes de responder, deixe-me dizer que, apesar do seu crescimento internacional, a China não quer exportar o seu modelo: na cultura chinesa não há traços de missões que trazem a verdade aos outros num mundo onde não existem limites naturais mas apenas fronteiras.

A expansão chinesa em África é só económica. Desde que a África deixou de ser o quintal de França e Grã-Bretanha, Pequim começou a busca de matérias-primas na competição geo-estratégica com Washington. Os interesses americanos no Oriente começaram a tomar forma durante a Segunda Guerra Mundial, a vasta rede de bases militares norte-americanas no Atlântico ou no Pacífico mostra que Washington continua ancorada ao velho esquema, apesar do declínio da Europa.

Na verdade, a Europa suicidou-se e já não existe como uma entidade política. A Europa de 1989, com o colapso do comunismo, perdeu a chance de obter a sua independência.

Falando recentemente para o Europe´s Day, o presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy, disse que nunca existirão os Estados Unidos da Europa.

A existência dos Estados Unidos da Europa implicaria o desmantelamento das bases norte-americanas: como poderia teria existido a democracia ateniense com bases espartanas juntas da Acrópoles? A Europa decidiu desaparecer como consequência do sentido de culpa política para o Holocausto.

A religião do Holocausto trouxe a Europa para um estado de imaturidade perpétua. A mensagem é esta: se deixados sozinhos, nós Europeus voltaremos a cometer crimes horríveis, não podemos ser deixados sozinhos, precisamos sempre de alguém que controle, porque fascistas e comunistas estão sempre prontos a tomar o poder. Esse “alguém” é, obviamente, o império americano.

Ipse dixit.

Fonte: Asia Times

3 Replies to “O Capitalismo e os horizontes sem limites”

  1. Olá Max:pessoalmente não sou chegada a intelectuais teóricos, em função da seu geralmente desmedido distanciamento da realidade. Os mais preocupados em acercar-se do mundo vivido, reportam-se a história e suas lições, os melhores entra eles, fazem da interpretação histórica uma ferramenta útil para indicar procedimentos viáveis, na contramão da submissão.A maioria das pessoas apreciam opiniões de intelectuais. Então um intelectual que se diga marxista(estes sempre tiveram a sua fama), e proponha a retomada da soberania econômica pelos estados europeus, vem a calhar.Se muitas vozes assim se levantam, juntamente com as de militantes, e gente comum, são várias marteladas contra um muro de pensamento/ação predominante. Pode acabar rachando o muro, não?
    Abraços

  2. Max, taí o gato escondido com o rabo de fora.
    "A religião do Holocausto trouxe a Europa para um estado de imaturidade perpétua. A mensagem é esta: se deixados sozinhos, nós Europeus voltaremos a cometer crimes horríveis, não podemos ser deixados sozinhos, precisamos sempre de alguém que controle, porque fascistas e comunistas estão sempre prontos a tomar o poder. Esse "alguém" é, obviamente, o império americano."

    O IMPÉRIO NÂO TEM UM DONO. Trocentas informações históricas arrumadas ao gosto das crenças, e criando zeros e mais zeros nesta equação que, reduzida à expressão mais simples da escolha, evidencia a manipulação do poder (grana pesada = banqueiros) financiando a eterna guerra entre os supostos oponentes/partes desse programa de eu sou assim e preciso de um senhor que me mantenha em permanente fratricído para a manutenção do escravagismo (invisibilizado) pelo, sempre o mesmo vencedor, o mesmo reciclado "IMPÉRIO". O "império" é uma abstração, uma palavra para designar uma ideologia corporativa que muda de lugar na geografia de acordo com a estratégia do SEU poder.

    "Precisamos sempre de alguém que controle"… E tome casa grande e senzala.
    E a massa infantilizada e aterrorizada de todas as maneiras, aceita estas falsas premissas em programas, (cavalos de Tróia), milenares e "religiosamente" reciclados por laicos e eclesiastas sob a capa da "importancia" da erudição e intelectualidade a serviço dessa mesma casa grande, "O IMPÉRIO".
    Sinto muito, sou grato. Segue o jogo…

  3. A propósito, sobre o entendimento da tal globalização e o império – segue o vídeo:

    Os Três Poderes de Dominação Global:

    – Império Americano
    – Islamismo
    – Império Russo Chines ou o Comunismo

    Tudo, é claro, com os "Metacapitalistas" envolvidos junto ao mercado econômico e a crise.

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