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A Dívida: Bau vs. Miau

Ainda com esta raio de Dívida Pública?

Com certeza. É preciso. Lamento, mas é preciso perceber o que se passa. E não apenas perceber: é preciso ler, ingerir e digerir. Podem chama-la “lavagem cerebral”, como aquela feita diariamente pelos media, só que aqui o sentido é inverso.

Mais: é importante porque o mecanismo da dívida está ligado à Modern Money Theory, da qual falámos no recente passado.

Muitas vezes já disse que a austeridade não é a solução: pelo contrário, piora a situação.

Agora, o que digo eu não conta muito. Mas se o mesmo for dito por um economista? Mais: se for demonstrado por um economista? Mais: se for dito e demonstrado por um cão economista?

– Olá Leo.
– Saudações para todos os Leitores de Facebook.
– Não temos Facebook. Que dizer, temos mas não funciona.
– Cada vez pior este blog…
– Temos Tweeter
– Tweeter é para deficientes.
– Ok, vamos em frente. Leo, vieste para explicar algo importante acerca da dívida pública, não é?
– Claro. É preciso. Por isso vou ler alguns trechos dos Actos dos Economistas, a base histórica de qualquer estudo sério no âmbito da economia canina. Que, como sabes, é bem superior à economia humana.
– Óbvio…

– Comecemos. Livro V:

Naquele tempo existia na Terra um País feliz, chamado Ossilândia. O Deus Bau tinha feito de Ossilândia um pequeno jardim com maravilhosas florestas de urtigas, Invernos gélidos e Verões mais do que quentes, praias espectaculares não tivesse sido pelas fortíssimas correntes oceânicas que diariamente matavam dezenas de pescadores. Isso para não falar da terra, da qual brotavam deliciosas beterrabas rijas e amargas.

– Um Paraíso…
– Claro, o Deus Bau não brinca. Mas continuemos:

Ossilândia era uma País feliz, com praças frequentadas por mercantes de todas as Nações que compravam as beterrabas. As pessoas rezavam, respeitavam o Sábado e também os Domingos, um pouco menos as Segundas-feira, mas o Deus Bau gostava deste cantinho de terra. Até que um dia o sacerdote Akryb correu até o Palácio do Rei.

– Então Ossilândia tinha um Rei. E qual era o nome dele?
– Nuno. Mas vamos ler:

“Grande Rei Nuno, um praga atingiu Ossilândia!” disse Akryb.
E Rei Nuno perguntou “Fala Akryb, qual praga?”
Akryb pegou nos livros da contabilidade e explicou: “Grande Rei Nuno, o ano acabou mal: um PIB de 5 milhões de Libras e uma dívida de 6 milhões de Libras. Isso significa que o rácio dívida/PIB é de 6/5, isso é: 1,2. Dito de outra forma, Grande Rei Nuno: a dívida alcançou 120% do PIB”

– Ehhh?
– Ó Max, são contas, não é? Um rácio dívida/PIB 6/5 significa 1,2. O que, por sua vez, indica uma dívida 120% do PIB.
– Tens a certeza? É que eu com a matemática…
– Já sei, já sei…confia no teu cão, é mesmo assim.
– Ok. E depois?

O Grande Rei Nuno ficou alarmado e convocou uma reunião com todos os sábios do País. “Ó Grandes Sábios, uma terrível praga perturba as noites de Ossilândia: a dívida pública é agora 120% do PIB!” anunciou. “OHHHH!!!!” responderam os Sábios.

– Não é grande coisa como resposta…
– Os sábios não podem ser precipitados.
– Justo, Leo, justo.

Entre os Sábios havia Matusacão, o qual tinha sempre consigo uma versão portátil dos Onze Mandamentos. E assim falou: “Grande Rei Nuno, este não é um verdadeiro problema, pois o décimo-primeiro Mandamento diz Não ligar à dívida. E esta é a Palavra do Deus Bau.”

– O Deus Bau fala da dívida também?
– Claro, o Deus Bau fala acerca de tudo. Mas o Rei Nuno não estava convencido, sobretudo porque o espírito do terrível Miau tinha tomado posse da alma dele.
– Miau?
– Sim, é o vosso Satanás.
– Claro. Então que aconteceu?
– Vamos ler:

Então o Grande Rei Nuno começou a gritar “Austeridade! Austeridade para todos os filhos de Ossilândia! Fizeram a boa vida, viveram acima das possibilidades: mas agora acabou!”. E austeridade foi.

– Austeridade?
– Claro, Max: o terrível Miau fez crer ao Grande Nuno que o rácio de 120% era uma coisa terrível. Então o Rei Nuno decidiu implementar a austeridade para que o rácio voltasse a ser não mais do que 100%.
– Ahhh…e depois?
– Calma.

Passado que foi um ano, o sacerdote Akryb voltou a correr até o Palácio do Rei. “Grande Rei Nuno, Grande Rei Nuno: o rácio subiu ainda mais!!!”

– Ainda mais?
– Com certeza.
– Mas como é possível? Não tinham implementado a austeridade?
– Calma, continuemos a ler:

Naquele tempo havia numa pequena aldeia um jovem, Zé Noé, filho dum carpinteiro e duma engomadora. Zé Noé tinha sido tocado pela Graça do Deus Bau. Então foi até a cidade e pediu para falar com o Grande Rei Nuno.
“Fala Zé Noé, e que o Deus Bau ilumine as tuas palavras!” disse o Rei.
E Zé Noé assim falou: “Y = C + G + I + NX”
“Eh?” perguntou o Rei.
E Zé Noé repetiu: “Y = C + G + I + NX!”

– Zé Noé tinha alguns problemas de fala?
– Nada disso. Continuemos:

“Em verdade, em verdade eu digo: é simples” explicou Zé Noé.
Y é o Produto Interno Bruto que é formado por: 
C os consumos privados
G os consumos públicos
I formação do capital líquido
NX as exportações
Grande Rei Nuno, se no teu Reino ninguém gastasse dinheiro, se ninguém comprasse beterrabas, então ninguém ganharia nada e nem teria sentido produzir. É por isso que o PIB coincide com os gastos das famílias (C), do Estado (G), das empresas (I) e do estrangeiro (NX).”

-Ó Leo, isso é muito complicado…
– Para o teu cerebrinho sim, sem dúvida. Mas na verdade é simples: o PIB é a riqueza do País e a riqueza o que é afinal? A riqueza não é uma pilha de ossos ou de moedas fechadas num cofre, a riqueza é a movimentação de dinheiro, de bens. Sem todos mantivessem os próprios bens fechados num cofre, o PIB do País seria zero.
-“Zero”?
– Claro Max, claro. Qual a definição do PIB?
– Espera que vou ver…aqui, na Wikipedia diz assim: O produto interno bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano, etc).
– Viste? Diz “produzidos” não “guardados”. E como são “produzidos”? Com a aquisição de bens que permitem a criação e a venda de outros bens.
– Faz sentido.
– Claro que faz, este é um dos grandes ensinamentos de Bau:

Então Zé Noé explicou: “Meu Grande Rei Nuno, quiseram introduzir a austeridade apesar disso ir contra às palavras do Deus Bau. E que aconteceu? Aconteceu que diminuíram os salários, cortaram os serviços. Isso significou baixar o valor G. Mas ao baixar o valor G, o resultado final Y baixou também, porque Y (o PIB) é apenas o somatório de vários valores entre os quais há G.. Esta, Grande Rei Nuno, chama-se recessão“.

– Ehi Leo, a recessão!
– Óbvio. Se o PIB for formado pelos vários gastos, ao reduzir um deles reduzimos também o PIB.
– Ehi, Leo, espera. Mas isso significa que se um País estiver em crise, a solução melhor não será “cortar” mas fazer que seja possível gastar mais.
– Entendeste agora? Foi o mesmo que disse o Rei Nuno:

“Zé Noé, isso significa que se Ossilândia estiver em crise, a
solução melhor não será “cortar” mas fazer que seja possível gastar
mais” disse Rei Nuno, finalmente tocado pela Graça de Bau.
“Exacto” respondeu Zé Noé, “esta é a palavra do Bau o Omnisciente. No ano passado o PIB era 5, agora é 4. A dívida desceu? Com certeza, graças aos cortes hoje é 5. Mas atenção, Grande Rei Nuno: no ano passado o rácio era 6/5 (6 o valor da dívida, 5 o valor do PIB), que dá 120%. Hoje o rácio é 5/4 (5 a dívida, que baixou, 4 o PIB que baixou também): e um rácio 5/4 significa 125%.” 

– Fantástico Leo, muito bom mesmo, até eu percebi.
– Espantoso, de facto…
– …e que aconteceu depois?
– Aconteceu que o espírito malvado de Miau abandonou o corpo do Rei Nuno entre nuvens de fumo cinzento e chamas. Ossilândia voltou a crescer e as beterrabas surgiram mais amargas e mais rijas do que nunca.
– E Zé Noé?
– Foi crucificado para que não pudesse revelar de ter visto o Grande Rei Nuno possuído pelo terrível Miau.
– …!!!

Ipse dixit.

(Por incrível que pareça, a formula Y = C + G + I + NX com relativa explicação aparece também no blog do Professor Alberto Bagnai. O qual, esta é a única explicação, deve conhecer os Actos dos Economistas e a relativa epopeia de Zé Noé.)