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Platão e a República – Parte I

De esquerda: Sócrates, Cerezo, Platão

Meus senhores, vamos aqui falar duma das obras imortais da Humanidade.

A Bíblia? Não.
Playboy? Também não.
Vamos falar da República. Mas qual delas? É que há muitas.
Mas a nossa é só uma: a República de Platão.

Pensará o Leitor: “E onde fica esta? Nunca tinha ouvido…”.
Não, querido Leitor, a República de Platão é uma das tais obras imortais. E chama-se assim porque foi escrita por Platão.
Platão, este homem que tanto fez pela banda desenhada.

Mas antes de começar, vamos conhecer Platão, filósofo, astrónomo, jornalista, arrumador no parque da Acrópoles nos feriados.

Vida de Platão

Platão nasceu em Atenas de família nobre. Wikipedia afirma que Platão nasceu no 428/427 a.C.
Há por isso duas hipóteses:

  1. ou Platão começou a nascer perto da meia-noite do 31 de Dezembro de 428
  2. ou as fontes históricas não conseguem estabelecer uma data certa.

A escolha, como sempre, é do Leitor.
O pai tinha entre os antepassados o rei Codro enquanto a mãe estava aparentada de Sólon.
Irmãos de Platão eram Adimanto, Glaucão e Potão. Já chamar-se Adimanto ou Glaucão não é o máximo, mas Potão…

Platão recebeu uma educação tradicional e perto dos 20 anos conheceu Sócrates, que mais tarde ingressará na Selecção do Brasil. Mas na altura era ainda filósofo e Platão ficou como seguidor dele até 399 a.C. Depois deixou de segui-lo. Porquê? Porque Sócrates tinha morrido.

Em 404 Atenas perdeu a guerra contra Esparta e elegeu um governo oligárquico muito próximo dos rivais vencedores, o governo dos Trinta Tiranos. Nada a ver com o actual Grupo dos Trinta que é um remake.
Dos Trinta fazia parte o tio de Platão, Crízia, que convidou o sobrinho para participar na vida política da cidade.

Platão, todavia, ficou desiludido pela política do governo, bastante violenta e despótica.
Em 403 o governo foi derrotado e foi restaurada a democracia. E Platão ficou desiludido pela democracia também.

Pelo que, Platão pensou bem mudar de ar e refugiar-se em Megara, onde morava o amigo Euclides, outro discípulo de Sócrates (que entretanto continuava a estar morto). Depois começou um tour, uma série de viagens com as quais visitou:

  • Cirene, onde conheceu o matemático Teodoro
  • Creta
  • Egipto
  • Siracusa, na Sicília, onde encontrou o tirano Dionísio.
  • Taranto, sempre Italia, onde encontrou Arquita da escola pitagórica.

Com Dionísio as coisas não correram tão bem, pois Platão foi vendido como escravo.
Uma vez ré-adquirida a liberdade, Platão voltou a Atenas e comprou um belo jardim onde fundou a Academia. Esta escolha foi importante, porque ao longo de 20 anos Platão ensinou e recebeu pessoas ilustres como Eucnosso de Cnido (e quem é este?) ou o médico Filistão de Locri (boh?…).

Para acabar: em 361 Dionísio o Jovem pediu para que Platão voltasse em Siracusa, pois Dionísio o Velho tinha morrido. Assim Platão voltou para a Sicilia e ficou preso outra vez, pois entre Platão e os Dionísios as coisas não corriam bem, não havia nada a fazer.

Em 361 Platão voltou para Atenas e em 348 decidiu morrer.

Como curiosidade: Platão não era o verdadeiro nome dele, mas apenas uma alcunha. O verdadeiro nome poderia ter sido Aristocles. Eu acho ter sido Zé Nuno. Mas os estudiosos preferem Aristocles como hipótese mais provável, embora não perceba porquê.

As ideias de Platão

Complicado resumir as ideias de Platão. De facto, teve demasiadas ideias. Mas eu gosto de Platão (o meu ídolo é Plotino, um neo-platónico), por isso eis os pontos principais. Aliás: “o” ponto principal.

A base do pensamento de Platão é a Teoria das Ideias.
Segundo ele, existem realidades materiais (que mudam) e não materiais (que não mudam).

Isso é simples, pois as coisas que mudam são as coisas de todos os dias: uma mesa, uma cadeira, um carro. Hoje existem, amanhã estragam-se. E estas coisas são apenas cópias das Ideias, as coisas que não mudam.

As Ideias são como uma espécie de modelos (arquétipo) e como tais são eternas. A ideia de “cadeira” é eterna, enquanto a cadeira real deteriora-se com o tempo (obviamente não existe a Ideia Cadeira: existirá a Ideia de Comodidade, sendo a cadeira uma tentativa de alcança-la).

Mais: segundo Platão, estas Ideias não existem apenas na nossa mente, mas existem do ponto de vista físico. Só que não podemos vê-las, pois moram numa região chamada Hiperuranio. Mas, mesmo assim, as Ideias conseguem influenciar o nosso mundo.

Por exemplo: Platão acha que as Ideias não são arrumadas de forma caótica no Hiperuranio, mas segundo uma hierarquia. Assim, no topo da hierarquia há a Ideia do Bem, a Ideia Suprema, da qual todas as outras Ideias recebem a luz. Uma espécie de central eléctrica.

Será a Ideia do Bem uma espécie de Deus? Talvez, mas Platão não esclarece este ponto. Mau, poderia ter esclarecido.

Então: o Homem não tem possibilidade de ver as Ideias? Na verdade sim, a possibilidade existe. Só que é preciso morrer. O que, dito entre nós, é um bocado incómodo.
Segundo Platão, quando o homem morrer, a alma dele vive e consegue espreitar as Ideias através duma cortina que separa o nosso mundo do Hiperuranio. Quando a alma voltar no corpo (não sempre o mesmo corpo, que nesta altura já estará podre, outro, com a reencarnação), esquece a visão das Ideias pois confunde a realidade com o mundo sensível.

Então, o que podemos fazer, é tentar lembrar o mundo das Ideias com o “dar” e o “receber” do discurso, falando com a alma. E falar com a alma significa conhecer-se melhor (eis a influência de Sócrates).

Mas porque o diálogo com a alma (isso é, com nós próprios)?
Simples: porque a alma já viu as Ideias, conhece as Ideias, só que não se lembra. Falar com a alma, conhecer-se melhor, significa lembrar as Ideias que foram observadas antes da reencarnação.

Isso tem uma importante consequência: se as Ideias estão presentes nas almas (só não estão a ser lembradas), e como as Ideias afinal são a parte mais importante da realidade não material (da qual o nosso mundo é apenas uma cópia), isso significa que todo o conhecimento já está aqui, apenas está escondido no esquecimento da alma.

Também aqui o conceito não é difícil: pegamos na Ideia do Bem, por exemplo.
Os homens não precisam de procurar o significado do Bem, este já está presente dentro de cada um de nós. É só olhar para o nosso interior e encontrar o sentido de Bem. Com a alma, afirma Platão, e não com os sentidos é possível entender o aspecto verdadeiro da realidade.

Obviamente é impossível para qualquer homem lembrar de todas as Ideias. Só os Deuses podem fazer isso, pois vivem na mesma região das Ideias. E aqui temos de realçar como Platão fale de “Deuses”
e não de apenas um Deus (por isso prefiro Plotino, que gosta de menor confusão e fala só de um Deus).

Platão, todavia, cria uma armadilha na qual acaba de cair. se as Ideias forem sempre iguais a si mesmas, imóveis, não mutáveis, como é possível explicar as mudanças? Porque no mundo há mudanças. Afinal o mundo de Platão será uma seca monstruosa, sempre igual.

Na altura em que escreve a República (da qual falaremos de seguida), Platão muda um pouco de rumo e introduz o conceito de “causa final”. Isso é: as Ideias são o objectivo final de todas as mudanças, pois as coisas mudam na tentativa de ficar mais parecidas com as Ideias. É claramente uma tentativa para justificar a mudança da realidade.

E nem assim fica satisfeito: mais tarde cria a figura do Demiurgo, uma espécie de divindade que gera a Alma do Mundo, que representa a mudança das coisas na tentativa de aproximar-se das Ideias.
Mah, este Demiurgo parece mesmo uma solução de recurso…

Mesmo assim é um passo fundamental, porque o Demiurgo, Alma do Mundo e Ideia do Bem formam uma Tríade que mais tarde será a felicidade do Cristianismo pois faz lembrar a Santíssima Trindade. Alguns até consideram Platão como um pré-cristão, o que me parece uma enorme bestialidade.

Há mais na filosofia de Platão? Há muuuuito mais. Só que a tratar de tudo ficamos velhos. Lembrei das Ideias só porque, como afirmado, constituem a base da filosofia de Platão: afinal, são conceitos que influenciaram séculos de pensamentos humanos.

Mas agora é tempo de ler a República. Não o diário italiano, digo o livro de Platão.
Agora? Não. Na segunda parte.

Ipse dixit.