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Quem é o Maligno?

Uma vez havia o Maligno.

Bons tempos. Há um problema? É culpa do Maligno e da obra dele.

Hoje já não é assim. Há um problema? É culpa do político. Mas o político é por nós eleito. Por isso é culpa nossa. Mas nós somos condicionados pelos media. Então é culpa dos media. Mas os media pertencem aos grandes grupos de poder. Então é culpa dos grupos de poder. Que operam com os bancos. Dos quais nós somos clientes.

Assim, a culpa é de todos e de ninguém.

Os homens são hoje na terra como células cancerígenas. Multiplicam-se excessivamente, ganham volume, consomem recursos até comprometer o funcionamento do organismo. Há poluição, há extinção de espécies animais. Talvez haja também alterações do clima.

E os que querem reduzir o número dos indivíduos são os que em medida maior causam estes problemas. Curioso. Ou talvez não.

Podemos voltar atrás? Podemos individuar um Maligno? Talvez não tão mau, só um bocado, justo para poder inculpar alguém.

O Maligno é uma entidade abstracta que tem muitos nomes a segunda das religiões ou das crenças.
Para o Cristianismo é Satanás, o arcanjo caído.

Satanás no passado não tinha muito trabalho. A actividade dele era limitada aos homens e os homens eram poucos. Tudo somado, fazia uma boa vida.

Admitir a existência de Satanás hoje significa tratar dum demónio stressado. Tem 7 biliões de homens e uma miríade de bancos. Sem esquecer os políticos. Um pesadelo.
Por isso acho que Satanás não está atrás de tudo o mal que conseguimos ver.

Deve ter existido uma altura, no passado, na qual Satanás deve ter parado para pensar.
“Duzentos, trezentos, quinhentos…fogo, mas quantos são? Estes multiplicam-se como coelhos! E quem consegue dar conta do recado nestas condições?”.

Por isso reflectiu. Uma praga, tipo a Peste Negra? Antes tinham funcionado. Monótono, todavia. O que teriam pensado os homens?

“A Peste? Outra vez? Com certeza é Satanás, está a ficar velho…”.
Uma figura triste, sem dúvida.

Então eis a intuição: não algo “de fora” mas “de dentro”. Do interior. No cérebro e no coração.

Começou com a Revolução Industrial. Poderia ter sido algo bom e nos primeiros tempos tudo corria bem, nem aqueles lá “em cima” repararam em nada. Produções mais eficientes, mais riqueza, mais liberdade, eis as primeiras democracias.

Mas, na verdade, as sementes do mal já estavam a crescer. Foi uma operação muito subtil, foi como entregar um jogo perigoso nas mãos duma criança: sem cuidado, pode aleijar-se. A única maneira teria sido preparar a criança, com alguém para explicar. Mas não houve ninguém, nem um manual de utilização.

A partir dai, Satanás deixou de trabalhar: sentou-se e esperou. O mecanismo era tão perfeito que funcionava sozinho, auto-alimentava-se. Na verdade tinha anteriormente escolhido algumas pessoas para que a coisa corresse como previsto: tinha pegado uma família de hebreus, dado-lhe um escudo vermelho e pouco mais, porque afinal o deles era apenas um trabalho de manutenção. A máquina funcionava lindamente.

Mais tarde começou o divertimento: era mesmo engraçado observar os homens matar-se reciprocamente em nome da riqueza material. Na verdade esta também era uma técnica velha, já utilizada muitas vezes no passado. Só que agora atingia proporções nunca vistas: não uma mas duas Guerras Mundiais!

E acabada a segunda, Satanás teve que intervir: tinha reparado que uma terceira teria acabado o jogo, o que teria perdido toda a graça. Por isso nada de guerras, só conflitos locais.

Os homens, entretanto, não repararam em nada. Demasiado ocupados em tentar perceber o funcionamento de algo excessivamente complexo e grande, muito além das capacidades deles, continuavam a defender que sim, este era um mundo bem bom, só com apenas alguns problemas mas nada mais.

Afastaram-se dos valores que tinham conduzido a civilização desde as origens, abraçaram novos deuses, tentavam encontrar soluções impossíveis.

Satanás, nesta altura, estava a rolar-se no chão por causa das gargalhadas: os homens estavam agora tão
estupidificados que nem reparavam nas coisas mais óbvias. Chamavam de “liberalismo” uma doutrina que tornava todos escravos dos consumos. Chamavam “comunismo” algo que enriquecia apenas alguns. Estavam confusos, muito confusos: e, sobretudo, nem conseguiam perceber a própria condição.

Foi ai que aconteceu algo. Farto de rolar, Satanás levantou-se do chão, limpou-se e deu de cara com algo inesperado. Uma figura de homem. Muito bem vestido, com gravata, uma 24 horas na mão, um Blackberry na outra. Tinha um olhar esquisito, como de pessoa que não percebe.

Atrás dele havia outras pessoas. Algumas com roupa menos cuidada, outros com fardas. Alguns eram homens, outros mulheres. Até havia crianças. Eram muitos, mas muitos mesmo. E todo olhavam para ele.

Satanás levantou o braço mesmo antes de falar e foi aí que percebeu, ficando horrorizado, com um grito que morreu na garganta antes de conseguir explodir na ampla sala. Estava na frente dum espelho.

(pois, não sei se ficou claro, mas hoje não me apetece procurar na internet nem traduzir algo…)

Ipse dixit.