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Última chamada

Após anos em Portugal continuo a considerar-me Genovês. Deve ser a Síndrome do Emigrante.

Mesmo assim, tive tempo para observar a sociedade portuguesa, interagir com ela, tentar perceber o que se passa nas cabecinhas dos indígenas.

E este último ponto é um autêntico mistério.

As últimas estimativas do Eurostat acerca da força de trabalho na Zona NEuro (Fevereiro de 2012) são assustadoras: em Espanha o desemprego dos jovens aumentou de 44,4% para 50,5%. Na Grécia de 39,5% para 50,4% em Dezembro de 2011 (melhor não imaginar como pode estar agora). Em Portugal, sempre o desemprego juvenil, subiu de 26,9% para 35,4%, sem nenhuma perspectiva de melhoria, dada a deterioração das condições do mercado de trabalho.

Em termos de desemprego global, Portugal passou de 12,3 por cento em Fevereiro de 2011 para 15 por cento (ou mais) 12 meses depois.

Peter Weiss, chefe da comissão da União Europeia para Portugal:

Vimos os números e estamos um pouco surpreendidos do rápido aumento no último trimestre. Temos ainda algumas dificuldades na interpretação dos dados, pode ser que factores ligados à época não tenham sido adequadamente considerados.

Este sociopata está surpreendido. Na sua óptica de doente mental, cortar os ordenados, as reformas, facilitar os despedimentos, reduzir os serviços públicos, eliminar os subsídios e outros ainda são todos factores que deveriam fazer bem à ocupação.

A austeridade facilita a economia e a recessão aumenta o número de empregos, como é sabido.

Uma das regras que regulam a macroeconomia é aquela segundo a qual a despesa se reflecte nos rendimentos, que trazem ocupação. Este não é um dogma dalguma religião oculta, são coisas de primeiro ano de Faculdade.

Continua o indivíduo:

O ajuste orçamental está em linha e é provável que o Eurogrupo concorde com a entrega da quarta parte (do dinheiro do resgate) […] No geral, o respeito do programa está indo muito bem. O governo de centro-direita liderado por Pedro Passos Coelho deve respeitar as medidas de cortes que concordou e ir ainda mais longe, cortando os subsídios de desemprego para certos grupos com tratamento preferencial.

Eu utilizei o termo “sociopata”, mas tenho a certeza que em Psiquiatria existe um termo mais apropriado.
Um termo que inclua desprezo pelos sentimentos dos outros, atitudes graves e persistentes de irresponsabilidade e desrespeito pelas normas sociais sem esquecer o desrespeito e violação dos direitos do próximo.

Portugal está actualmente nas mãos de doentes mentais, este é um facto. Não são simples demolidores do País, pois se assim fosse não haveria surpresa perante dados que não podem ser senão negativos.
Pelo contrário, a surpresa é sintoma da total perda de contacto com a realidade.

Mas perante esta condição, qual a atitude dos Portugueses?
Resposta: zero.

Que dizer, há sim um pouco de indignação pelo facto do Sporting ter corrompido um árbitro. Mas além disso tudo continua na boa. O que é bastante preocupante.

Não está em causa a capacidade dos Portugueses de engolir e suportar tudo e mais alguma coisa. Isso deve ser reconhecido. Mas há limites, além dos quais entramos no campo do masoquismo (na melhor das hipóteses).

Até a mais paciente das pessoas, após receber uma série de marteladas nos dedos pode perguntar: “Importas-te de parar?”.
Os Portugueses não: continuam a receber as marteladas e entretanto apontam o dedo (da outra mão): “Olha aquele que rouba!”.

Sendo Italiano (em verdade: Genovês) é fácil fazer uma comparação com o meu País de origem. E em Italia está a formar-se um novo partido político (por acaso, algo de bem interessante) que já pode contar com 7-9% das intenções de voto.
Servirá? Não servirá? Interessa? O que conta é fazer algo, mexer-se. Pois ficar imóveis não adianta, de todo.
A construção duma via férrea impopular (Val di Susa) foi travada exclusivamente pelos cidadãos. Que lutaram, alguém até morreu, mas obtiveram alguma coisa. 

Em Espanha tivemos as recentes manifestações em Barcelona; na Grécia os cidadãos saem nas ruas para gritar a própria indignação, lançam molotov, deitam fogo aos bancos, apanham da polícia se for necessário.

Em Portugal, no máximo, um dia de greve geral, bem ordenados sob o controle dos sindicatos. E quem apanha da polícia são dois jornalistas atordoados. Depois tudo volta como antes. Na boa.

Não há nada.
As pessoas passam o tempo a queixar-se, mas falta qualquer capacidade organizativa. Nem parece haver tentativas. Na verdade há, mas as poucas morrem no berço por falta de participação.

Na internet portuguesa somos poucos desgraçados que gastam o próprio tempo com ideias não necessariamente correctas, mas com ideias. Que ficam onde nascem, na internet.

Os jornais reportam diariamente casos de abusos de poder, injustiças, mal-funcionamentos. Mas nada parece conseguir provocar uma reacção.

Sim, eu sei: há a história dos media que “adormecem” o povo. Mas tentamos ser sérios: há media nos outros Países também.
E poderia ser possível encontrar razões históricas, com certeza que há.

Mas dêem um pontapé na História (e isso dito por quem gosta muito dela) e abram os olhos: aqui e agora são os problemas, não no passado.

Há alguma coisa no “ser Português” hoje? Além do futebol, entendo.

Se houver, acordem, mexam-se. Eu, mesmo sendo estrangeiro, disponibilizo o meu blog para iniciativas e também posso participar em reuniões, encontros e quanto mais. Estou convencido de que seja possível fazer algo, acordar as pessoas e construir uma alternativa. É só querer fazer.

Se não houver, então fiquem na lama onde acabaram, porque isso é o que merece a vossa apatia e a falta de coragem.

E bom fim de semana.

Ipse dixit.