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Cristina e o petróleo da Argentina

Cristina Kirchner, Presidente da Argentina, na manhã do dia 16 de Abril anunciou a expropriação e a nacionalização da empresa “Yacimientos Petrolíferos Fiscales” (YPF), cujo gestão pertencia à Repsol Ibérica, propriedade do Governo espanhol e gerida por uma companhia europeia financiada pelo BCE através da participação de Banco Santander, Banco Bilbao, Unicredit, Sanpaolo Intesa, Popolare Banca di Milano, Société Générale, Credit Agricole, Eni e Deutsche Bank.

Axel Kicillov, vice-ministro da economia, é a pessoa designada para gerir a transferência das acções, das quais 51% vão para o Banco de la Nación e 49% vão para as regiões nos quais se encontram os poços de petróleo. Os Espanhóis ficarão com uma indemnização, cujo valor ainda não é conhecido.

Julio de Vido, ministro do Planeamento e Desenvolvimento Económico e Social, disse:

Por quinhentos anos, os Europeus, primeiro com os conquistadores, em seguida, com os bancos italianos, depois com o exército britânico, e finalmente com a finança especulativa gerida pelo BCE e Wall Street, derrubaram o povo da Argentina dos seus recursos naturais, ouro, prata, açúcar, petróleo, limão, água, soja, couro, para construir a sua riqueza exagerada numa míope perspectiva de escravidão, tanto que a Europa afunda esmagada numa crise que não tem soluções.
É hora de que as nações voltem com a soberania nacional, dando ao povo a propriedade do dos produtos do território nacional. O Estado assume a responsabilidade e gere os recursos para serem compartilhados como um bem comum e lança um plano de grande investimento para o trabalho de construção, emprego e recuperação.

Na conclusão do discurso no qual a Kirchner anunciava a “argentização”, lembrou o seguinte:

a Argentina é o único por agora, mas espero seja apenas o primeiro de uma longa lista de Países no mundo que não compram da China porque nós produzimos em casa. No nosso território não há nenhum artefacto com escrito “Made in China”: somos humanamente, politicamente e culturalmente contra a escravidão. Somos a favor da auto-determinação dos povos e para a restauração da soberania nacional.

Então? Que aconteceu? Aconteceu uma coisa positiva em moldes ridículos.
Explico.

A coisa positiva é que a Argentina passa a gerir a produção do próprio petróleo. Isso deveria acontecer não apenas na Argentina mas em todos os Países, não apenas com o petróleo mas com todos os recursos naturais.

Neste ponto acho não podem existir dúvidas e as críticas da Europa não têm fundamento. Repito: cada País tem que poder gerir os recursos naturais do próprio território.

Todavia é preciso lembrar alguns pormenores.
Tinha sido o falecido marido da Kirchner o entusiasta da venda de YPF, em 1993. E a simpática Cristina deveria saber donde vinham os Dólares que o marido “ganhava” enquanto governador de província.

Depois é bom lembrar que a YPF não será realmente nacionalizada, continuará a ser uma sociedade de acções. A dúvida é: será fartura para o povo ou o povo ficará com as migalhas, com grande felicidade dos caciques da burguesia local?

Outro ponto: a Argentina não é o Texas, não é suficiente uma pá para extrair o petróleo. A exploração de Vaca Muerta, por exemplo, fortes investimentos (isso é, muito dinheiro, pois são recursos “não convencionais”) e sobretudo uma tecnologia de ponta que a Argentina hoje não tem. E encontrar um investidor estrangeiro, após este melodrama, não será simples.

Pergunta: mas porque mesmo agora? Segundo alguns observadores europeus, a Kirchner quis desfrutar o momento de fragilidade da União Europeia, cuja resposta será sem dúvida fraca. Não concordo com esta ideia: a verdade é que se a Kirchner tivesse esperado o fim da crise europeia, a nacionalização teria sido póstuma. Neste aspecto, hoje ou o próximo ano teria sido a mesma coisa.

Pode haver uma outra resposta.
A nacionalização parte da ideia de que a Respol não avançou com adequados investimentos na Argentina. O que é correcto. Mas porquê? Qual companhia petrolífera não desfruta um poço de petróleo?

Resposta: uma companhia petrolífera não desfruta o petróleo disponível se o investimento não compensa. Na verdade, ao longo dos últimos 3 anos as exportações petrolíferas da Argentina caíram de forma drástica, enquanto as importações não conseguem cobrir a procura: em algumas províncias há escassez de combustível.

As reservas petrolíferas naturais do País estão prestes à esgotar-se, ao ponto que a Repsol abriu negociações para a venda da YPF aos Chineses: isso para concentrar os esforços no Brasil onde, em colaboração com a chinesa Sinopec, entende explorar as reservas ao largo da costa.Será este um investimento enorme e perigoso, mas com muitos mais lucros. Porque a Argentina está a ficar sem petróleo.

As tão publicitadas explorações de Vaca Muerta, como antecipado, requerem um processo de extracção perigoso, muito caro e muito poluidor. o fracking, uma técnica utilizada por enquanto nos Estados Unidos e ao centro de enormes criticas por causa das consequências no plano ambiental. Mas até o fracking, apesar da poluição das reservas naturais de água e dos pequenos terremotos provocados, não consegue obter mais do que 20% do petróleo presente.

Vaca Muerta é uma reserva natural de petróleo enorme, mas a Repsol já tinha deixado claro, com uma carta ao governo argentino, que sozinha não teria avançado, não sem um aliado que participasse nas vertentes económicas e tecnológicas.

Conseguirá a Argentina extrair aquele petróleo sozinha? Não, será precisa uma aliança e os candidatos são poucos, pois não é esta uma tecnologia que possa ser encontrada com tanta facilidade. E quem arriscará agora um investimento gerido pela Kirchner? Uma empresa europeia não, sem dúvida: sobram Chineses e Estados Unidos…

Repito: o princípio é correcto, os recursos naturais duma região devem pertencer aos habitantes daquela região. E seria bom observar o mesmo tipo de acontecimentos em todos os outros Países da América do Sul e não só.
Todavia há alturas na qual é bom usar o martelo, outras nas quais é melhor usar ferramentas um pouco mais “delicadas” para obter o mesmo efeito. A presidente Kirchner escolheu o martelo, a esperança é que tenha uma boa pontaria e que tenha feito bem as contas.

Uma última questão, que tornará enervados muitos Leitores.
Diz o Ministro argentino de Vido: “Por quinhentos anos, os Europeus […] derrubaram o povo da Argentina”.

Esta é uma observação que poderia aceitar sem problemas se vinda dum índio. Agora, aqui estamos a falar de pessoas que têm como apelido “de Vido “Kirchner”, “Sanz”, “Perón”, “López”, “Alonso”…São os descendentes dos que invadiram aquelas terras, eliminaram as tribos dos locais, tomaram posse dos recursos deles.

Muito são emigrantes filhos de famílias europeias que chegaram na América do Sul no princípio do séc. XIX, entraram em terras que não eram deles, começaram a explorar um território que ao longo de milhares de anos tinha pertencido a outros.

A Kirchner pertence a uma das tribos originais? Não parece. Por isso: quem se sentir sem culpa, atire a primeira pedra.

Ipse dixit.