MMT – Parte IV

Quarta parte do MMT, a apresentação da Modern Money Theory.
Já sabem: quem explica é Leo, um dos cães mais cultos do mundo (mas não o único: vejam o caso de Burgos, por exemplo).

Boa leitura.

– Boa tarde Leo.
– Boa tarde. Não há nada, não é? Rádio, televisão, jornais…
– Não, é sempre e só uma entrevista escrita para o blog.
– Tudo bem, continuas assim, vais ver quanto sucesso que consegues…
– Olha Leo, um dos Leitores fez uma observação pertinente.
– Fala.
– Diz que é complicado para quem lê acreditar que um banco possa criar dinheiro a partir do nada, simplesmente ao carregar numa tecla. De facto é complicado acreditar nisso, eu mesmo tenho dúvidas…
– Vocês, humanos…mas percebo, o vosso cérebro não é como o nosso, que é muito mais desenvolvido. Percebo e perdoo.
– Obrigado.
– De nada. Na realidade não existe uma tecla mágica para criar dinheiro, o que eu fiz foi uma simplificação. e digo mais: mesmo que esta tecla existisse, o banco não se limitaria a carregar nela: é preciso um pouco de cenografia. O que acontece na realidade é um pouco mais articulado.
– Olha Leo, o Leitor escreve o seguinte: “na verdade a promessa de pagar entra no passivo como “Obrigações a receber no Curto Prazo” e no activo “Saldo em conta corrente” (conta do cliente)”.
– Sim, é assim que trabalha um banco. Há toda a parte contabilística que não pode ser esquecida: quando o banco acordar um empréstimo, o operador cria duas entradas: uma nas contas do banco, que a partir desta altura fica com um passivo (sendo que quem conceder um empréstimo, fica com uma passividade, pois teoricamente priva-se temporariamente, de algum dinheiro), enquanto é criado um activo na conta do cliente (que, de repente, fica com dinheiro disponível na conta, um activo). Percebeste?
– Não muito.
– Pois. Mas o que quero realçar é o seguinte. A expressão “criar dinheiro ao carregar numa tecla” significa o seguinte: quando eu quero emprestar um osso para outro cão, como primeira coisa vou ver quantos ossos tenho. Vou ver, conto os ossos, depois digo ao meu amigo: “olha, posso emprestar-te 12 ossos, está bem?”
– Mas porque há empréstimos de ossos entre cães?
– Isso são coisas nossas. Dizia: perante um pedido, em primeiro lugar tenho de ver se posso satisfazer este pedido. Isso não acontece no banco. Quando o cliente pedir um empréstimo, o operador não vai contar no cofre o dinheiro disponível, pois não é assim que funciona. Não há ninguém que diga “olha, querido cliente, espere que vou ver na caixa quanto dinheiro temos, assim tanto para saber se temos ou não o dinheiro que pedes”.
– Não? E como podem emprestar se não sabem quanto dinheiro têm?
– Este é o ponto, este é criar “dinheiro ao carregar numa tecla”. Nos bancos modernos os cofres não têm grandes coisas. Repara: nos filmes de cowboy ou até os anos 50 e 60 era normal contar a história de ladrões que escavavam túneis para aceder aos cofres dos bancos. Isso já não acontece hoje e sabes porquê?
– Porque os alarmes são mais eficientes?
– Nada disso: os ladrões são espertos e sabem que o esforço não vale o que podem encontrar num cofre. Já não há montes de barras de ouro, já não há metros cúbicos de notas. Há papel, muito papel, isso sim, mas os bancos trabalham com quantidades mínimas de dinheiro em respeito ao passado.
– Ohhhhh…
– Por isso, perante um empréstimo, ninguém vai ver se no cofre (seja da filial, seja na sede) há ou não há dinheiro suficiente para o empréstimo. E no ecrã do operador não há o total do dinheiro disponível para os empréstimos, o dinheiro é “criado” neste sentido. Os bancos podem fazer isso.
– Ohhhhh…
– Já disseste isso.
– Sim, é uma expressão de surpresa. Mas olha, Leo, e o dinheiro líquido então? Aquele que o banco tem que entregar quando apresentamos um cheque ou que é levantado das caixas automáticas? Aquele não é inventado!
– Então vamos falar do dinheiro líquido. Põe um título.
– Que título?
– O titulo “O dinheiro líquido”, óbvio.
– Ah, espera.

O dinheiro líquido

– Assim?
– Isso mesmo. Então, o dinheiro líquido. Claro aquele que levantamos é dinheiro verdadeiro, dinheiro líquido. Mas, como explicado, é uma pequena fracção do dinheiro que circula, uma fracção bem pequena. O dinheiro líquido é entregue directamente pelo banco central: o banco central envia dinheiro aos vários bancos comerciais e escreve no próprio registo “Entregues 1.000 Reais ao Banco X”. É uma nota de dívida.
– Ohhhhh…
– Mas não sabes dizer outra coisa?
– É que estou a aprender.
– Tá bom. O banco central certifica-se que haja em circulação uma determinada quantia de dinheiro. Isso é importante, caso contrário poderia haver sérios problemas. Imagina: tu entras numa loja e esta não tem dinheiro líquido para dar-te o troco.
– Ohh…ehm, queria dizer: Uhhhhh…
– Pois. Quando um banco aceitar o depósito dum cliente, o banco pega no dinheiro e este é enviado para o banco Central. Aqui fica destruído.
– Desculpa?
– Destruído. Geralmente queimado, pois na maioria dos casos falamos de notas.
– Ó Leo, estás a inventar, não é?
– Invento nada. Max, pensa nisso: o banco central pode imprimir todo dinheiro que quer, e o que custa mais? Manter toneladas de papel em imensas caves, com todos os riscos que isso implica, ou imprimir novas notas, que custam mesmo pouco?
– Mas assim o dinheiro desaparece!
– Não, não desaparece. O banco central recebe o depósito do cliente via banco XY e logo acredita na conta do banco XY (cada banco comercial tem uma conta no banco central) o montante que acabou de receber. Depois destrói o dinheiro recebido e da próxima vez que o banco XY pedir dinheiro, o banco central irá imprimir as notas necessárias que serão entregues. Desta forma retiram-se também as notas utilizadas, que envelhecem muito rapidamente. Pensa só em todas as mãos e carteiras que pode visitar uma nota enquanto está em circulação: em breve fica bastante suja.
– Então dizes que o banco central destrói o dinheiro todo?
– Bom, não literalmente “todo”, mas na maior parte das vezes é assim que funciona: na verdade, o dinheiro líquido tem um ciclo de vida bastante curto.
– E como queimam as moedas?
– Max, as moedas não queimam, são de metal…por isso vivem mais, estragam-se mais devagar. Mas o dinheiro metálico é cada vez menos importante: depósitos, levantamentos, são todos feitos em notas. O que conta entender é que afinal o dinheiro líquido é sempre gerido pelo banco central. É do banco central que nasce, é no banco central que é destruído, é no banco central que volta a nascer. Os bancos comerciais trabalham com dinheiro “electrónico”.
– Mas olha só…e Leo, explica isso: o dinheiro do Estado funciona da mesma forma? Quero dizer, como gasta o dinheiro um Estado? Não vai ao banco comercial, pois não?
– Então vamos falar de como gastam o dinheiro os Estados com moeda soberana. Põe o título.

 O dinheiro líquido

– Mas o que é isso?
– É o título, como pediste.
– Mas não este, um título novo acerca dos gastos dum Estado!
– Ahhhhh, espera…

Como os Estados gastam dinheiro

– Tá bom assim?
– Sim, melhor…então, vamos ver: como é que os Estados gastam dinheiro? Mas atenção: falamos dos Estados com moeda soberana: este não é o caso de Portugal.
– Coitado de Portugal.
– Pois, podes bem dizer…mas olha, Max, este é um discurso complexo. Os Estados, tal como os bancos, criam moeda. Mas é um procedimento complicado.
– Epá, Leo, tenta simplificar, pode ser?
– Pois, estás a ver que significa explicar coisas para os bípedes? Vamos fazer um exemplo com um governo com moeda soberana: os Estados Unidos.
– Barack e o teu colega Bo!
– Coitado, o que deve passar…
– Barack?
– Não, Bo. Mas em frente. Quando os Estados Unidos querem comprar um navio de guerra, que fazem?
– Visitam um concessionário?
– Mas não…o procedimento é complexo, pois intervêm o governo, óbvio, o banco central, que no caso dos Estados Unidos é a Federal Reserve, e os Special Depositories.
– Eh?
– São os bancos comerciais que compram os Títulos de Estado americanos.
– Mas não é a Federal Reserve que fica com os Títulos de Estado do governo americano?
– Não, os Títulos vão sempre nas mãos dos bancos privados. Mas o que interessa aqui é realçar o facto dos Títulos de Estado serem emitidos sem uma cobertura prévia. O governo imprime os Títulos, passa os Títulos aos bancos privados (os Special Depositories), os quais acreditam ao governo o dinheiro pela compra dos Títulos. Logo a seguir, estes bancos transferem o dinheiro na conta corrente do governo americano, conta que fica na Federal Reserve. Com este dinheiro, o governo pode comprar o navio.
– Espera: o Washington imprime os Títulos, vende os Títulos aos bancos privados Special Depoqualquercoisa, os bancos ficam com os Títulos e depositam o dinheiro na conta do Estado, na Federal Reserve?
– Exacto. Mas, como afirmado, o que interessa? Interessa que o governo imprime os Títulos a partir do nada.
– Como assim?
– Os Títulos são uma forma de dizer: “Preciso de dinheiro, tu ficas com este papel (o Título), passa no ano próximo, apresenta o papel e eu, em troca, vou devolver-te o dinheiro mais os interesses”. Não é um cheque, não é preciso ter dinheiro guardado para isso.
– Ohh…ehm, Ihhhhh…
– O Estado “transforma” estes papeis em dinheiro, entendes?
– Quando os bancos comprarem estes “papeis”, ou seja, os Títulos.
– Isso mesmo. Portanto, uma coisa para reter: teoricamente não há limites na quantidade de dinheiro que o Estado pode obter com este esquema. Claro, isso em teoria, mas é assim que funciona. Lembras do que aconteceu no passado mês de Agosto?
– Sim, estava calor, não gosto do calor.
– Mas não, falo dos Estados Unidos, os limites do deficit…
– Ahhh, sim, mais ou menos…
– O governo de Barack Obama queria aumentar o limite de despesa, mas para fazer isso era preciso aumentar o limite do deficit. Porque com a emissão de Títulos de Estado consegues dinheiro, mas cedo ou tarde os credores querem ser reembolsados. Então o governo foi ao Congresso para que o limite do endividamento fosse aumentado, pena a impossibilidade de pagar alguns serviços que o Estado fornece.
– Pois, e o limite foi aumentado após uma luta com os Republicanos.
– Exacto. E que fez o governo a seguir? Imprimiu novos Títulos de Estado e conseguiu novo dinheiro com o esquema dos Special Depositories e a Federal Reserve. Mas repara nesta última coisa pois já estou a ver que tens dificuldades em seguir: o Estado fica com o dinheiro, os bancos com os Títulos de Estado e a Federal Reserve, que é o banco central?
– Paga a conta?
– Nem por isso. A Federal Reserve não paga um tostão, pois o dinheiro na conta do Estado foi pago pelos bancos que adquiriram os Títulos, não é dinheiro da Fed.
– Então quem fica com a dívida é sempre o Estado, que terá de reembolsar os Títulos.
– Achas? Mas o Estado com o dinheiro obtido comprou um bem. E o bem é uma riqueza, um valor. Ou não?
– Pára, pára, já estou com dor de cabeça. Toma uma bolacha e continuamos da próxima vez.
– Bípedes…

Ipse dixit.

MMT – Parte I
MMT – Parte II
MMT – Parte III
MMT – Parte V (em breve)

3 Replies to “MMT – Parte IV”

  1. AMIGO Publiquei isto ontem , tem ideia aqui no brasil qual serie o lugar para buscarmos as contas que sao usadas para transferir o nosso dinheiro pelo CPF ou RG para o FED federal Reserve?????

Obrigado por participar na discussão!

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