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O ouro de Portugal

E Portugal, eh? O simpático Portugal.
Mas não só: também os outros Países em crise.

Eis um falso e-mail que nenhum Leitor alguma vez enviou para pedir explicações acerca da crise portuguesa ou dos outros Países da Zona Neuro:

Caro Max,

em primeiro lugar parabéns pelo blog que acho ser o melhor do mundo e não exagero: você é um génio!

Depois, gostaria de perguntar: porque os Países em crise da Zona Euro não utilizam as reservas áureas para pagar as próprias dívidas?

Continue assim, continue o excelente trabalho e já que estou aqui aproveito para fazer uma doação de 100.000 Euros com o PayPal.
É o mínimo.

Respeitosamente,
Anónimo

Caro Anónimo, antes demais muito obrigado pelas boas palavras e pelo dinheiro também. Por acaso, os 100.000 Euros calham mesmo bem pois tenho que comprar o colar anti-pulga do Leo.

Mas eis o cerne da questão: porque os Países em crise não utilizam o ouro guardado para pagar a famosa dívida pública? O problema não é simples, mas vamos ver de quanto ouro estamos a falar. Estas as reservas áureas das seguintes entidades (dados de Outubro de 2011) com a respectiva posição no ranking mundial:

01. Estados Unidos 8.133,5 toneladas
02. Alemanha  3.401 t.
03. FMI  2.814 t.
04. Italia  2.451,8 t.
14. Portugal  382,5 t.
17. Reino Unido  310,3 t.
19. Espanha  281,6 t.
31. Grécia  111,5 t.
51. Brasil  33,6 t.
72. Irlanda  6,0 t.

Duas contas no caso de Portugal.

Sendo o ouro avaliado em 1.654,85 Dólares (1.265,17 Euro) por cada onça, tendo cada onça um valor de 31,1035 gramas (nota: no comércio dos metais preciosos é utilizada a onça Troy que difere ligeiramente da onça imperial), as reservas áureas de Portugal (382,5 toneladas) têm um valor teórico de  20.350.781.476,0565 Dólares (15.487.718.032,9751 Euro).

Se as minhas contas estiverem certas (e ficaria surpreendido se assim fosse…), Portugal tem mais ou menos 15 mil milhões de Euro em ouro. Sendo a dívida pública 150 mil milhões, isso significa que um décimo da dívida poderia ser paga com o ouro guardado. Não é muito, mas é já alguma coisa: sobretudo daria para as “pequenas despesas” da máquina do Estado.

Mas a questão é mais complicada.
Em Maio do ano passado, o parlamentar alemão Frank Schaffler afirmou o seguinte:

Antes de pôr em perigo o dinheiro dos outros, Portugal deveria antes vender as jóias de família, em particular as reservas áureas.

O que faz sentido. A Alemanha até se ofereceu para adquirir o ouro do banco central português. Só que Portugal…não pode.
Para pagar a dívida, Portugal não pode utilizar o próprio ouro. Há dezenas de casos judiciais que literalmente pendem sobre o ouro de Lisboa. O metal amarelo português deriva em boa parte dos fornecimentos nazistas efectuados ao longo da Segunda Guerra Mundial, no esforço bélico da Alemanha de Hitler. Que pagou em ouro as matérias primas, ouro subtraído aos Países ocupados.

Portugal manteve-se neutral durante o conflito, mas beneficiou do comércio com a Alemanha: nomeadamente, foi com a venda de tungsténio que Portugal conseguiu a maior parte do ouro. Este mineral raro, extraído no centro e no norte de Portugal, era uma componente crucial para a indústria militar nazista. Os alemães usaram o tungsténio para endurecer o aço duma ampla gama de armas.

Em 1942, a máquina da guerra alemã dependia quase inteiramente do tungsténio Português e Espanhol. No início, os alemães pagaram ao ditador António de Oliveira Salazar em moeda forte, mas no final de 1941 o Banco de Portugal informou Salazar que as notas eram em grande parte falsas. Lisboa, então, decidiu que Berlim tinha de pagar em barras de ouro.

Qual ouro? O ouro dos Países entretanto ocupados pelas tropas de Hitler. Os aliados ameaçaram sanções contra Portugal se não tivesse cortado o fornecimento de tungsténio para os Alemães, e advertiu os bancos portugueses que deveriam devolver o ouro de origem duvidosa.

Depois da guerra, os Aliados consideraram ilegal o ouro que Portugal tinha recebido da Alemanha, implementando esforços conjuntos para convencer Portugal a devolver o ouro aos seus legítimos proprietários. O governo dos EUA criticou o papel que Portugal teve no prolongamento da guerra através da venda de tungsténio aos alemães, até o desembarque na Normandia em 1944.

No início, os Portugueses recusaram-se cooperar com os americanos para que o ouro fosse devolvido aos legítimos proprietários, sucessivamente começaram as negociações que, todavia, prolongaram-se.

Finalmente, Portugal e os Aliados concordaram na devolução de duas toneladas de ouro, contra as quase 400 toneladas realmente possuídas.

Todavia isso não foi suficiente para travar dezenas de causas judiciais que ainda condicionam as reservas áureas de Portugal. De facto, as reservas de ouro do País estão bloqueadas.

Ipse dixit.

Fonte: The Wall Street Journal