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Polícia? É privada!

Privatizar a polícia? Nãooo, estamos a brincar, não é?
Não, não é: é esta a mais recente ideia do governo britânico, uma medida em nome da austeridade. Que, pelo visto, pode justificar tudo e mais alguma coisa.

A notícia pode ser encontrada nas páginas online do sindicato dos dependentes públicos do Reino Unido, o Unison. O resumo é simples: o primeiro-ministro britânico David Cameron concebeu um plano para privatizar parte do sector da polícia. Serão as empresas privadas que patrulharão as ruas, investigarão os crimes, e até mesmo poderão deter suspeitos.

O processo de privatização vai começar a materializar-se já nesta primavera. Duas das principais forças policiais do Reino Unido, nos condados do West Midlands e do Surrey, já aceitaram as ofertas de empresas de segurança privada para transferir parte dos seus serviços, como revelou a imprensa britânica no início de Março.

Ben Priestly, presidente do Unison, diz que a privatização da força policial é uma “experiência extremamente perigosa” que pode ter consequências “desastrosas” para o País e que pode significar um “grave retrocesso” dos direitos dos cidadãos.

Os agentes terão menos responsabilidades com os cidadãos, aos quais será negado o direito de recorrer à Comissão Independente de Queixas à Polícia, quando tiverem um problema.

Com a privatização, a polícia do West Midlands poderá despedir mais de 2.700 agentes nos próximos dois anos.

O deputado John Prescott, que era o braço direito de Tony Blair, lidera uma campanha entre as fileiras dos trabalhadores para impedir a privatização da polícia. Solicita que estas medidas estejam sujeitas a referendo popular:

Não podemos realizar uma transformação tão grande, que será um duro golpe para os cidadãos que têm confiança na polícia, sem dar a oportunidade dos eleitores expressarem as suas opiniões.

Para Prescott, as medidas de privatização que o governo conservador justifica no actual contexto de crise económica (gastou menos 20% no orçamento da polícia este ano) significa mover-se para um novo modelo que leva a uma deterioração das condições de trabalho

Afirma o parlamentar trabalhista:

O sector privado deverá fornecer trabalho no âmbito da função pública com salários inferiores aos dos agentes.

Sim, mas este já não é um problema para Cameron.

Simon Reed, vice-presidente da Police Federation of England and Wales, disse que a proposta de privatização poria em causa a possibilidade de investigações bem sucedidas e significaria “destruição do melhor serviço de polícia do mundo”.

Até agora, as forças de polícia inglesas utilizaram as empresas privadas para serviços secundários.

A polícia de Cleveland tem um contrato de 10 anos com a empresa TI Steria para providenciar o tratamento das chamadas telefónicas, a recepção e os aspectos informáticos, financeiros e de treino.

A polícia de Avon e Somerset tinha um contrato com a IBM, o que gerou vários problemas ao longo destes primeiros anos, ao ponto que alguns serviços estão a ser trazidos de volta para as mãos da polícia.

A polícia do Cheshire tem um contrato com a Capgemini para serviços financeiros e gestão de frotas.

Mas quais são as empresas de segurança privada que poderiam desenvolver as tarefas da polícia tradicional? Ainda não há muitos nomes a circular, mas sabe-se que o West Midlands e o Surrey têm recebido ofertas por parte da G4S. E vale a pena gastar algumas palavras acerca desta empresa…

G4S, uma garantia

Em 2005 e 2006 a G4S foi objecto duma campanha global dos trabalhadores, alegando que as suas subsidiárias não respeitavam as normas de trabalho e os direitos humanos.

A subsidiária G4S Wackenhut, em Setembro de 2005, enfrentou acusações de falhas de segurança em sete bases militares onde tinha sido contratada para prestação de serviços.

Em Março de 2006, informadores no interior da mesma G4S Wackenhut divulgaram algumas notas acerca da má gestão numa instalação nuclear dos Estados Unidos, da sistemática violação das políticas de estoque e de manuseamento de armas.

Em Julho de 2007, o senador americano Bob Casey exortou o secretário do Interior Dirk Kempthorne para reexaminar os planos federais que envolvem a G4S Wackenhut e as operações dela nas instalações nucleares norte-americanas. O senador disse que a empresa tinha sido responsável por demasiadas mudanças dos próprios empregados.

No inverno seguinte, o New York Times relatou que a G4S Wackenhut tinha sido substituída em dez usinas nucleares dos EUA, como consequência da descoberta de guardas que dormiam durante o horário de trabalho.

Em 2009, um homem da Austrália Ocidental morreu de insolação após ter sido transportado num veículo da G4S sem ar condicionado ou água.

No Outono de 2009, o pessoal da G4S na Austrália entrou em greve contra os baixos salários e as más condições de trabalho.

Em Junho de 2010, um vídeo postado no YouTube pelo documentarista James Fox mostrou guardas da G4S Wackenhut que impedem os jornalistas de cobrir o vazamento de petróleo BP.

Em Outubro de 2010, três guardas da G4S foram acusados de maltratar um homem de 46 anos enquanto estava a ser deportado para Angola num avião. Jimmy Mubenga, este o nome do indivíduo, foi declarado morto mais tarde na mesma noite no Hospital de Hillingdon. Os passageiros relataram ter ouvido gritos de “não faça isso” e “estão a tentar matar-me”, mas Scotland Yard classificou a morte como “inexplicável”.

Em Abril de 2011 vinte e quatro trabalhadores foram agredidos e presos pelas autoridades por protestar contra as condições de trabalho e os salários do G4S em Moçambique.

Em Janeiro de 2012, a empresa não conseguiu reunir trabalhadores suficiente para cumprir o contracto com o exército dos Estados Unidos para a vigilância de instalações militares na Coreia do Sul. A empresa perdeu o contrato e foi mais tarde acusada de ter tentado obrigar os dependentes a trabalhar mais horas com ordenados mais baixos do que os outros empreiteiros militares na área.

Em 24 de Janeiro de 2012, o Knoxville News Sentinel informou que o pessoal do G4S dormiu durante o trabalho no Laboratório Nuclear de Oak Ridge (unidade que abriga cerca de meia tonelada de urânio 223, suficiente para cerca de 250 ​​detonações nucleares) e também usou um telemóvel não autorizado enquanto no interior das instalações de alta segurança. Fotografias dos incidentes foram distribuídas para publicação.

Perante um tal currículo,  como é possível aceitar oferta duma empresa como esta?
Fica a pergunta. Será que o facto da G4S ser parceiro da Bank of England ou da British Bankers Association pode ter alguma influência?

Ipse dixit.

Fontes: Unison, The Guardian,