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Títulos de Estado: Primary Dealers

Dívida pública.
Bom, vamos ver: se houver uma dívida deverá existir um credor, justo?
E quem é o credor, a pessoa que compra a dívida pública dos Estados?

No geral a explicação é que os credores são “privados”: instituições, pessoas que querem pôr as próprias poupanças a render, fundos de investimento. O termo utilizado muitas vezes é:especuladores.

O pequeno especulador

Porque é disso que falamos: eu, João Pedro Paulo de Vasconcelos da Arrabida, tenho na minha conta 100 Euros (porque sou um bocado pobre, mas enfim). Com uma normal conta bancária os juros chegam apenas para pagar as despesas de manutenção da conta, se a ideia é ganhar algo a estrada é outra.

Então vou ao banco e pergunto: “Olhe lá, seu Director que outra coisa não é: como posso tornar as minhas poupanças mais rentáveis?”.
O Director olha a nossa conta no ecrã dele e diz: “Você é um morto de fome, saia desta instituição respeitada”.

Porque é assim: com 100 Euros que raio de investimento podemos ter? Nem o depósito da gasolina conseguimos encher.

Mas eu, João P.P.d.V.d.A., consigo outros 9.900 Euros. 100 + 9.900 = 10.000 Euros!
Não que seja muito, mas algo é possível fazer.

Então o Director olha, estuda, aprofunda o caso e afinal diz:”Olhe, Sr. João P.P.d.V.d.A., para os meios mortos de fome como você temos a possibilidade de investir nos Títulos de Estado da Grécia. Rentabilidade: 20% (nota: na verdade os Títulos de Estado da Grécia estão actualmente fora do mercado, mas fica como exemplo)”.
“20% num ano?”
“Não, em 6 meses. Ou um ano, ou dois anos, ou cinco anos, é o senhor que escolhe.”
“Qual senhor?”
“Você”.
“Ah, eu. Bom, parece um óptimo negócio mas…é seguro?”
“Seguríssimo, a Grécia nunca irá falir”.

Porque o banco está nas tintas: o dinheiro é vosso e a comissão deles é obtida logo após a assinatura do contracto. O que interessa ao Director do banco é vender um produto, o que interessa ao chefe dele é que o banco consiga lucrar com uma nova operação. Então eu, João P.P.d.V.d.A., assino e fico com os meus Títulos de Estado. Nesta altura sou um “especulador”.

Tudo isso é muito bonito mas representa apenas uma pequena fracção da verdade. Os pequenos especuladores são apenas uma parte bem limitada nesta área financeira. A fatia maior (quase o bolo todo) pertence a outros, os grandes investidores.

Os grandes especuladores

Mas quem são estes?
O Ministério da Economia e das Finanças do Estado Italiano publica uma lista com os nomes dos “Especialistas dos Títulos de Estado”. Estes “Especialistas” são, obviamente, os que adquiriram os Títulos de Estado italianos, mas as diferenças com os “Especialistas” de outros Países são mínimas: pode variar alguma percentagem mas os actores são sempre os mesmos.

Vamos ver a lista. E não esperem surpresas.

Não falta ninguém, não é? Vamos resumir:
Banca IMI (Italia)
Barclays (Reino Unido)
BNP Parisbas (França)
Citigroup (EUA)
Commerzbank (Alemanha)
Crédit Agricole (França)
Credit Suisse Securities (Suíça)
Deutsche Bank (Alemanha)
Goldman Sachs (EUA)
HSBC (Reino Unido)
ING (Hollanda)
JP Morgan Securities (EUA)
Merryll Linch (EUA)
Monte dei Paschi di Siena (Italia)
Nomura (Japão)
Royal Bank of Scotland (Reino Unido)
Société Generale (França)
UBS (Suíça)
UniCredit (Italia)

7 instituições anglo-americanas, 3 francesas, 3 suíças, 3 italianas, 2 alemãs mais outras. São estes os “especialistas” da dívida pública.
Como curiosidade, vamos espreitar a lista relativa ao ano 2011:

Nenhuma variação entre os que o documento define como Primary Dealers. E não podia ser de forma diferente: os Primary Dealers são uma verdadeira casta, uma elite entre as instituições bancárias, com direitos especiais.

São eles, de facto, que têm o direito de negociar directamente com a instituição que emite os Títulos de Estados (por exemplo, nos Estados Unidos tal instituição é a Federal Reserve). Os membros deste grupo são as mais influentes e poderosas instituições não-governamentais dos mercados financeiros globais. Só para ter uma ideia, são eles que fornecem informações para a abertura das negociações dos Títulos, que participam activamente no Tesouro dos EUA, funcionam como consultores tanto no Tesouro dos EUA como na Fed quando o assunto for a política monetária ou o deficit do País.

Ficamos nos Estados Unidos e vamos espreitar a relativa lista dos Primary Dealers que trabalham com a Fed:
Scotiabank (Reino Unido)
BMO (Canada)
BNP Paribas (França)
Barclays (Reino Unido)
Cantor Fitzgerald & Co. (EUA)
Citigroup (EUA)
Credit Suisse (Suíça)
Daiwa (Japão)
Deutsche Bank (Alemanha)
Goldman Sachs (EUA)
HSBC (Reino Unido)
Jefferies & Company (EUA)
J.P. Morgan (EUA)
Merrill Lynch (EUA)
Mizuho (Japão)
Morgan Stanley (EUA)
Nomura (Japão)
RBC (Canada)
RBS (Reino Unido)
SG Americas (França)
UBS (Suíça)

  
Estes são os Primary Dealers dos Estados Unidos e trabalham da mesma forma dos homólogos das listas europeias (em muitos casos são os mesmos Dealers): compram Títulos de Estado e revendem (ou guardam) Títulos de Estado.

Agora, só para acabar, pensamos nisso: temos a concepção do poder dum banco que tem a prioridade na aquisição dos Títulos de Estado dum País?

Ipse dixit.

Fontes: Ministero dell’Economia e delle Finanze (Pdf, em italiano), Wikipedia (em inglês)