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O progresso, a velocidade

O que é o progresso?
Wikipedia:

Progresso é um município brasileiro do estado do Rio Grande do Sul.

Ahé? Não, eu entendia outro progresso. A concepção filosófica do progresso. Que na Wikipedia portuguesa não existe. Melhor experimentar a versão espanhola:

El progreso es un concepto que indica la existencia de un sentido de mejora en la condición humana.

Olé. Esta é a definição. Mas estará correcta?
No ano 1650, na Europa, os suicídios eram 2.6 por cada 100 mil habitantes. No ano 1850 eram já 6.9, hoje são 20 por cada 100 mil habitantes.
Matematicamente falando há de facto uma “progressão”. Mas não é possível falar de “mejora en la condición humana”. Pior: os suicídios são mais difundidos nos Países desenvolvidos. Dá que pensar.

Nevroses e depressões são doenças da Modernidade que no início atingiram as classes mais favorecidas (como Freud ensina), enquanto hoje interessam todas as faixas da população.
Nos Estados Unidos, por exemplo, 566 Americanos em cada 1.000 assumem habitualmente psicofármacos. Significa um cidadão em cada dois.

O abuso de substâncias alcoólicas tem uma longa história, mas é nos últimos séculos que se tornou uma praga social. E nem vale a pena falar das substâncias estupefacientes.

Neste ponto de vista, o actual modelo de desenvolvimento, nascido com a Revolução Industrial, introduziu “novidades” que aparentemente bem pouco partilham com o conceito de “progresso” mas que a ele estão indissoluvelmente ligadas.
Será que o actual modelo deveria ser repensado?

Em Italia, na Val di Susa, há uma dura luta dos locais contra a construção da TAV, o comboio rápido que deveria unir França e Italia. Choques com as autoridades, manifestações, fogos postos, destruição, um rapaz em coma.

Será que a TAV, como muitas outras obras, é indispensável?
Temos de ser mais rápidos ou viver melhor? Porque fazer as duas coisas não é possível.

A Val di Susa, por exemplo, é um vale bonito, não muito longe de Turim, com bosques, lagos, montes que ultrapassam os 3.500 metros, fortes medievais, óptimos mel e vinho, uma significativa cultura local (em particular a occitana, que tem as próprias origens na Idade Média).

O comboio rápido não iria destruir tudo isso, claro que não, não de forma directa: mas seria o começo. Porque quando permitimos que uma cicatriz rasgue o território, a seguir outras cicatrizes serão permitidas: qual administrador local ou nacional iria negar o desenvolvimento duma zona industrial perto da linha férrea (lugares de trabalho, meus senhores, é para combater o desemprego)?

Quantas Val di Susa existem no mundo? Quantos casos como este? Então volta a pergunta: precisamos ser mais rápidos ou viver melhor?

O novo carro da Volkswagen, o Up: 3.5 metros de metal que ultrapassam os 170 km/h. Mas qual doente mental atingirá os 170 km/h com um carro como este? Depois, explica a marca alemã, o Up ganhou as 5 estrelas nos testes de segurança EuroCap. A 170km/h? Duvido…

As leaderships mundiais que fazem perante os cavalos já drogados que somos nós? Mais droga para que seja possível ir ainda mais depressa. Mais cimento, mais tecnologia, mais velocidade para aumentar um stress que atinge níveis já mais do que alarmantes. Então eis os medicamentos, para poder competir na corrida global, com ainda mais tecnologia e mais velocidade.

Faz sentido tudo isso? É humano?

Quem escreve (eu!) não é um “filho das flores”, um novo hippy que circula com o Ying e Yang pintados na capota do carro. É uma pessoa que até gosta de tecnologia, das comodidades que a vida moderna pode oferecer. Que usa o telefone para comunicar, não o pombo-correio. Não quero que o mundo volte atrás, não rezo para uma nova Idade Média.

Mas nem quero ser parte duma sociedade votada ao suicídio de massa. Porque o progresso, o verdadeiro progresso, não pode ser este. Deve existir um progresso que consiga fazer coexistir o respeito pelo ambiente, o respeito pelo Homem e a modernidade.

Apostar na raiva reprimida das pessoas não é progresso. E é um jogo perigoso. Hoje é reprimida, amanhã pode ser manifesta. Naquela altura não serão alguns moradores dum vale esquecido a ocupar as ruas, serão multidões de pessoas desiludidas, frustradas, exasperadas que tentarão deitar a mesa de pernas para o ar.

Porque não precisamos ir mais depressa, precisamos de viver melhor.
E se a escolha for entre a Val di Susa e o comboio rápido, eu escolho o vale.

E mais não digo.
Porquê? Porque não tenho mais nada para dizer, ora essa…

Ipse dixit.